terça-feira, 24 de setembro de 2024

Maria Cristina Fernandes - O governador que pactuou com Marina pelo Pantanal

Valor Econômico

Reação de Riedel às queimadas no Pantanal foram classificadas por Marina de “paradigmáticas”

Um dos pivôs da traumática saída da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, do mesmo cargo no segundo governo Luiz Inácio Lula da Silva, que também a levou a deixar o PT, fundar o Rede e disputar a Presidência da República, foi o então governador do Mato Grosso e rei da soja, Blairo Maggi, que levantou barricadas na batalha contra o desmatamento.

Dezesseis anos depois, Marina escolheu um outro governador, o do Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel - desta vez para símbolo do diálogo possível no combate às queimadas. Mencionou a relação com o Estado como exemplo na reunião dos governadores da semana passada, levou Riedel para a entrevista que se seguiu, junto com o ministro da Casa Civil, Rui Costa e, nesta segunda, em entrevista ao podcast “Café da Manhã” a ministra nomeou a reação do governador às queimadas como “paradigmática”.

A relação com Riedel começou com um embate. Em setembro do ano passado, uma decisão do Conselho Nacional do Meio Ambiente mandou suspender todas as licenças de exploração no Mato Grosso do Sul. O governador, que não conhecia Marina, bateu à sua porta. Disse que a portaria do Conama criaria uma guerra jurídica e não permitiria assentar uma política pública contra o desmatamento. Propôs um compromisso. Suspenderia todas as licenças emitidas pelo Estado até que fosse aprovada uma Lei do Pantanal na Assembleia Legislativa.

O bioma está num buraco negro do Código Florestal, que prevê a preservação de 20% do Cerrado, 35% das áreas de transição, 80% da floresta amazônica e remete o Pantanal para a legislação estadual. Riedel comprometeu-se, ainda, a consultar o MMA ao longo da elaboração e da tramitação da lei. Ao fim de quatro meses de uma negociação em que o governador se envolveu pessoalmente com parlamentares, agronegócio e ambientalistas, a lei foi aprovada em dezembro do ano passado.

Em abril deste ano, Marina pactuou com Riedel um plano de prevenção para as queimadas no Pantanal que envolveu o Comando Militar do Oeste, bombeiros, Ibama, Força Nacional, bombeiros e brigadistas.

Até aqui - sim, ainda pode piorar porque a chuva não chegou - o número de focos de incêndio é maior do que aquele registrado em 2020, mas a extensão atingida é menor. Aos números: naquele ano queimaram 2,5 milhões de hectares no Mato Grosso do Sul a partir de 5.450 focos de incêndio. Este ano, contabilizam-se 7.309 focos que queimam 1,4 milhão de hectare.

A extensão do estrago não autoriza comemoração, mas as partes asseguram que, dada a gravidade da maior seca em 70 anos, não fosse a coordenação federativa, o dano teria sido muito maior.

O entendimento de Riedel com Marina não soluciona todos os embates. As dificuldades em torno de um endurecimento que vá além do aumento de penalidades contra as queimadas intencionais no Congresso já levaram tanto o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, quanto o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, a propor o confisco de terras e o veto a financiamento de proprietários cujo envolvimento nas queimadas seja comprovado.

Riedel aprova o aumento de penalidades e a restrição do financiamento, mas usa o ex-presidente do Itaú Cândido Bracher de exemplo contra o confisco. Hoje detentor de terras para fins de preservação no Pantanal, Bracher tem mencionado o incêndio provocado nesta temporada por um caminhão atolado nas proximidades de sua propriedade. O motorista forçou o motor, provocou faíscas e, a partir delas, 300 mil hectares arderam durante uma semana.

Ainda que mantenha divergências com o governo federal, o governador pantaneiro oferece uma porta para o diálogo numa região cuja liderança, até aqui, vinha sendo exercida pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado. Enquanto Marina, Rui Costa e Riedel davam entrevista na semana passada depois da reunião dos governadores, Caiado vociferava contra a “procrastinação” do governo federal.

Filiado a um PSDB que, no governo passado, serviu de linha auxiliar do bolsonarismo, Riedel tem tido uma relação mais fluida com os petistas do que seu correligionário, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que colecionou embates ao longo da tragédia das enchentes no seu Estado.

O governador teve apoio do PL nos dois turnos de sua eleição e do PT no segundo turno contra o candidato do PRTB, Capitão Contar, aliado de Jair Bolsonaro. Hoje, Riedel, cujo governo conta com apenas 12 secretarias, tem como chefe da Casa Civil o ex-deputado estadual Eduardo Rocha, marido da ministra do Planejamento Simone Tebet, e trouxe tanto o PL quanto o PT para seu governo. Na disputa pela capital este ano, seu partido o PSDB está na vice do candidato do PL enquanto o PT lançou candidatura própria.

Os embates da política não afastaram Riedel do Palácio do Planalto. Já foi recebido duas vezes pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva este ano, voltou a falar com ele por telefone na semana passada e foi anfitrião de uma visita sua ao Estado.

Num Estado que deu 59% dos votos a Jair Bolsonaro em 2022, não vê danos nessa aproximação: “Nessa disputa, perde-se energia e a chance de fazer política pública”. É uma fresta de ar - para um governo que tem tido dificuldade de abrir portas à direita e para o Pantanal.

 

2 comentários:

Mais um amador disse...

Perfeito.

Anônimo disse...

Alguma racionalidade no meio do caos.