O Globo
Não é todo dia que o presidente de um país em
chamas dá as caras
Em rito tradicional, Lula da
Silva discursa amanhã no púlpito da ONU.
São palavras aguardadas pela plateia. Não é todo dia que o presidente de um
país em chamas dá as caras. Nem é sempre que um chefe de Estado, do tipo
falante que cumprimenta caixa eletrônico, deve usar o “veja bem” para culpar o
mundo por seu desassossego. A autocrítica não integra o figurino da esquerda,
principalmente a latino-americana.
Quem estiver sentado naquelas cadeiras, por educação, jamais tocará nas palavras “corrupção na Petrobras” ou “falência da Sete Brasil”, até mesmo no nome Dilma Rousseff ou no conceito de “lucro” da Vale privatizada. Parece curioso, mas, no Brasil petista das últimas décadas, o que poderia ser saudado como acerto é visto como desarranjo, enquanto o que é condenado na Justiça por malversação de dinheiro público, incompetência e inapetência ideológica (fomos salvos pelo Dino) ganha roupagem de perseguição.
Como manda a diplomacia, os chefes de Estado
não comentarão que no ano passado Lula da Silva esteve ali mesmo para
aplicar-lhes uma reprimenda sobre as mudanças climáticas, as emissões de gases,
enfim, que chegara ao mundo alguém capaz de ensinar a todos como matar no peito
os problemas do planeta. Bastava ouvi-lo em seu contundente desprezo pelos
pronomes.
“As cenas da seca nos rios amazônicos no ano
passado, jamais vistas até então, já não sugeriam que a batata estava
assando?”, poderia perguntar Emmanuel
Macron. “E aqueles informes todos, de diferentes órgãos
governamentais, com previsão de crise hídrica e calor exacerbado, o que
aconteceu?”, estaria na ponta da língua do chanceler Olaf Scholz.
“Os avisos do ministério de Marina Silva dormiram
na sua mesa sem providências?”, sugeria o semblante fechado de Justin Trudeau,
seguido de uma exclamação: “Oi, explorar petróleo na Foz do Amazonas?!”. Por
dois anos seguidos, o lindo Pantanal das minhas histórias paternas arde num
fogo inclemente, por quê?
A primeira-ministra da Itália, Giorgia
Meloni, com seu jeito loquaz, dividirá com seus colegas a dúvida:
“Por que continuar comprando produtos brasileiros oriundos de áreas suspeitas —
como garimpo irregular, área desmatada etc.?”. “Adiar com que intento? Aí tem”,
desconfiará um sisudo Keir Starmer. “Não seria uma medida que coibiria as
queimadas criminosas, o uso da Amazônia pelas facções do crime organizado?”,
ele completaria. Hum.
“Ah, o Maduro, o Maduro!”, balançaria a
cabeça Joe Biden (sem
estar acompanhado da mulher). Estivesse presente, Jill Biden perguntaria à
homóloga brasileira como não achou no palácio os móveis (sofás, banquetas,
namoradeiras etc.) que Michelle havia guardado noutra sala. Brigitte Macron
sorriria discretamente com a saia justa da falta de prática petista, incapaz de
localizar uma espreguiçadeira.
Desde que voltou à Presidência, numa vitória
da frente ampla, que ele reconhece, mas não paga, ou paga quando quiser, Lula
da Silva se colocou como líder mundial. Chamou a si questões como a guerra na
Ucrânia, depois em Gaza, e ainda perfilou-se
em campo ao lado de Putin numa alucinação ideológica, o alegado Sul Global. Não
foi ouvido pela diplomacia dos principais atores globais, exceto por Volodymyr
Zelensky, que cobra sua postura de estar ao lado de um país invasor.
Por sorte, as promessas ungidas ou mesmo
estratégias em linguagem de arquibancada de Lula não estão submetidas ao fact
checking. De seu púlpito na ONU, teria de ouvir correções — jura que Celso Amorim é
um estrategista diplomático? Ele não parece aprender com tantos fracassos. Se
está ao lado de López Obrador na
questão Venezuela,
o que achar do projeto apoiado por ele de eleger juízes nas diferentes
instâncias judiciais no México?
A bordo de sua história de quem venceu três
eleições presidenciais, Lula não falará de seus temores. Javier Milei, Nicolás
Maduro e Janja dificilmente
merecerão menções. São três próceres, em distintos graus, que diminuem sua
pontuação. Milei, dia sim, dia não, o esculacha. Maduro, ah, Maduro, esse se
vende como amigo, mas já o deixou na fogueira, com bola nas costas ou abraço de
urso — como se explica que o candidato que o derrotou seja hoje um exilado
político? Às atas, sem escrúpulos.
Sim, Janja — Janjes (sic)! — e seu frescor
contemporâneo provocam abalos com sua pauta identitária causadora de engasgos.
No governo, suas cotas não correspondem aos fatos. Ela o transformou num chefe
de RH.
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