terça-feira, 24 de setembro de 2024

Bruno Carazza - Mitos e verdades sobre a “matemágica” do ajuste fiscal

Valor Econômico

Projeções do governo despertam suspeitas sobre capacidade de estabilizar a dívida pública

Divulgado no final da sexta-feira, o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do 4º Bimestre de 2024 gerou uma série de críticas de analistas durante o final de semana. No centro dos julgamentos negativos estava a preocupação com a falta de realidade das projeções para este ano, o que levou alguns especialistas a utilizarem o termo “matemágica” para descrever os malabarismos do governo para cumprir a meta fiscal de 2024.

Em coletiva de imprensa realizada nesta segunda, os secretários executivos dos ministérios da Fazenda e do Planejamento, Dario Durigan e Gustavo Guimarães, detalharam os números e defenderam enfaticamente a posição da equipe econômica, que se mantém confiante em atingir o objetivo de equilibrar receitas e despesas – sendo tolerável uma diferença negativa de 0,25% do PIB.

Os substitutos de Fernando Haddad e Simone Tebet têm alguns bons argumentos em sua defesa. Apesar das críticas, o arcabouço fiscal tem exercido um importante papel na estabilização econômica pós-pandemia, seja como força de contenção aos ímpetos gastadores do PT, mas também por endereçar necessárias discussões sobre as distorções provocadas por benefícios fiscais, indexação de despesas e rigidez orçamentária.

O secretário Dario Durigan, da Fazenda, também repetiu várias vezes – com razão – que boa parte das dificuldades enfrentadas pelo governo para cumprir a meta decorre de escolhas do Congresso Nacional, responsável por prorrogar incentivos tributários (como nos casos da desoneração da folha de pagamentos e do Perse) e por não aprovar as compensações sugeridas pela equipe econômica.

Quanto se mergulha na análise dos dados divulgados, porém, verifica-se que também há muitos motivos para os analistas advertirem sobre os riscos de a meta não ser alcançada ou, pior ainda, suspeitas de que o governo não esteja se empenhando suficientemente para estabilizar a dívida pública.

A tese da “matemágica” se sustenta em três bases. Em primeiro lugar, a área econômica do governo tem compensado a frustração de arrecadação neste ano (-25,8 bilhões) com a expansão de receitas extraordinárias, como royalties do petróleo (+4,6 bilhões), maiores dividendos de estatais como BNDES e Petrobras (+10,1 bilhões) e outros ingressos mal especificados (+14,7 bilhões). Nesse item, pesa contra o governo a perda de credibilidade gerada pelo erro de estimação referentes à alteração da regra decisória do Carf e dos acordos com devedores tributários, que geraram bem menos recursos do que o anunciado inicialmente.

Já no campo das despesas, os analistas têm muitas dúvidas em relação à trajetória dos gastos previdenciários (que nas contas do governo cairiam de uma média de quase R$ 100 bilhões ao mês de abril a julho para pouco mais de R$ 70 bilhões mensais até o final do ano), ainda mais depois dos resultados do “pente-fino” realizado em benefícios do INSS, que vieram aquém do esperado.

Por fim, preocupa ao mercado o elevado volume de recursos alocados na linha de exceções à meta de resultado primário. Somados os créditos extraordinários abertos para atender às consequências das emergências climáticas (enchentes no Rio Grande do Sul e combate aos incêndios), o pagamento de precatórios e outras despesas excepcionalizadas, em torno de R$ 40,5 bilhões de gastos estão fora do ajuste fiscal.

A “matemágica” fiscal, tão criticada pelos analistas do mercado, justifica-se, portanto, pelo temor quanto a novas frustrações de receitas, revisões de gastos abaixo do projetado e um volume crescente de gastos fora do arcabouço.

Esse cenário também explicaria por que, apesar do crescimento do PIB e da reversão do déficit primário de -2,1% do PIB em 2023 para -0,25% (na atual projeção do governo) ou -0,6% do PIB (mediana das projeções do mercado) em 2024, a dívida pública continua subindo no Brasil: calculado como proporção do PIB, o indicador subiu de 71,4% no primeiro mês deste mandato de Lula para preocupantes 78,5% em julho.

É sempre bom lembrar que, não importa se a regra fiscal é teto ou arcabouço, a métrica que realmente interessa é se o endividamento do governo está ou não sob controle.

E contra ela não há mágica que esconda a realidade mostrada pelos números.


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