segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Miguel de Almeida - Anotações para a ONU

O Globo

Não é todo dia que o presidente de um país em chamas dá as caras

Em rito tradicional, Lula da Silva discursa amanhã no púlpito da ONU. São palavras aguardadas pela plateia. Não é todo dia que o presidente de um país em chamas dá as caras. Nem é sempre que um chefe de Estado, do tipo falante que cumprimenta caixa eletrônico, deve usar o “veja bem” para culpar o mundo por seu desassossego. A autocrítica não integra o figurino da esquerda, principalmente a latino-americana.

Quem estiver sentado naquelas cadeiras, por educação, jamais tocará nas palavras “corrupção na Petrobras” ou “falência da Sete Brasil”, até mesmo no nome Dilma Rousseff ou no conceito de “lucro” da Vale privatizada. Parece curioso, mas, no Brasil petista das últimas décadas, o que poderia ser saudado como acerto é visto como desarranjo, enquanto o que é condenado na Justiça por malversação de dinheiro público, incompetência e inapetência ideológica (fomos salvos pelo Dino) ganha roupagem de perseguição.

Como manda a diplomacia, os chefes de Estado não comentarão que no ano passado Lula da Silva esteve ali mesmo para aplicar-lhes uma reprimenda sobre as mudanças climáticas, as emissões de gases, enfim, que chegara ao mundo alguém capaz de ensinar a todos como matar no peito os problemas do planeta. Bastava ouvi-lo em seu contundente desprezo pelos pronomes.

“As cenas da seca nos rios amazônicos no ano passado, jamais vistas até então, já não sugeriam que a batata estava assando?”, poderia perguntar Emmanuel Macron. “E aqueles informes todos, de diferentes órgãos governamentais, com previsão de crise hídrica e calor exacerbado, o que aconteceu?”, estaria na ponta da língua do chanceler Olaf Scholz. “Os avisos do ministério de Marina Silva dormiram na sua mesa sem providências?”, sugeria o semblante fechado de Justin Trudeau, seguido de uma exclamação: “Oi, explorar petróleo na Foz do Amazonas?!”. Por dois anos seguidos, o lindo Pantanal das minhas histórias paternas arde num fogo inclemente, por quê?

A primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, com seu jeito loquaz, dividirá com seus colegas a dúvida: “Por que continuar comprando produtos brasileiros oriundos de áreas suspeitas — como garimpo irregular, área desmatada etc.?”. “Adiar com que intento? Aí tem”, desconfiará um sisudo Keir Starmer. “Não seria uma medida que coibiria as queimadas criminosas, o uso da Amazônia pelas facções do crime organizado?”, ele completaria. Hum.

“Ah, o Maduro, o Maduro!”, balançaria a cabeça Joe Biden (sem estar acompanhado da mulher). Estivesse presente, Jill Biden perguntaria à homóloga brasileira como não achou no palácio os móveis (sofás, banquetas, namoradeiras etc.) que Michelle havia guardado noutra sala. Brigitte Macron sorriria discretamente com a saia justa da falta de prática petista, incapaz de localizar uma espreguiçadeira.

Desde que voltou à Presidência, numa vitória da frente ampla, que ele reconhece, mas não paga, ou paga quando quiser, Lula da Silva se colocou como líder mundial. Chamou a si questões como a guerra na Ucrânia, depois em Gaza, e ainda perfilou-se em campo ao lado de Putin numa alucinação ideológica, o alegado Sul Global. Não foi ouvido pela diplomacia dos principais atores globais, exceto por Volodymyr Zelensky, que cobra sua postura de estar ao lado de um país invasor.

Por sorte, as promessas ungidas ou mesmo estratégias em linguagem de arquibancada de Lula não estão submetidas ao fact checking. De seu púlpito na ONU, teria de ouvir correções — jura que Celso Amorim é um estrategista diplomático? Ele não parece aprender com tantos fracassos. Se está ao lado de López Obrador na questão Venezuela, o que achar do projeto apoiado por ele de eleger juízes nas diferentes instâncias judiciais no México?

A bordo de sua história de quem venceu três eleições presidenciais, Lula não falará de seus temores. Javier MileiNicolás Maduro e Janja dificilmente merecerão menções. São três próceres, em distintos graus, que diminuem sua pontuação. Milei, dia sim, dia não, o esculacha. Maduro, ah, Maduro, esse se vende como amigo, mas já o deixou na fogueira, com bola nas costas ou abraço de urso — como se explica que o candidato que o derrotou seja hoje um exilado político? Às atas, sem escrúpulos.

Sim, Janja — Janjes (sic)! — e seu frescor contemporâneo provocam abalos com sua pauta identitária causadora de engasgos. No governo, suas cotas não correspondem aos fatos. Ela o transformou num chefe de RH.

 

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