O Estado de S. Paulo
A insegurança jurídica, a influência do crime organizado e a politização das decisões poderão vir a ser evidenciadas nos próximos anos
O Congresso mexicano aprovou uma ampla
mudança constitucional que prevê profunda reforma do Judiciário, submetida pelo
presidente López Obrador na reta final de seu mandato. A lei, já sancionada por
Obrador, deverá ser aprovada por cerca de 27 Estados onde o partido Morena, de
Obrador, tem ampla maioria. Nas eleições presidenciais de junho passado, o
atual presidente conseguiu eleger Claudia Sheinbaum como sua sucessora e
alcançou ampla maioria não só nas duas casas do Congresso, mas também em 17 dos
32 Legislativos estaduais.
As mudanças aprovadas no México são semelhantes à reforma que Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, quis aprovar em razão de desavenças com a Suprema Corte, mas não conseguiu por falta de apoio da sociedade israelense e de votos no Knesset. Segundo os críticos da reforma, caso aprovada, acabaria com a independência judicial em Israel.
Populista, a reforma do Judiciário no México,
entre suas principais medidas, estabelece que mais de 6.500 juízes, incluindo
os ministros da Suprema Corte de Justiça da nação (equivalente ao STF), terão
seus mandatos encerrados e serão substituídos a partir de eleições por voto
popular, com listas de candidatos elaboradas pelos Poderes Executivos,
Legislativos e Judiciário, em 2025 e 2027. A reforma reduz de 11 para 9 os
ministros da Suprema Corte, diminui a duração de seus mandatos de 15 para 12
anos e extingue a exigência mínima de 35 anos de idade para a indicação à
Corte. São igualmente retirados alguns benefícios de funcionários do Judiciário
e cria-se um órgão fiscalizador, composto por cinco integrantes.
A implementação dessa controvertida reforma
deverá ser realizada pela nova presidente mexicana, que deverá conduzir, de
forma direta, o pleito para a escolha dos juízes no próximo ano. Claudia
Sheinbaum declarou que “o regime de corrupção e de privilégios está se tornando
uma coisa do passado” e que “uma democracia verdadeira e o Estado de Direito
começam a ser construídos”. A mudança deverá permitir ao partido governamental,
o Morena, o controle dos Três Poderes, longe de uma verdadeira democracia.
A reforma constitucional do Judiciário gerou
fortes manifestações contrárias à aprovação da lei e muitos analistas observam
que a insegurança jurídica dela decorrente poderá afetar novos investimentos,
inclusive aqueles em infraestrutura, tão necessários para atender o grande
número de empresas que se está instalando no México para se beneficiar do
mercado norte-americano. Há igualmente o temor de que, com a eleição para o
preenchimento dos postos no Judiciário, as disputas serão politizadas e o
Judiciário poderia ser também contaminado politicamente, perdendo sua
autonomia.
Levando em conta a crescente participação do
crime organizado na sociedade mexicana e sua infiltração nos aparelhos de
Estado, o novo sistema judiciário poderá ficar mais acessível à infiltração de
juízes de alguma forma ligados ao crime organizado. O México agora, na prática,
se transformou num país de partido único. Em razão do novo sistema eleitoral
para a escolha dos juízes, inclusive aqueles para a Suprema Corte, o país
enfrentará um grande desafio para esse Judiciário eleito se manter independente,
como é de praxe em qualquer democracia.
A sociedade mexicana está dividida sobre o
tema. Muitos acham que a reforma é necessária para benefício de todos, e não de
uns poucos, como ocorre com o sistema atual. Outros afirmam que acabou a
separação de Poderes e a República, como estabelecida até agora, deixa de
existir. Seria consagrada a afirmação de um governo autoritário.
A reforma do Judiciário provocou reação dos
Estados Unidos e do Canadá. Washington falou de “um grande risco” e o governo
canadense demonstrou preocupação com a insegurança jurídica de parte dos
investidores.
Acompanhando de longe essa controvertida
modificação constitucional, pode-se dizer que houve forte motivação ideológica
para sua aprovação. López Obrador sempre foi um político da ala esquerda do
espectro político mexicano e durante seu governo muitas foram as disputas entre
o Executivo e o Judiciário. A proposta da reforma estava sendo discutida e era
aguardada. O momento escolhido, porém, é simbólico. Obrador quis ser o autor da
mudança um mês antes do fim de seu mandato, preferindo deixar que sua sucessora
apenas implemente as reformas.
Não se pode ignorar o risco de politização na
escolha dos juízes que irão concorrer aos postos vagos, inclusive na Suprema
Corte. Difícil imaginar que o partido Morena – na prática o único partido com
força no cenário político mexicano – não vai influir na escolha de candidatos
para todos esses cargos. A insegurança jurídica, a influência do crime
organizado e a politização das decisões poderão vir a ser evidenciadas nos
próximos anos.
Qualquer semelhança com as discussões que
estão em curso há algum tempo no Brasil sobre a insegurança jurídica derivada
da falta de harmonia e de coordenação entre os Três Poderes, as consequências
políticas, econômicas e sociais em decorrência da judicialização da política e
da política de judicialização e sobre a infiltração do crime organizado em
diferentes níveis das esferas municipais, estaduais e federais não será mera
coincidência.
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