Valor Econômico
Projeções do governo despertam suspeitas
sobre capacidade de estabilizar a dívida pública
Divulgado no final da sexta-feira, o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do 4º Bimestre de
2024 gerou uma série de críticas de analistas durante o final
de semana. No centro dos julgamentos negativos estava a preocupação com a falta
de realidade das projeções para este ano, o que levou alguns especialistas a
utilizarem o termo “matemágica” para descrever os malabarismos do governo para
cumprir a meta fiscal de 2024.
Em coletiva de imprensa realizada nesta segunda, os secretários executivos dos ministérios da Fazenda e do Planejamento, Dario Durigan e Gustavo Guimarães, detalharam os números e defenderam enfaticamente a posição da equipe econômica, que se mantém confiante em atingir o objetivo de equilibrar receitas e despesas – sendo tolerável uma diferença negativa de 0,25% do PIB.
Os substitutos de Fernando Haddad e Simone
Tebet têm alguns bons argumentos em sua defesa. Apesar
das críticas, o arcabouço fiscal tem exercido um importante papel na
estabilização econômica pós-pandemia, seja como força de contenção aos ímpetos
gastadores do PT, mas também por endereçar necessárias discussões sobre as
distorções provocadas por benefícios fiscais, indexação de despesas e rigidez
orçamentária.
O secretário Dario Durigan, da Fazenda,
também repetiu várias vezes – com razão – que boa
parte das dificuldades enfrentadas pelo governo para cumprir a meta decorre de
escolhas do Congresso Nacional, responsável por prorrogar incentivos
tributários (como nos casos da desoneração da folha de pagamentos e do Perse) e
por não aprovar as compensações sugeridas pela equipe econômica.
Quanto se mergulha na análise dos dados
divulgados, porém, verifica-se que também há muitos motivos para os analistas
advertirem sobre os riscos de a meta não ser alcançada ou, pior ainda,
suspeitas de que o governo não esteja se empenhando suficientemente para
estabilizar a dívida pública.
A tese da
“matemágica” se sustenta em três bases. Em primeiro lugar, a área econômica do governo tem compensado a frustração de
arrecadação neste ano (-25,8 bilhões) com a expansão de receitas
extraordinárias, como royalties do petróleo (+4,6 bilhões), maiores dividendos
de estatais como BNDES e Petrobras (+10,1 bilhões) e
outros ingressos mal especificados (+14,7 bilhões). Nesse item,
pesa contra o governo a perda de credibilidade gerada pelo erro de estimação
referentes à alteração da regra decisória do Carf e dos acordos com devedores
tributários, que geraram bem menos recursos do que o anunciado inicialmente.
Já no campo das despesas, os analistas têm muitas dúvidas em relação à trajetória dos
gastos previdenciários (que nas contas do governo cairiam de uma média de
quase R$ 100 bilhões ao mês de abril a julho para pouco mais de
R$ 70 bilhões mensais até o final do ano), ainda mais
depois dos resultados do “pente-fino” realizado em benefícios do INSS, que
vieram aquém do esperado.
Por fim, preocupa ao mercado o elevado volume de recursos alocados na linha de exceções à meta
de resultado primário. Somados os créditos extraordinários abertos
para atender às consequências das emergências climáticas (enchentes no Rio
Grande do Sul e combate aos incêndios), o pagamento de precatórios e outras
despesas excepcionalizadas, em torno de R$
40,5 bilhões de gastos estão fora do ajuste fiscal.
A “matemágica” fiscal, tão criticada pelos
analistas do mercado, justifica-se, portanto, pelo temor quanto a novas
frustrações de receitas, revisões de gastos abaixo do projetado e um volume
crescente de gastos fora do arcabouço.
Esse cenário também explicaria por que,
apesar do crescimento do PIB e da reversão do déficit primário de -2,1% do PIB
em 2023 para -0,25% (na atual projeção do governo) ou -0,6% do PIB (mediana das
projeções do mercado) em 2024, a dívida pública
continua subindo no Brasil: calculado como proporção do PIB, o indicador subiu
de 71,4% no primeiro mês deste mandato de Lula para preocupantes 78,5% em
julho.
É sempre bom lembrar que, não importa se a
regra fiscal é teto ou arcabouço, a métrica que realmente interessa é se o
endividamento do governo está ou não sob controle.
E contra ela não há mágica que esconda a
realidade mostrada pelos números.
Um comentário:
Pois é.
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