Valor Econômico
O pessimismo sobre o desempenho da economia predomina há anos, e a citação de boas notícias vem sempre com a ressalva do ‘risco fiscal’
Nas últimas semanas, vieram boas notícias na
economia. O PIB cresceu mais do que o esperado no segundo trimestre: 1,4% em
relação ao primeiro e 3,3% ante o mesmo período do ano passado. Houve deflação
de 0,02% em agosto. A arrecadação federal teve um aumento real de 9,5% de
janeiro a agosto. O consumo e os investimentos cresceram.
O PIB vai superar as expectativas do mercado
neste ano, algo que ocorre desde 2020, quando se projetava recessão de 6,5% e
ela foi de 3,3%. Em 2021, a expansão prevista era +3,4% e a efetivada foi
+4,8%. Em 2022 estimava-se +0,3% e deu +3%. Em 2023 o esperado era +1,4% e deu
+2,9%. No início deste ano previa-se +1,6% e caminhamos para +3%.
O pessimismo sobre o desempenho da economia predomina há anos. A citação de boas notícias vem sempre com a ressalva do “risco fiscal”, do crescimento acima do potencial e da inflação. Por isso, o Banco Central aumentou a taxa de juros na semana passada, voltando a promover aperto monetário que deve reduzir o crescimento. Teve amplo apoio do mercado. Este colunista, abrindo espaço ao contraditório, fez uma pergunta provocativa a quatro economistas, todos do não mercado: “Crescer é perigoso?”.
Superar a “inflaciofobia”
O professor Adalmir Marquetti, da PUC-RS, respondeu dizendo que a elevação da
Selic em 0,25%, enquanto o Fed cortava a taxa nos EUA em 0,5%, revela que o
crescimento aqui é, sim, percebido como perigoso, desencadeando uma
“inflaciofobia”.
Segue um extrato do que ele escreveu:
“O aumento dos juros, combinado com
austeridade fiscal, é o remédio usado para mitigar essa fobia disseminada no
setor financeiro e entre muitos economistas. O remédio é amargo e traz custos
elevados. Para o governo, cada ponto percentual a mais na Selic tem custo
adicional de R$ 30 bilhões/ano apenas com a dívida pública atrelada a essa
taxa.
“Boas notícias são frequentemente
transformadas em problemas, dado o descompasso entre o crescimento econômico e
a redução do desemprego com a evolução do PIB potencial, indicador cuja taxa de
crescimento ninguém conhece com precisão. Houve redução do custo do trabalho, a
parcela salarial no PIB caiu de 58,12% em 2015 para 51,56% em 2023, bem como
alta da rentabilidade do capital, o que abre espaço para maior crescimento.
“São necessárias mudanças institucionais que
incentivem o investimento. A manutenção de taxas mais elevadas de crescimento
depende do aumento do investimento produtivo. Contudo, uma Selic alta dificulta
essa expansão ao estimular o investimento financeiro e elevar os gastos com
juros. Há espaço para expandir o investimento produtivo sem descontrole
inflacionário. Já passou da hora de superarmos a inflaciofobia.”
Crescer é necessário
“Claro que não é perigoso”, respondeu José Luis Oreiro, da UnB. “Pode até ser
do ponto de vista das mudanças climáticas, mas isso é outra história.” Em
resumo, ele disse:
“Crescer é necessário para reduzir a pobreza
e criar empregos de boa qualidade, de produtividade mais alta, no setor formal
da economia. Esses empregos reduzem o impacto inflacionário do próprio
crescimento. Sem crescimento não há investimentos. Empresas não investem porque
confiam no governo ou no arcabouço fiscal do Haddad. Investem porque esperam
vender mais no futuro se o país está crescendo e com isso vão ajustar o estoque
de capital que elas têm ao estoque de capital que precisam. Sem crescimento não
há elevação da arrecadação de impostos e ajuste fiscal. A despesas
previdenciárias, principal gasto do governo, crescem cerca de 3% ao ano em
média devido ao aumento vegetativo dos aposentados. Sem crescer vamos ficar
espremendo despesas para conseguir manter as contas no azul ou em um déficit
controlável.”
Juro, poção “milagrosa”
Rosa Maria Marques, da PUC-SP, acha que para o “mercado” a resposta é “um
sonoro ‘sim’, dado que tal crescimento não foi por ele previsto e, portanto,
estaria fora de controle. Aliás, de seu controle”. Um resumo do que ela
escreveu:
“Para o ‘mercado’, haveria hoje um
crescimento pleno de disfunções: no mínimo, do lado da oferta de trabalho e da
capacidade de produção de alguns setores. Isso pressionaria os custos e
elevaria a inflação. Sim, para o ‘mercado’, crescer é perigoso, tal como viver.
O crescimento do investimento e a queda do desemprego, antes tidos como
desejáveis, transformam-se no seu contrário e são entendidos como arautos de
grandes turbulências, cujo resultado seria a perda de controle das contas
públicas. Daí decorre defenderem a subida dos juros para inibir esse
crescimento inesperado e nefasto.
“O curioso é que, independentemente do
diagnóstico da situação econômica, a resposta é sempre a mesma: subir os juros.
A teoria econômica dominante não explica mais nada da sociedade atual. Assim, a
alta dos juros não se distingue das poções que prometem curar todos os males e
não servem para nada a não ser matar o incauto que as tomam. Mas o aumento dos
juros garante a expansão da rentabilidade dos detentores dos ativos de todos os
tipos, principalmente da dívida pública, que ganham dinheiro sem gerar emprego
e renda. A prescrição de um único ‘remédio’ é expressão do poder que esses
proprietários exercem sobre os rumos da economia contemporânea. O que importa é
manter seus lucros.”
Sacrifício exagerado
“Perigosa é a atual política monetária, não o ‘elevado’ crescimento de 3%”,
respondeu Lauro Gonzalez, da FGV-SP. Ele observou que, “com o Fed baixando os
juros, se nós só mantivéssemos a Selic atual (bastante elevada, de 6% reais),
já seria o equivalente a uma alta dos juros por aqui”.
Um extrato do que ele escreveu:
“A literatura econômica mostra situações nas
quais uma taxa de crescimento elevada pode ser ruim: 1) Quando produz
desequilíbrios no setor externo; 2) Quando gera aumento da inflação além do
nível desejado. Não há desequilíbrios no setor externo - as reservas são
elevadas e a balança comercial é superavitária. E a inflação está dentro do
intervalo estabelecido para a meta, apesar de próxima do teto.
“A inflação se encontra em nível compatível com sua história recente. Abortar o crescimento por causa da inflação não parece se justificar. É positivo e desejável perseguir a meta de 3%, mas é dever da autoridade monetária fazer isso com o menor sacrifício possível de produto. Ademais, a meta, rigorosa para a realidade brasileira, demanda a adoção de agenda mais ampla. Além do equilíbrio fiscal, é preciso avançar na desindexação da economia e no aprimoramento da regulação do mercado de crédito. Este último se mostra uma máquina de produzir superendividados e o comprometimento de renda para pagamento de juros tende a dar vida curta ao ‘elevadíssimo’ crescimento de 3%, mais um voo de galinha. O ajuste fiscal precisa ser progressivo e não aumentar a desigualdade.”
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