terça-feira, 24 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Lula enfrentará na ONU os paradoxos de sua diplomacia

O Globo

Do meio ambiente à Venezuela, da Ucrânia ao Oriente Médio, Itamaraty criou armadilhas no atual governo

Ao abrir a Assembleia Geral da ONU no ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva causou boa impressão pelo contraste com o antecessor. Parecia, enfim, que o Brasil estava de volta à cena internacional depois de relegado à posição de pária pelo bolsonarismo. Com quase dois anos de mandato, o encanto se quebrou. Nesta terça-feira, ao repetir a tradição do discurso de abertura, Lula terá de enfrentar os paradoxos e contradições de sua política externa. Sejam quais forem os temas abordados — do aquecimento global à fome, da guerra na Europa ao conflito no Oriente Médio, da Venezuela à crise migratória —, a diplomacia brasileira sob o PT esbarra em obstáculos que ela mesma criou.

meio ambiente é um exemplo didático. Antes de assumir, Lula fez questão de se apresentar como líder do combate às mudanças climáticas. Dois anos depois, chega a Nova York com o Brasil encoberto pela fumaça da Amazônia e do Pantanal. A estação seca deste ano bateu recordes, é verdade. Mas faltaram planejamento e prevenção. O governo fez pouco para recompor órgãos ambientais, contratar brigadistas temporários e coordenar o trabalho com equipes estaduais para deter os criminosos. Lula não perde a oportunidade de exigir recursos dos países ricos para mitigar os efeitos das mudanças do clima — e está certo. Mas faria melhor se demonstrasse capacidade de gestão. A levar em conta a atual, mais dinheiro não será barreira para o fogo.

Na Venezuela, o histórico de homenagens e rapapés a Nicolás Maduro, recebido com honras em Brasília no início do governo, de nada adiantou para negociar uma saída para a crise desencadeada pela fraude na eleição presidencial. O vencedor nas urnas, o oposicionista Edmundo González, foi obrigado a buscar refúgio na Espanha. A repressão tem sido implacável. De Lula e de seu assessor para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, ouviram-se apernas declarações desajeitadas, sem nenhuma crítica que faça jus à fraude escandalosa. Enquanto isso, o fluxo de migrantes venezuelanos cruzando a fronteira brasileira voltou a crescer.

Na guerra entre Ucrânia e Rússia, os dois romperam a tradição diplomática brasileira. O território ucraniano foi invadido em 2022. Qualquer justificativa para a agressão é contrária ao direito à autodeterminação, pilar da atuação do Itamaraty. Em vez de condenar Vladimir Putin, Lula e Amorim tentam um malabarismo retórico insustentável. Querem passar por neutros, mas está claro, pelas declarações do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, que o Brasil tem feito o jogo da Rússia.

Na visão de Amorim, o Brasil precisa se aliar a inimigos dos Estados Unidos se quiser conquistar papel de mais relevo no plano internacional. Tal lógica tem sido levada a extremos. Há duas semanas, ele se encontrou na Rússia com um representante do Conselho de Segurança Nacional iraniano, sustentáculo de grupos extremistas ou terroristas como Hamas e Hezbollah. Com a aproximação do Irã e de seus satélites, o governo quebra a tradição brasileira de equilíbrio nos conflitos do Oriente Médio e perde credenciais para exercer qualquer tipo de mediação.

O Brasil não é a única potência emergente em busca de mais status global. Sob Lula e Amorim, é difícil acreditar que alcance o objetivo.

Promessa de dobrar produção agrícola esbarra nas mudanças climáticas

O Globo

Desmatamento de biomas ameaça regime de chuvas que sustenta a colheita de três safras pelo país

A expansão da colheita de três safras anuais poderá representar uma revolução na agricultura brasileira. Ao lado da recuperação de pastos degradados, como demonstrou reportagem do GLOBO, ela poderá fazer o agronegócio dobrar de produção sem aumentar a área de cultivo — sem, portanto, a necessidade de derrubar florestas ou desmatar biomas. Com o imenso privilégio geográfico de não contar com inverno rigoroso, o Brasil pode explorar a vantagem comparativa de plantar e colher o ano todo. O desafio está doravante em mantê-la num planeta que atravessa um período convulsivo de mudanças climáticas.

Por trás do salto propiciado pelas três safras está a tecnologia: desenvolvimento genético de mudas e sementes, melhores técnicas de plantio e irrigação, assim como o domínio das características das diferentes culturas. Diversas combinações permitem a colheita tripla em fazendas espalhadas pelo país: soja, feijão e trigo; soja, milho e algodão; ou, no lugar do algodão, capim para engordar o gado de corte. Como a terceira safra costuma crescer na estação seca, é essencial a irrigação mais moderna (e nem sempre barata).

Com a integração entre lavoura e pecuária e a recuperação de pastos, a produção agrícola poderia dobrar. “As áreas de pastagens degradadas são quase equivalentes à área ocupada com agricultura e silvicultura”, disse ao GLOBO Leonardo Giglio, pesquisador do Insper Agro Global. Pela estimativa dele, metade dos 160 milhões de hectares de pastos tem alguma degradação. Seriam necessários R$ 384 bilhões para recuperá-los, segundo estudo do Observatório de Conhecimento e Inovação em Bioeconomia da FGV.

O maior desafio continua a ser a ameaça de redução no volume de chuvas nas áreas produtivas, como resultado do desmatamento que avança sobre Amazônia e Pantanal. O governo tem de reprimir o desmatamento ilegal e as queimadas, mas o próprio produtor rural deve criar consciência de que devastar os biomas equivale a acabar com a origem da própria riqueza — a água.

A umidade que a Amazônia tradicionalmente lança no ar é transportada para as regiões produtivas por correntes que se assemelham a “rios voadores”, nas palavras do agrônomo Antônio Donato Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A floresta é um “superirrigador da atmosfera”. As raízes profundas das árvores captam água no subsolo e jogam umidade no ar, ao ritmo de até mil litros de água por dia. Ao todo, a floresta injeta 20 bilhões de toneladas diariamente, 3 bilhões a mais que o Rio Amazonas, responsável por 20% da água doce que chega aos oceanos. O êxito da agricultura brasileira com a rotação de culturas e a safra tripla depende de forma visceral dessa disponibilidade de água.

O Brasil, um dos maiores produtores de alimentos do mundo, amplia a produção usando melhor a terra para colher mais safras ao longo do ano. Mas vive um paradoxo. Ao mesmo tempo que domina a tecnologia das três safras, continua a devastar Amazônia e Pantanal, origem da água consumida pela agricultura. É um ato suicida.

Restringir celular nas escolas exige debate aprofundado

Folha de S. Paulo

Projeto do MEC chama atenção para efeitos nocivos do aparelho; é preciso capacitar alunos para uso seguro da tecnologia

O Ministério da Educação está elaborando um projeto de lei que, entre outras medidas, institui o banimento de celulares em escolas públicas e privadas. O anúncio oficial está marcado para outubro.

De fato, pesquisas e organismos internacionais apontam que o uso do aparelho no ambiente escolar pode causar prejuízos aos alunos. Entretanto normas que impõem mudanças radicais exigem debate aprofundado no Congresso Nacional, com participação de especialistas e entidades da sociedade civil.

A proposta do governo federal cria boa oportunidade de lançar luz sobre um tema importante para a educação na era digital, que tem recebido atenção e sido objeto de medidas do poder público em países desenvolvidos.

O Relatório Global de Monitoramento da Educação da Unesco de 2023 mostrou que o uso de celulares em sala de aula diminui a concentração dos estudantes e, consequentemente, a aprendizagem, além de dificultar a gestão da turma pelos professores.

Tais efeitos são corroborados por levantamento do Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (Pisa), da OCDE, divulgado em dezembro do ano passado: 65% dos alunos de 15 anos nos 81 países pesquisados disseram que se distraem nas aulas de matemática com o celular; no Brasil, a taxa chegou a 80%.

O programa constatou ainda queda nas notas dos estudantes, inclusive em nações desenvolvidas e que historicamente apresentam bom desempenho na avaliação, a partir de 2010 —início da expansão dos smartphones.

É a partir desse ano, também, que diversos estudos em países como Estados Unidos, Reino Unido e Canadá mostram aumento de casos de depressãoansiedade, automutilação e suicídio entre crianças e adolescentes.

No Brasil se vê fenômeno semelhante. De 2016 a 2021, a taxa de suicídios no estrato entre 10 e 14 anos cresceu 45% e, entre 15 e 19 anos, 49% —taxas bem maiores que a da população total (17,8%).

Segundo a Unesco, 1 em cada 4 países proibiu o uso de smartphones durante o período escolar, casos de FrançaHolanda, Finlândia, DinamarcaEspanhaItáliaSuíça e México. No Brasil, Roraima, Maranhão, Tocantins, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e o Distrito Federal estabeleceram restrições aos aparelhos.

O Congresso precisa debater a questão com base em evidências. É fundamental, também, que o MEC e as secretarias de Educação considerem que o mero banimento não constitui panaceia.

Celulares e redes sociais fazem parte da vida dos alunos fora das instituições de ensino, e eles precisam dominar essa tecnologia com manejo responsável e consciente, que pode ser promovido por meio da educação midiática.

A escola não deve ser só lugar de repressão, mesmo justificada. Ela tem o dever de prover ferramentas para que os jovens consigam acessar, com liberdade e segurança, os benefícios proporcionados pelo mundo digital online.

É salutar que PGR investigue emendas parlamentares

Folha de S. Paulo

Intervenção do Congresso no Orçamento é excessiva e pouco transparente; resta às instituições investigar desmandos

A interferência excessiva do Congresso no gasto público é uma anomalia brasileira que, para ser corrigida ou atenuada, demandará um difícil trabalho político e negociações entre os três Poderes. Enquanto isso, resta aos órgãos de controle e às demais instituições fiscalizar e investigar desmandos decorrentes das emendas parlamentares ao Orçamento.

Nesse sentido, é bem-vinda a mobilização da Procuradoria-Geral da República para reforçar apurações sobre suspeitas de mau uso do dinheiro do contribuinte por meio das emendas, conforme reportou a Folha.

De mais concreto, já foram apresentadas denúncias contra três deputados federais do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro. Sabe-se que foram protocoladas no Supremo Tribunal Federal ao menos 13 investigações preliminares ligadas a gastos determinados por congressistas.

O Orçamento deste 2024 inclui R$ 49,2 bilhões em emendas parlamentares, que compõem quase um quarto de toda a chamada despesa discricionária —aquela de caráter não obrigatório, sobre a qual Executivo e Legislativo têm poder decisório.

Tal proporção não encontra paralelo entre os membros da OCDE, que reúne os países mais desenvolvidos, segundo pesquisa de Hélio Tollini e Marcos Mendes, colunista deste jornal. Na maioria dos casos, emendas não são permitidas ou não chegam a 1% da despesa discricionária.

Aqui, o crescimento desmesurado desse montante nos últimos anos se deu na esteira do enfraquecimento do Palácio do Planalto desde Dilma Rousseff (PT), afastada por impeachment. A execução dos valores, ademais, tornou-se cada vez mais impositiva e menos transparente.

São de pouca utilidade queixumes como os de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra as novas prerrogativas do Congresso. Seria ingênuo imaginar que as cúpulas parlamentares abririam mão delas para facilitar a vida de um presidente da República cujos índices de popularidade não chegam a impressionar.

De mais imediato, cumpre submeter as emendas a normas rigorosas de rastreabilidade e prestação de contas, como se busca por meio de entendimento entre os Poderes. Melhor prevenir do que investigar e punir casos de corrupção e desperdício de dinheiro —embora essas tarefas não possam ser negligenciadas pelo Ministério Público e pelo Judiciário.

À frente, uma alocação mais equilibrada e eficiente das verbas orçamentárias dependerá da formação de coalizões partidárias mais sólidas do que a atual.

Em vez de aumentar, governo reduz a contenção de gastos

Valor Econômico

Ao ampliar gastos com a economia perto do aquecimento, o governo Lula levou o Banco Central a iniciar novo ciclo de alta de juros, que arruinará resultados positivos que um dia, talvez, o novo regime fiscal traga

As despesas continuam crescendo acima das receitas, o governo tem uma meta central de déficit zero e seria de supor que, na regular revisão bimestral de ambas, houvesse um aperto compensatório, que não ocorreu. O contingenciamento, feito quando as receitas não estão dentro do previsto, foi reduzido de R$ 3,8 bilhões para zero. O bloqueio, que ocorre quando as despesas correm o risco de ultrapassar o teto, foi acrescido de R$ 1,7 bilhão. No total a contenção de gastos foi reduzida de R$ 15 bilhões para R$ 13,3 bilhões.

O governo poderá cumprir piso da meta, de R$ 28,7 bilhões, mas isso será devido em grande parte à somatória de expedientes permitidos pelo novo regime fiscal e pelos créditos extraordinários, que não são computados no objetivo fiscal. A dívida crescerá bem acima do déficit de 0,25% do PIB, que, com a conta de juros - em nova escalada -, levará a um déficit nominal superior ao R$ 1 trilhão de 2023.

As receitas totais e a receita líquida avançaram no ano até agosto 8,8%, ante IPCA de 2,85% no período, embora ambas ainda estejam R$ 20 bilhões abaixo do que consta na lei orçamentária de 2024 (LOA). A despesa primária cresce mais. Após expansão real de 12,5% no ano passado, subiu 9,6% nos oito meses do ano. A diferença entre despesa primária e receita líquida é de R$ 68,8 bilhões, 0,6% do PIB. Por contas simples, há necessidade de arrocho nos gastos, mas nada é simples no novo regime fiscal e nas regras orçamentárias.

Os R$ 40 bilhões que separam o piso do resultado de receitas menos despesas decorre de gastos fora do teto de despesas - R$ 38,6 bilhões de créditos extraordinários para reconstruir o Rio Grande do Sul e R$ 540 milhões para combate aos incêndios no campo. O Supremo Tribunal Federal retirou da meta fiscal os precatórios até o fim de 2026. Essa conta consumiu R$ 92,38 bilhões em 2023 e R$ 30,1 bilhões no atual exercício. A LOA permitiu abater R$ 5 bilhões dos recursos investidos pelas estatais federais no Programa de Aceleração do Crescimento. Por isso, seu déficit caiu de R$ 7,3 bilhões a R$ 3,7 bilhões.

Continuam a empurrar as despesas para cima e desmentir as estimativas de despesas os gastos líquidos do regime geral da previdência e agregados. Eles estão até agosto R$ 23 bilhões acima do orçado na LOA, e os com o benefício de prestação continuada são R$ 8,4 bilhões maiores. As previsões de receitas, por seu lado, sofreram uma reviravolta, sem alterar o resultado primário final. Houve frustração de R$ 25,7 bilhões, em função dos irrisórios recursos provenientes da mudança do voto de qualidade no Carf. A estimativa inicial é que trouxessem R$ 55 bilhões para o Tesouro, mas ela foi reduzida na revisão de julho para R$ 37 bilhões e agora para R$ 840 milhões. As receitas estimadas para concessões e permissões estão R$ 24 bilhões abaixo dos R$ 44 bilhões da LOA.

Mas novos R$ 30 bilhões ingressaram como receitas. A previsão de dividendos cresceu R$ 10 bilhões, parte pela promessa do BNDES de pagar mais do que o exigido por lei, embora sua direção tenha reivindicado reduzir o que deve de empréstimos ao Tesouro em 2023, alegando que isso prejudicaria seu cronograma de investimentos. Novos recursos deverão vir do recolhimento pelo Tesouro do dinheiro empoçado na Caixa Econômica Federal (R$ 6,3 bilhões), dos depósitos judiciais em processos encerrados (R$ 8 bilhões) e do Desenrola Agências Reguladoras (R$ 4 bilhões), da negociação de créditos não tributários devidos à União.

Nas receitas extraordinárias da Receita no resto do ano (setembro a dezembro), estimaram-se R$ 33,7 bilhões. O fim dos subsídios ao ICMS, que eram abatidos de impostos federais, deverá recolher R$ 9,4 bilhões, a transação integral com a Receita, mais R$ 10 bilhões, acordos com a Procuradoria Geral da Fazenda, R$ 5,2 bilhões e a restrição de compensação tributária, limite imposto ao abatimento de créditos pelas empresas, outros R$ 8 bilhões.

O Prisma Fiscal de setembro, que reúne projeções dos analistas, prevê, na mediana, que o governo central feche com rombo primário de R$ 73,5 bilhões, distante da meta. O governo, porém, ainda tem trunfos como o empoçamento de recursos (não gastos), de R$ 20 bilhões, na média, nos últimos anos. As chances de o piso ser cumprido aumentaram, assim como a distância entre o resultado formal e os gastos que aumentarão de fato a dívida da União, reduzindo a efetividade da meta fiscal como parâmetro de calibragem do endividamento.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, visitou ontem em Nova York a S&P e a Moody’s, empresas de classificação de risco, e disse que o cumprimento da regra fiscal poderia levar o país a reconquistar o grau de investimento, perdido em 2015. Quando a S&P elevou a nota do Brasil (dezembro de 2023) e a Moody’s mudou de estável para positiva a perspectiva da dívida, ambas ressaltaram a fragilidade fiscal do país, que continua. Ao ampliar gastos com a economia perto do aquecimento, o governo Lula levou o Banco Central a iniciar novo ciclo de alta de juros, que arruinará resultados positivos que um dia, talvez, o novo regime traga. Cada ponto percentual de aumento da Selic eleva a dívida líquida em R$ 52,4 bilhões.

Um partido ‘popular’ sem os votos do povo

O Estado de S. Paulo

Tudo indica que PT amargará seu pior desempenho nas eleições municipais desde a redemocratização. O partido não mudou, mas o Brasil sim, e quem experimenta sua gestão a rejeita

Há 20 anos, o Partido dos Trabalhadores (PT) vivia o seu zênite eleitoral. No segundo ano do primeiro mandato de Lula da Silva, o PT levou nada menos que nove capitais. No total, foram 411 prefeituras. Já em 2020, o partido amargou o seu nadir. Foram zero capitais e 183 prefeituras, 71 a menos do que em 2016. Foi o pior desempenho desde a redemocratização. Mas tudo indica que o pior está por vir.

Hoje o partido só tem chances de eleger candidatos em quatro capitais, mas a tendência é de derrota em todas. O cenário em São Paulo, berço do PT, é sintomático. Em 2012, o PT elegeu prefeitos em quase um terço dos 39 municípios da Grande São Paulo. Hoje não lidera em nenhum. Mesmo em seu tradicional bastião eleitoral, os sete municípios do Grande ABC, o PT é competitivo só em dois, e mesmo aí seus candidatos estão tecnicamente empatados com os adversários e lideram os índices de rejeição.

O que mudou? Certamente não o PT. É a mesma ideologia estatizante, a mesma hostilidade à iniciativa privada, o mesmo corporativismo com setores do funcionalismo público, o mesmo discurso da “luta de classes”, a mesma retórica maniqueísta do “nós contra eles”, a mesma geopolítica terceiro-mundista.

O que mudou foi o Brasil, esse é o problema – do PT, claro, não do Brasil. E mudou, em grande parte, pelos desmandos do PT. Nos últimos 20 anos, o partido governou o País por 14. Apesar de Lula propagandear a ilusão de que sabe como fazer a economia crescer, nesse período – mesmo durante o superciclo das commodities – o País cresceu abaixo da média dos países emergentes. Quando os dogmas desenvolvimentistas petistas foram aplicados em toda a sua pureza pela criatura de Lula, Dilma Rousseff, o resultado foi uma recessão que devorou cerca de 10% do PIB em dois anos, dizimando os supostos avanços da “classe trabalhadora”.

Foi o PT que protagonizou os grandes escândalos de corrupção da Nova República, o mensalão e o petrolão, que tanto fizeram para desmoralizar a política e alavancar candidatos ditos “antissistema” como Jair Bolsonaro. Lula só venceu em 2022 com uma margem apertada pela aversão dos moderados a mais quatro anos de razia bolsonarista. Ainda assim, perdeu entre as classes médias e nas Regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste.

Mas Lula é, há tempos, muito maior que o PT. O verdadeiro tamanho do petismo se mede muito mais pelos minguados 130 deputados eleitos pela sua coalizão. Mais eloquente é a imagem das ruas vazias nas manifestações lideradas pelo PT em março, e ainda mais nos tradicionais festejos do Dia do Trabalho, quando o demiurgo em pessoa discursou para meia dúzia de gatos-pingados (os sindicalistas de sempre) no estacionamento do estádio do Corinthians.

As eleições municipais são particularmente reveladoras, porque nelas o que está em jogo não é tanto a ideologia, mas a gestão pura e simples. Quem experimenta o modo petista de governar quer ver o partido pelas costas. Fernando Haddad, o último prefeito petista da capital paulista e cotado a sucessor de Lula, por exemplo, perdeu a disputa à reeleição em 2016 no primeiro turno. Em 2020, Jilmar Tatto terminou a corrida em sexto lugar. Tamanho é o vácuo de lideranças novas e críveis que, contrariando seus instintos mais viscerais, o PT renunciou a ter um candidato em São Paulo e apoia o psolista Guilherme Boulos. Mas nem Lula nem a dinheirama do fundo eleitoral estão conseguindo alavancar Boulos, que mal consegue chegar a 30% de intenção de voto e periga nem ir para o segundo turno.

Não é só o PT. Entre as legendas de esquerda que conquistaram sete capitais há quatro anos, só um candidato, João Campos (PSB), no Recife, tem chances reais de vitória. A esquerda, é verdade, experimenta em todo o mundo uma crise de identidade. Mas, no Brasil, paga mais caro pelas décadas de subserviência ao projeto hegemônico do PT.

“O PT é um partido de trabalhador que não trabalha, estudantes que não estudam e intelectuais que não pensam”, disse certa vez Roberto Campos. Seria o caso de acrescentar uma quarta contradição: é um partido que se diz “popular” sem os votos do povo.

Flávio Dino, o ministro três em um

O Estado de S. Paulo

Alguém precisa dizer ao sr. Dino que a função de ministro do STF é apenas julgar, mas ele parece convencido de que também deve governar e legislar, em nome da salvação ambiental do País

A menos que a Constituição tenha virado letra morta e não estejamos mais sob a égide do Estado Democrático de Direito, a falência do presidente Lula da Silva em preservar os biomas nacionais, ora esturricados por queimadas sobretudo criminosas, não autoriza o Supremo Tribunal Federal (STF) a preencher o vazio de governança deixado pelo chefe de Estado e de governo. Nem muito menos por meio de decisões tomadas por um só ministro – no caso, o novato Flávio Dino.

Ninguém livre de vieses político-ideológicos haverá de negar que Lula tem falhado miseravelmente em cumprir a promessa de devolver ao Brasil a liderança pelo exemplo em qualquer fórum de discussão de ações de preservação do meio ambiente e combate às mudanças no clima. Da mesma forma, é inegável que as queimadas impõem a ação urgente do Estado. Mas não será ao arrepio dos princípios democráticos e republicanos fundamentais que esse gravíssimo problema haverá de ser resolvido.

Ao que consta, a separação de Poderes ainda vige no País. Mas Dino, decerto imbuído daquelas boas intenções das quais o inferno está cheio, além de usurpar competências do presidente da República sem ser incomodado por seus pares no STF e, sobretudo, pelo usurpado, agora avança, pasme o leitor, sobre a prerrogativa do Congresso de propor emendas ao texto constitucional. E pior: por via indireta.

No fim da semana passada, Dino ordenou que fossem realizados “estudos” sobre a possibilidade de aplicação do artigo 243 da Constituição, que prevê as hipóteses para a expropriação de terras, aos casos de desmatamento ilegal provocado por incêndios dolosos, ou seja, intencionais. Hoje, o referido dispositivo constitucional só autoriza a expropriação de propriedades rurais e urbanas para fins de reforma agrária e programas de habitação popular em dois casos: onde houver (i) culturas ilegais de plantas psicotrópicas e (ii) exploração de trabalho escravo. Mas isso parece pouco para o “senador togado”, para usar uma expressão de Carlos Andreazza, colunista deste jornal.

Vivêssemos tempos de normalidade democrática e institucional, seria ocioso lembrar que aos ministros do STF cabe exclusivamente fazer cumprir a Constituição tal como ela está escrita, e não encomendar eventuais alterações na Lei Maior a qualquer pretexto e por quaisquer meios. Mas, quando já parece pacificado que a espera por autocontenção dos ministros da Suprema Corte já se desvela perda de tempo, é o caso de indagar: quem ou o que haverá de deter mais esse desabrido abuso de poder, algo que se tornou tão banal entre membros da mais alta instância do Poder Judiciário?

Tomado por laivos de executivo, o ministro Flávio Dino ainda determinou que o Palácio do Planalto, os partidos políticos e a Procuradoria-Geral da República (PGR), além de organizações da sociedade civil, se manifestem sobre sua “emenda” constitucional particular no prazo de 15 dias.

Para tristeza de todos os que ainda guardam algum respeito pelos princípios republicanos neste país, todas essas decisões do ministro Flávio Dino foram tomadas no âmbito de um “pacote de medidas” propostas por ele em audiências de “conciliação” que, a rigor, nem sequer deveriam ter sido realizadas.

Como já sublinhamos nesta página, Dino conduz essas audiências na condição de relator do voto vencedor em uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que já foi julgada pelo plenário do STF no início deste ano e para a qual já há acórdão publicado. Que nenhum outro ministro da Suprema Corte se abale a dizer palavra sobre esse descalabro é tão ou mais grave do que os arroubos expansionistas do sr. Dino. Não se pode condenar quem veja nisso uma espécie de compadrio no desrespeito à Constituição, em nome sabe-se lá de que, justamente entre os onze brasileiros que deveriam ser os seus mais aguerridos defensores.

A inoperância de Lula no combate às queimadas e na adaptação do País que ele governa às mudanças no clima não resolve um problema e ainda cria outro. O fogo que consome os biomas e a reputação do Brasil na seara ambiental também chamusca o que ainda resta de institucionalidade no País.

Quando o machismo custa caro

O Estado de S. Paulo

Caso do CEO misógino mostra que esse comportamento se tornou ruim para os negócios

O presidente e fundador da escola de negócios G4 Educação, Tallis Gomes, ganhou notoriedade nos últimos dias após ter exposto seu machismo em uma rede social. “Deus me livre de mulher CEO”, disse o então CEO da empresa, que deixou o cargo após a péssima repercussão de suas opiniões que, por sinal, não surpreenderam quem já conhecia a figura de outros carnavais.

Para ele, mulheres em posição de liderança não fazem o “melhor uso de sua energia feminina”. O melhor que elas têm a oferecer é aplicá-la nos lugares certos – em sua opinião, “no lar e na família”. Já seria suficientemente ruim, mas Tallis conseguiu deixar tudo pior ao tentar se explicar e dizer que reconhecia a competência de muitas executivas, inclusive dentro de sua empresa, mas não queria uma delas como sua mulher.

Se Gomes esperava angariar ainda mais fama e seguidores com o que disse e ver a polêmica esmorecer ao longo das semanas seguintes, a estratégia não funcionou. Ao contrário do que costuma acontecer no mundo dos negócios, a reação de líderes femininas foi intensa, embora um pacto de silêncio tenha prevalecido entre a maioria dos homens que ocupam funções semelhantes, talvez por conivência ou indiferença.

Gomes teve de entregar o cargo para reduzir o dano que causou à imagem de sua companhia, cujo foco é justamente oferecer formação para empreendedores e educação corporativa para algumas das maiores empresas do País, muitas delas lideradas por mulheres. Um pedido de desculpas e a escolha de uma executiva para substituí-lo no cargo eram mais do que previsíveis, soluções óbvias e rápidas para quem conhece o mínimo sobre gerenciamento de crises.

Lamentavelmente, ele não é o único a pensar dessa forma. Basta uma pequena incursão na internet para conferir a profusão de um discurso misógino disfarçado de cuidado que não esconde a defesa do resgate de papéis de gênero rígidos e tradicionais – e o quanto isso gera engajamento, sobretudo entre homens mais jovens.

No Brasil, mulheres já são maioria no ensino superior, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além do recorde histórico na ocupação feminina, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2023 mostrou que já há mais mulheres que homens em cargos nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática.

Embora elas ainda sejam minoria em funções de direção e gerência, a tendência – a julgar pela prioridade que têm dado à formação – é que isso se reverta ao longo dos próximos anos. No Reino Unido, por exemplo, as mulheres jovens tiveram uma renda maior que a de homens da mesma idade pela primeira vez em 2022.

Talvez seja exatamente isso – a incapacidade de disputar posições com mulheres qualificadas – que explique a grita e o ressentimento de homens que se veem representados em figuras explicitamente misóginas. Mas se isso funciona na internet, território em que muitos se escondem atrás de perfis falsos para alardear absurdos sem serem responsabilizados, certamente não é mais aceitável no ambiente corporativo. E que bom que finalmente seja assim.

Saúde bucal exige mais atenção

Correio Braziliense

A saúde bucal não é só uma questão estética. É importante para a saúde do corpo todo. Pesquisas associam a perda dos dentes a doenças graves, como inflamações sistêmicas e demências

Saúde bucal não é só uma questão estética. É  importante para a saúde do corpo todo. Pesquisadores do Brasil e do exterior estão dedicados a incluir a perda dos dentes na lista de fatores de risco de doenças graves, como inflamações sistêmicas e demências. Essa conexão não é delírio. Está provado que a periodontite — uma infecção bacteriana que atinge os tecidos e ossos que sustentam os dentes — tem relação com doenças cardiovasculares, como hipertensão arterial e AVC. Mas não só isso, o edentulismo (falta dos dentes) está entre as condições favoráveis à desnutrição, obesidade, síndrome da fragilidade, depressão e até demência.

A série intitulada Saúde da boca para dentro, publicada pelo Correio desde  domingo e que chega, hoje, à última reportagem, revela que  um dos maiores estudos sobre perda de dentes e mortalidade foi feito por pesquisadores chineses, na Coreia do Sul, com mais de 220 mil pessoas acima de 40 anos. Elas foram divididas em grupos conforme o número de dentes perdidos. Uma das conclusões foi de que aqueles com mais de três dentes perdidos corriam o risco de mortalidade por todas as causas 1,9 vez maior em relação aos que tinham a dentição conservada.

Pesquisadores brasileiros vêm avançando em estudos do tipo. O cirurgião-dentista João Palmieri afirma que, "hoje, sabemos que a mastigação de determinados alimentos aumenta tremendamente o fluxo sanguíneo, um aumento de 20% na irrigação no cérebro", principalmente na região denominada hipocampo, responsável  pelo armazenamento da memória, e da amígdala, que está relacionada às emoções. A hipótese é de que problemas de dente estejam ligados a complicações cognitivas.

Por muito tempo, o Brasil levou a pecha de país dos desdentados. A perda dos dentes era compensada com próteses, reconhecidas como dentaduras. Até então, a recuperação por implantes dentários não existia. Quando surgiu a técnica, ela estava ao alcance de quem tinha bastante dinheiro, e ainda segue proibitiva aos menos abastados. De acordo com os dados Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, 34  milhões de brasileiros com mais de 18 anos  tinham perdido 13 ou mais dentes, e 14 milhões não tinham nenhum. O edentulismo era a realidade para mais de 40% dos idosos. Apesar da gravidade,  hoje, não há dados atualizados sobre o tema.

A saúde bucal se tornou política de Estado em 2017, com o surgimento do  Programa Nacional de Saúde Bucal (PNSB), que incorporou o programa Brasil Sorridente, lançado 13 anos antes pelo Ministério da Saúde. Esse cuidado foi negligenciado ao longo da história no país que tem o maior número de odontólogos do planeta. Neste ano, o PNSB conta com um orçamento de R$ 4,3 bilhões para investimentos, conforme anunciou o Ministério da Saúde.

O programa garante limpeza, extrações, exames em geral para avaliar a necessidade aparelho ou identificar câncer bucal, restauração dentária, remoção de tártaros, extração dos dentes sisos, implantes dentários, tratamento de cáries, ortodontia, tratamento de canal e até biópsia ou periodontia. Mas é preciso que a população seja orientada e saiba onde estão as clínicas credenciadas pelo SUS e que essas instalações funcionem de fato. Assim como as crianças precisam ser orientadas sobre os cuidados com saúde bucal desde cedo para que o passado deixe de ser algo do presente de milhões de jovens e adultos.

 

 

 

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