Valor Econômico
Além das reformas de vulto, há políticas que vêm sendo trabalhadas sem muito alarde e que também trazem ganhos relevantes para a economia do país
Nos cenários apresentados pelos analistas de
conjuntura econômica, um aspecto tem chamado a atenção da classe política e dos
formadores de opinião: o erro sistemático na previsão do PIB. Ao se avaliar uma
série, com dados a partir de 2020, de projeções decrescimento econômico no
boletim Focus do Banco Central para o ano subsequente, é fácil constatar que as
subestimações para o PIB são recorrentes e significativas.
Em dezembro de 2020, a média das expectativas apontava crescimento de 3,4% para o PIB de 2021. Todavia, a taxa efetivamente aferida ficou em 4,8%. No término de 2021, o cenário apontava apenas 0,4% de elevação para 2022, e acabaram acontecendo vistosos 3%. Já no encerramento de 2022, a perspectiva era de que 2023 vivenciasse um crescimento do PIB de somente 0,8%. No caso, a surpresa também ocorreu e foi bastante favorável, 2,9%. Por fim, no ano passado, havia o entendimento de que o PIB terminaria 2024 com uma expansão na casa de 1,5%. No entanto, as projeções já apontam para uma ampliação na faixa de 3%.
Nunca é demais lembrar que muitas das
políticas públicas são desenhadas em função do valor previsto para o PIB. Não
se pode esquecer, por exemplo, que as receitas fiscais esperadas estão
fortemente correlacionadas ao desempenho futuro do PIB. Além do mais, as
expectativas de inflação, variável-chave na condução da política monetária, são
formadas levando em conta as perspectivas de crescimento da economia. Com isso,
um melhor entendimento do porquê de tantos erros nas previsões do PIB é um
desafio importante a ser vencido.
Como se sabe, a explicação para a
discrepância entre o PIB projetado para o ano seguinte e o efetivamente apurado
está, frequentemente, associada a características de natureza conjuntural.
Assim, os desvios são explicados por: expansão acima do esperado na trajetória
dos gastos públicos, choques repentinos nos preços das commodities, mudanças
climáticas não antecipadas, entre outros.
Frente às projeções do boletim Focus
sistematicamente bem abaixo dos PIBs factualmente gerados, cabem ainda alguns
questionamentos. Que ventos tão inesperadamente favoráveis conjunturais seriam
esses que têm impulsionado nosso PIB? Quão confiáveis são as projeções para o
PIB de 2025? Como era de se esperar, já circulam textos de técnicos
qualificados que trazem argumentos sugerindo os eventos que propiciaram a
elevação do PIB de forma inesperada, ano após ano. Passados esses solavancos
anuais imprevistos, há a compreensão de muitos analistas de que, a partir de
agora, as previsões serão mais certeiras. Serão? A conferir.
Seja como for, no intuito de trazer mais elementos para o debate, surge a seguinte indagação: será que o fomento ao melhor desempenho do PIB não poderia ter origem também em mudanças de natureza estruturais que ainda não foram captadas pelos modelos de previsão dos analistas macroeconômicos? A resposta é sim. Parece ser bem possível. Afinal, esses erros de previsão do PIB já vêm ocorrendo há quatro anos, abrindo caminho para se pensar na possibilidade de haver alguma transformação estrutural na economia que os modelos econométricos dos especialistas não vêm absorvendo.
Nesse contexto, quando se pondera sobre
mudanças de natureza estrutural, o que vem à mente são as grandes reformas
institucionais que impulsionariam a produtividade da economia. Contudo, não se
pode deixar de considerar que, além das reformas de vulto, há políticas que vêm
sendo trabalhadas sem muito alarde e que também trazem ganhos relevantes para a
economia do país.
Como se vê, tentar compreender a origem de
erros sistemáticos de previsão de especialistas extremamente capacitados e bem
instrumentalizados não é uma tarefa fácil. Na realidade, se o entendimento já
existisse, a dissonância entre o previsto e o realizado não ocorreria nessa
frequência e intensidade.
Isto posto, procurarei tratar no restante
deste artigo de uma reforma estrutural silenciosa que, embora de impacto
difícil de ser precisado, claramente ajuda a impulsionar a produtividade: o
processo de aumento da fatia de trabalhadores com ensino superior no mercado de
trabalho brasileiro.
Desde a década de 1980 até hoje, o número de
matrículas anuais no ensino superior no Brasil cresceu bastante, sendo que, da
virada do século para cá, explodiu. Em 1980, havia 1,4 milhão de matrículas e,
em 1998, 2,1 milhões. A partir daí, o crescimento se acelera, chegando-se a 9,4
milhões em 2022. Não à toa, entre 2012 e 2024, o número de trabalhadores com 16
anos ou mais de estudo (ensino superior completo) quase dobrou, de 12 milhões
para pouco mais de 22 milhões. Em termos de proporção da população ocupada
(PO), esse grupo saiu de cerca de 13% para 22%.
Embora tenha ocorrido o aumento acentuado da
proporção de pessoas no mercado de trabalho com o superior completo, a
remuneração relativa desse grupo continua sendo bastante atraente. Por isso,
continua valendo a pena concluir o curso superior. Como aponta o estudo feito
por Janaína Feijó, Fernando Veloso, Fernando Barbosa Filho e Paulo Peruchetti,
com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua
(Pnad C), o rendimento real habitual do trabalho daqueles com ensino superior
caiu de cerca de R$ 7.500 em 2012 para R$ 6.600 em 2024. Ainda assim, o
diferencial de renda permanece bastante elevado. Em 2024, o rendimento real
habitual médio daqueles com ensino médio completo e superior incompleto, a
segunda faixa mais escolarizada, é de pouco mais de R$ 2.500. A diferença é de
R$ 4.100, portanto, substantivamente elevada.
Além disso, o maior número de anos de
escolaridade também dá ao trabalhador maior domínio das técnicas para tocar um
negócio. Assim, é possível que a melhor formação educacional da população se
traduza num empreendedorismo mais consequente. Com isso, as micro e pequenas
empresas acabam ganhando com esse perfil mais educado de seus empreendedores.
Em suma, não restam dúvidas de que as causas dos erros de previsão do PIB são um enigma difícil de ser decifrado. Por isso, há várias frentes a serem atacadas para tornar mais certeira a mira na antecipação do valor do PIB.
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