terça-feira, 20 de agosto de 2024

Pedro Doria - Alexandre de Moraes em xeque

O Globo

Elon Musk é um herói por ter dado, para a direita, uma rede em que ela pode ser livre

Alexandre de Moraes está pondo em risco sua vitória mais importante. Por mais que muitos desejem negar, no último sábado Elon Musk, o bilionário dono do X, o colocou em xeque. Ao fechar os escritórios da plataforma no Brasil, recusando-se a obedecer a ordens judiciais, Musk desafia Alexandre. Pede que o Supremo mande interromper o acesso à rede em todo o território nacional. Se e quando a Corte fizer isso, estará de fato censurando, para milhões de brasileiros, uma rede social inteira.

Não é assunto fácil de discutir. Nos polarizamos de uma forma tanto agressiva quanto infantilizada. As personagens da vida pública se tornaram vilões ou heróis, todos de forma caricata. Isso acontece faz mais de uma década com juízes em particular — Joaquim BarbosaSergio Moro, agora Alexandre. Perdemos a capacidade de enxergá-los como funcionários públicos que às vezes erram, às vezes acertam e cujo acerto uma hora não os impede de errar na outra. É preciso ser irredutivelmente a favor ou contra.

Compreender a natureza agressiva e infantil da nossa polarização é essencial para navegarmos a democracia brasileira na direção de seu fortalecimento. A polarização digital é uma racionalização. Os dois grupos polarizados constroem a realidade em que vivem por meio das histórias que contam a si mesmos. E, no cerne da história que a direita adota, está a ideia de que conservadores são calados pela elite progressista. Por políticos e juízes, professores e jornalistas, pelas redes sociais. Nessa história, Elon Musk é um herói por ter dado, para a direita, uma rede em que ela pode ser livre. E Musk reitera essa história a cada tuíte.

A verdade não é essa. Se um dono de rede social apoiasse ostensivamente a esquerda como Musk faz com autoritários de direita, os reacionários teriam uma síncope. Mas não importa que não seja verdade, porque o grupo se sente perseguido e, da maneira como vê, Musk é uma ilha num oceano de injustiças. O dono do X gosta desse papel. Esse forte sentimento de injustiça é o que galvaniza o grupo e dá solidez ao movimento. 

Os dois inquéritos abertos de ofício dentro do Supremo Tribunal Federal, comandados por Moraes, foram necessários e são legais. Foram necessários porque o presidente da República criava o ambiente para dar um golpe de Estado. Quem deveria representar os interesses da sociedade era o procurador-geral da República. Jair Bolsonaro neutralizou a PGR ao colocar em seu comando quem não hesitaria em fingir que não via nada. Restou ao Supremo essa manobra legal.

Ocorre que Bolsonaro não é mais presidente faz quase dois anos, e o comando da PGR já mudou faz um ano. Um inquérito em que o mesmo ministro do Supremo é juiz e procurador pode ser legal, mas eticamente não se sustenta mais.

Crimes foram cometidos contra a democracia brasileira. Precisam ser julgados. Mas devem ser julgados sob a luz do sol. Às claras. A investigação deve ser transparente. Caso seja necessário impedir que alguém tenha acesso às redes sociais por colocar em risco a democracia, algo cada vez mais difícil de defender, a sociedade tem o direito de saber quem, quando e por quê. Ordem de censura é coisa séria. Ideias ruins, desagradáveis ou mesmo ofensivas não devem ser censuradas numa democracia. A censura só é justificável se, no contexto em que sejam manifestadas, as ideias servirem também de incitação ao crime. Há dois anos era crível. Esse ambiente não existe mais.

Quem defende que o bolsonarismo deve ser calado para não ser fortalecido não compreende o judô em curso. Quanto mais se tenta calar esse movimento, mais forte ele fica. Quem saca o argumento do “Paradoxo da tolerância”, de Karl Popper, em geral na forma de cartum, deveria reler o autor urgentemente. Uma democracia se defende com democracia, com abertura, com transparência, com argumentos. No debate público. Não às escondidas.

Musk, ao fechar o escritório do X no Brasil, apresenta aos ministros do STF um desafio. Ele quer ser calado. Quer a ordem de proibição ao acesso à plataforma no país. Confirmará com clareza a perseguição imaginada. O Supremo se colocou nessa situação. O jeito de escapar à armadilha é abrir para todos os brasileiros esse inquérito, explicar por que cada decisão foi tomada, contar, enfim, a história do que se passou nos quatro anos do governo anterior.

É hora de sairmos do estado de exceção. A democracia sobreviveu. É hora de deixá-la agir.

 

5 comentários:

Anônimo disse...

Quanto rodeio pra dizer que nós estamos numa ditadura em que um juiz exerce a função de policial supremo do país Nada justifica a censura, nada justifica a perseguição por questões de opinião aos opositores e fica a própria imprensa que outrora tinha a liberdade de manifestação expressão como valor Sagrado hoje relativiza a censura , mesmo assim já estão vendo que o pau já está cantando na cabeça deles como agora a Folha de São Paulo foi acusada por Alexandre de Moraes de produzir Fake News tendo todo uma documentação gravada
Novos ventos estão soprando, mas se dependesse da nossa imprensa íamos ficar na escuridão para sempre

Daniel disse...

A escuridão dos 4 anos de DESgoverno Bolsonaro felizmente já acabou, mesmo que o anônimo mentiroso acima não reconheça. A Democracia venceu no país, e o GENOCIDA está sendo investigado, já deveria ter sido processado, pra poder ser FINALMENTE CONDENADO E PRESO por tantos crimes. Seus cúmplices, como o anônimo acima e os golpistas de 8 de janeiro, também estão sujeitos às leis brasileiras, que o canalha Musk não quer obedecer. Ele é podre de rico, mais podre que rico, mas tb tem que seguir nossas leis pra atuar no Brasil.

marcos disse...

Daniel, o petralha, chama o Anônimo de mentiroso. Roto e esfarrapado destruindo o Brasil... MAM

Anônimo disse...

Fazer coro aos desmandos desse almofadinha imperialista, mesmo que com todos os contornos, é temeroso, ineficaz e perturbador, ainda mais vindo de onde tá vindo. Não entender essas manobras que visam desestabilizar nossa fragilizada democracia. .Já gostei mais do cronista.

Anônimo disse...

Em tempo: Gilson