O Globo
As intermináveis rodadas de negociações
quadripartites acabam implodidas por novas exigências de Netanyahu
A História registra anos em que a Humanidade
é forçada a se fazer perguntas. Em 2001, o mundo que testemunhou o ruir das
Torres Gêmeas deixara de ser compreensível, e ficamos atarantados por um bom
tempo. Outros anos da História exigem respostas, dão início a uma era de
urgência, e 2024 parece elencado a ocupar esse papel. Estamos falando, é claro,
da guerra sem paz no Oriente Médio.
Em seu aguardado discurso no plenário da ONU, na sexta-feira, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, tonitruou certezas por mais de meia hora. Orador eloquente, de sua boca não se ouviu uma única vez a palavra “cessar-fogo”. “Palestinos” só frequentaram en passant seu discurso de 3.979 palavras. Tal qual o solitário peixe-dourado que, embora aprisionado num minúsculo aquário, acredita estar nadando no oceano, Netanyahu deu braçadas múltiplas sem sair do lugar. Um lugar fincado na força.
As afirmações de maior impacto retórico do
seu discurso podem ser contestadas sem grande esforço:
— O que está em jogo não é Gaza, não é o Hezbollah,
é a existência de Israel.
Errado: Israel já existe e deve continuar a
existir sempre, em segurança. O que está em jogo é a desocupação da Cisjordânia,
de parte de Jerusalém e
agora de Gaza, para a criação formal de um Estado palestino.
— Vamos vencer porque não temos opção.
Errado. A opção chama-se negociação visando a
um cessar-fogo imediato.
— Não existe substituto para uma vitória
total.
Errado: o que não existe é uma vitória total.
— Mando um recado para o mundo: estamos
vencendo.
Errado. Israel está ampliando a guerra para
o Líbano por
não conseguir uma vitória total em Gaza.
As promessas do governo Netanyahu de
“eliminar ou prender todo terrorista do Hamas ou
da Jihad Islâmica que participou direta ou indiretamente no planejamento ou
execução do massacre de 7 de outubro de 2023”, além da libertação dos mais de
cem reféns (30 dos quais já estariam mortos) ainda em mãos do grupo e da
erradicação do poder político do Hamas sempre soaram irrealizáveis. Com as
Forças de Defesa de Israel no seu 359º dia de guerra em Gaza, a terra, ali,
ficou arrasada. A população civil virou alvo colateral ou massa de manobra
errante, faminta, mutilada, desenraizada. Os mortos da guerra já são mais de 60
mil. Noventa por cento da infraestrutura do território está destruída. Meses
atrás o Birô de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU já estimava em pelo
menos três anos o tempo necessário para tentar localizar perto de 10 mil
palestinos desaparecidos entre os escombros.
Pelo menos até esta semana, nada disso levou
até o esconderijo de Yahya Sinwar. Ele, como se sabe, é o líder máximo do braço
terrorista do Hamas. Foi ele quem planejou o fatídico 7 de Outubro que chacinou
indiscriminadamente 1.200 mulheres, crianças, adolescentes, bebês, idosos,
civis e militares no sul de Israel. Foi dele também a ordem para que fossem
feitos reféns, visando a usá-los como futura moeda de barganha.
Segundo o diário israelense Haaretz, existe
uma equipe do Shin Bet, o serviço de segurança interna de Israel, dedicada
exclusivamente à captura de Sinwar, enquanto uma segunda equipe de todos os
serviços de inteligência somados se ocupa em localizar os demais terroristas.
Por cinco vezes, afirma o jornal, o líder procurado escapuliu do cerco. Só se
comunica por meio de notas escritas usando luvas. Em duas ocasiões, chegou a
conversar em hebraico com alguns dos 105 reféns soltos em novembro passado, por
ocasião de um cessar-fogo de seis dias.
Foi a última vez que Israel aceitou um acordo
de cessar-fogo temporário em Gaza. Desde então, as intermináveis rodadas de
negociações quadripartites acabam implodidas por novas exigências ou propostas
de Netanyahu. A mais recente, formulada pelo coordenador das famílias dos
reféns e aceita pelo governo, oferece salvo-conduto a Sinwar, à sua família e a
milhares de membros do Hamas em troca da libertação de todos os reféns. Quem
conhece Netanyahu e, sobretudo, Sinwar, sabe ser improvável que esse cenário se
concretize. Além do que, um destravamento do impasse agora poderia servir à
campanha eleitoral da vice-presidente de Joe Biden, Kamala Harris.
E, para Benjamin Netanyahu, só interessa uma vitória de Donald Trump.
Faltando pouco mais de um mês para a eleição de 5 de novembro, há quem suspeite
que “Bibi” queira aguardar o resultado para presentear o seu eleito, de
bandeja, com um trunfo diplomático. São pouco mais de 30 dias de guerra inútil
contra Gaza, 864 horas a mais de terror para os reféns, uma eternidade sem paz.
Chegamos até aqui sem falar do alarmante
desdobramento da mesma lógica de guerra na frente Norte, contra a milícia xiita
do Hezbollah aquartelada no Líbano. Bombardeios, terra arrasada, “a batalha do
bem contra o mal”, a primeira leva de mortos e deslocados. Tudo inútil. O nó da
questão continua o mesmo: a criação de um Estado palestino soberano, não
terrorista.
3 comentários:
Texto magnífico, análise excepcional! Netanyahu foi até a ONU para divulgar os CRIMES DE GUERRA do seu governo e anunciar os novos passos no GENOCÍDIO dos palestinos que o Estado terrorista de Israel dará sob o seu comando. De quebra, ordenou de lá mesmo os novos ataques às nações vizinhas que as forças armadas israelenses fizeram menos de uma hora depois do seu discurso. Biden fez questão de dizer que não tinha qualquer informação sobre tais ataques, pra tentar se desvincular deles. Mas os EUA e a Europa armaram Israel, supostamente pra autodefesa, porém sempre souberam que tais armas também poderiam ser usadas pra atacar seus vizinhos, mas talvez não esperassem que Israel fosse cometer na região o mesmo GENOCÍDIO que os judeus sofreram dos nazistas alemães.
Jeová!
EUA, França, Inglaterra e Alemanha são cúmplices de Netanyahu e seus crimes de guerra. Colocam-se contra a ONU e contra a grande maioria dos países que criticam as ações militares de Israel.
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