terça-feira, 24 de setembro de 2024

Carlos Andreazza - O uso extremado de Alexandre de Moraes

O Estado de S. Paulo

Se o ministro declara que a decisão é pela democracia e contra o discurso de ódio, tudo pode

A semana passada terminou com nova determinação de Alexandre de Moraes à Polícia Federal: para que identificasse e notificasse quem fizera uso extremado do X, no Brasil, após o bloqueio.

Lembremos: o ministro havia ordenado a suspensão da rede social em 30 de agosto. Seria multado em R$ 50 mil quem recorresse a VPN para entrar no outrora Twitter.

A aberração tinha alcance original irrestrito: seria multado qualquer um – não interessando a natureza/duração do uso – que ingressasse no X via subterfúgio.

Sanção de cumprimento impossível, concebida para fins intimidatórios; por meio da qual se admitia entre nós – chancelada pelo Supremo – a possibilidade bizarra de punição a quem não seja parte do processo.

A determinação da semana passada, incluindo critério de filtragem, reformaria-refinaria a aberração – para tornar mais evidente seu objetivo. A intimidação agora adjetivada. Ascendente – conforme previsto no direito xandônico – o conceito de “uso extremado”.

Seria multado o indivíduo que acessasse – por meio de VPN – a rede social bloqueada para (olha o filtro da sofisticação) usá-la extremadamente. E, ainda assim, a ser notificado – antes de aplicada a multa. Intimidação.

O levantamento – completo – de usuários que burlaram o bloqueio ao X é tecnicamente impossível. Não importa. Importante é ter – poder ter – uma lista na mão. Qualquer uma. Para uso do juiz. Quando e como ele quiser.

Espada – mais uma – sobre a cabeça do estado democrático de direito. Uma das perversões que a cultura – são já cinco anos – de inquéritos sem objeto, infinitos e onipresentes, impôs paralelamente ao ordenamento jurídico brasileiro: se o ministro, nosso herói salvador, declara que a decisão é pela democracia e contra o discurso de ódio, tudo pode.

No Globo, informou a grande Malu Gaspar: “Segundo fontes que acompanham de perto o caso, os policiais federais terão autorização do ministro para entrar na rede social e fazer um pente-fino para rastrear os perfis. A princípio, esse monitoramento não fará distinção entre quem está postando conteúdo de ataque à democracia e quem não está. Se for residente no Brasil e estiver fazendo postagens, será incluído na lista (...)”.

O aparato policial mobilizado para intimidar faz pente-fino – talvez pescaria. Certamente uma lista. Gaspar informa mais: “Quem vai decidir se aplica multa ou não é o ministro”.

Ninguém sabe definir e, pois, limitar o que seja “uso extremado”, o critério, não sob o Direito. Para muitos, este artigo será um ataque à democracia. Moraes decidirá – tem a delegação da Corte constitucional para criar – o que seja “uso extremado”. A multa é o de menos.

 

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