O Estado de S. Paulo
É difícil imaginar que, depois de tanto tempo de conformismo, surja na AL e Caribe uma onda de modernização e de crescimento como a preconizada pela Cepal
Sombrio é como alguns jornais descrevem o ambiente econômico na China. A desaceleração da atividade econômica é acentuada. A produção industrial e as vendas no varejo crescem menos que o esperado, o desemprego começa a subir, o mercado de ações despenca. O resto do mundo acompanha com apreensão esse desenrolar. Países desenvolvidos temem que, necessitando estimular a economia, a China adote medidas protecionistas ou práticas comerciais não convencionais. Outra parte do mundo será afetada pela queda da demanda da China.
Embora seja o segundo maior destino dos
produtos exportados pela América Latina (e o principal mercado para as
exportações brasileiras), a China não preocupa os analistas nesta parte do
mundo. A maioria deles prevê queda no ritmo de crescimento da economia chinesa,
como constatou a mais recente sondagem trimestral do Instituto Brasileiro de
Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que consultou centenas de
especialistas em mais de dez países. Mas a percepção predominante entre eles é
a de que, para a maioria dos países, o impacto da desaceleração da China será
médio. No Brasil, em particular, metade dos consultados prevê impacto baixo.
Se a China não é – ou ainda não é – problema
que mereça maior atenção dos latino-americanos, há outros que há muito deveriam
ter sido resolvidos. Como não foram, tornaram-se crônicos e parecem condenar a
região à estagnação. Por cansaço ou conformismo, mesmo tendo sido fortemente
prejudicada, a sociedade tolera a persistente omissão dos responsáveis por
políticas públicas.
O resultado é um cenário sombrio, mais do que
na China. No estudo econômico que lançou no mês passado, a Comissão Econômica
para a América Latina e o Caribe (Cepal) destacou que a região continua presa
numa armadilha de baixo crescimento, caracterizada por pouco investimento,
baixa produtividade do trabalho e carência de recursos públicos para políticas
estimuladoras da atividade econômica. E isso ocorre num cenário de incerteza
global, no qual pesam a perda de dinamismo da economia chinesa e conflitos ainda
de natureza localizada, mas com potencial para se ampliarem, além do risco de
mudanças políticas bruscas nos Estados Unidos.
O estudo da Cepal mostra que, entre 2015 e
2024, a região teve baixo crescimento, na média de 0,9% ao ano. É uma expansão
menor do que a de 2,0% registrada na década de 1980, que foi chamada de “a
década perdida”. Parece uma década que nunca termina.
Para escapar da armadilha de baixo
crescimento, aumentar o nível de emprego e gerar postos de trabalho de maior
produtividade, é preciso que haja políticas eficazes de desenvolvimento
produtivo, complementadas por políticas macroeconômicas adequadas e políticas
trabalhistas que estimulem a geração de emprego sem ferir direitos, recomendou
o secretário executivo da Cepal, José Manuel Salazar-Xirinachs, ao apresentar o
estudo.
Além dos desafios conhecidos, e nunca
convenientemente enfrentados pela maioria dos países da América Latina, o
secretário executivo da Cepal advertiu para a existência de outro: o da
adaptação às mudanças climáticas e de mitigação de seus efeitos.
Como observou o estudo, a maioria dos países
latino-americanos está situada em zonas geográficas muito expostas aos efeitos
das mudanças hidrometeorológicas ou à ocorrência de fenômenos meteorológicos
extremos. A região tem elevada dependência de atividades econômicas muito
sujeitas aos efeitos das mudanças climáticas, como agricultura, mineração e
turismo.
Numa simulação dos impactos das mudanças
climáticas, a Cepal montou um cenário básico no qual estimou o desempenho dos
países que adotaram as medidas necessárias para se adaptar a elas e mitigar
seus impactos e projetou o que ocorreria caso esses países tivessem sido
negligentes na questão ambiental. Em cerca de 25 anos, o PIB dos países
negligentes seria 12,5% menor do que teria sido caso tivessem tomado as medidas
necessárias para o enfrentamento das mudanças climáticas. O número de pessoas
ocupadas seria 11,2% menor do que o que se alcançaria no cenário básico.
São projeções, é verdade, mas podem nos dar
ideia do tamanho do desafio que, apenas na atividade econômica e no nível de
emprego, as mudanças climáticas impõem a governantes e à sociedade. Os desafios
para a preservação das condições de vida no planeta são ainda mais dramáticos.
Em outro trabalho, divulgado há poucas
semanas, a Cepal fez um apelo aos países da região para ampliar e melhorar as
políticas de desenvolvimento produtivo que impulsionem a produtividade de
maneira eficaz, pois até agora os esforços têm sido apenas marginais se
comparados com as necessidades e com o que outros países fizeram e estão
fazendo.
É difícil imaginar que, depois de tanto tempo de conformismo, surja na região uma onda de modernização e de crescimento como a preconizada pela Cepal. Mas quem sabe possa surgir?
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