terça-feira, 1 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Decisão de Toffoli incentiva leniência com corrupção

O Globo

Sozinho, mais uma vez ministro anulou processos contra outro réu confesso da Operação Lava-Jato

Faz um ano que o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), vem anulando decisões da Operação Lava-Jato e de outras operações de vulto contra a corrupção em decisões individuais, com a anuência da maioria da Segunda Turma da Corte. A última, anunciada na semana passada, beneficiou Leo Pinheiro, ex-presidente da construtora OAS. Réu confesso, Pinheiro relatou propinas na Petrobras e as reformas no apartamento do Guarujá e no sítio de Atibaia que levaram aos processos, depois anulados, contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Toffoli acatou a versão da defesa, segundo a qual Pinheiro, condenado a mais de 30 anos de prisão, foi vítima de “ilegalidades processuais”. Sozinho, cancelou todas as ações contra ele. Tem sido esse o procedimento-padrão no desmonte da maior operação contra corrupção da História do Brasil. Nada de debate no plenário, nenhuma possibilidade de a população ouvir opiniões divergentes. É difícil pensar que isso contribua de algum modo para a confiança dos brasileiros no Judiciário.

Em setembro do ano passado, Toffoli invalidou as provas do acordo de leniência firmado pela Odebrecht (hoje Novonor). Tornou nulos todos os dados obtidos pelos sistemas de informação do “departamento de propinas” da empreiteira. Cinco meses depois, suspendeu o pagamento das multas. Em maio, anulou as decisões da Lava-Jato contra o também réu confesso Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteira. Ele baseou seu despacho nas mensagens trocadas pelo então juiz Sergio Moro e integrantes do Ministério Público. Obtidas de forma ilegal, elas mostraram cooperação entre os responsáveis pela acusação e o juiz. A partir da decisão que beneficiou a Odebrecht, sabia-se que haveria uma avalanche de pedidos de condenados.

De acordo com a advogada de defesa de Pinheiro, Maria Francisca dos Santos Accioly, “todas as barbáries e ilegalidades processuais sofridas por Marcelo Odebrecht vitimizaram igualmente Leo Pinheiro”. Ao concordar com essa tese, Toffoli voltou a mencionar as conversas obtidas ilegalmente. “Diante do conteúdo dos frequentes diálogos entre magistrado e procurador especificamente sobre o requerente, fica clara a mistura da função de acusação com a de julgar, corroendo-se as bases do processo penal democrático”, disse o ministro. Na semana passada, a defesa do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró protocolou pedido a Toffoli para também ser beneficiado. A lista é grande.

Como era de esperar, as decisões tomadas no STF têm repercutido nas instâncias inferiores. Em agosto, o juiz Guilherme Roman Borges, da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, arquivou uma ação penal por organização criminosa, lavagem de dinheiro e evasão de divisas envolvendo executivos da Braskem. No início de setembro, mandou a União devolver R$ 25 milhões pagos em multa por Jorge Luiz Brusa, que fechara acordo com o Ministério Público. A lista de recuos da Justiça também é grande — e só faz crescer.

Não resta dúvida de que a Lava-Jato cometeu excessos. Mas as decisões de Toffoli livrando de punição réus confessos transmite a mensagem contrária à necessária num país com o histórico de impunidade do Brasil. Pela importância, elas mereceriam um debate mais aprofundado no plenário da Corte, capaz de avaliar se, por mais que haja justificativas processuais, a anulação de todos os casos e provas é a melhor forma de combater a corrupção.

Infiltração do crime na política distorce democracia representativa

O Globo

Diante de mortes e relatos de coação em campanhas, TSE criou núcleo para investigar atuação de facções

A contaminação da política pelo crime e sua infiltração nas instituições levaram a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, a criar um núcleo de especialistas do Ministério Público e da Polícia Federal para verificar evidências do vínculo entre candidatos e facções criminosas. Têm surgido nos últimos meses indícios preocupantes de infiltração do crime organizado na política. As eleições têm servido para mostrar que o problema ultrapassa as fronteiras da segurança pública e pode distorcer a democracia representativa.

São duas as frentes de inquietação: o controle do voto de comunidades subjugadas e a indicação de nomes para concorrer no pleito municipal. Com razão, Cármen Lúcia diz considerar a situação “bastante grave”, levando em conta a “ousadia do crime de querer ser o formulador de leis”.

Ao GLOBO, ela relatou ter recebido telefonema do presidente de um tribunal regional eleitoral preocupado com a segurança de um juiz ameaçado por criminosos. Outro caso recente foi o assassinato na cidade de João Dias, Rio Grande do Norte, do prefeito Marcelo Oliveira e de seu pai, Sandi Alves de Oliveira. O prefeito buscava a reeleição pelo União Brasil. Há indícios do envolvimento de facções criminosas. Entre janeiro e julho, segundo o Observatório da Violência Política e Eleitoral no país, foram mortas 35 lideranças políticas. Tal situação, segundo Cármen Lúcia, “requer uma reformulação institucional, procedimentos mais eficazes e mudanças na legislação”.

É um bom começo admitir que os eventos estão além do alcance do atual regramento jurídico. A insegurança dos candidatos em Manaus ilustra os riscos. Hoje mais da metade da cidade está em comunidades controladas pelo crime. “A campanha é um campo minado: cada lugar tem um dono, que determina quem pode ou não falar com o eleitor”, diz o deputado federal Amom Mandel, candidato a prefeito pelo Cidadania. Ele relata ter tentado fazer uma filmagem para propaganda eleitoral no bairro Jorge Teixeira, mas conta que foi interrompido por fogos de artifício e recebeu o seguinte recado de um homem com um radiocomunicador na cintura: “Você não pode fazer campanha aqui, só nosso candidato. Desliguem tudo e saiam. Agora”.

A iniciativa do TSE é um reconhecimento implícito de que a Lei da Ficha Limpa, por si só, não tem mais sido capaz de filtrar com eficácia os pedidos de registro de candidaturas. A lei veta candidatos condenados na segunda instância. Mas os casos mostram que é necessária ação prévia, com participação ativa dos partidos. Do contrário, o risco é o núcleo criado no TSE apenas repetir a máxima segundo a qual, para cada problema no país, Brasília cria uma comissão que nada resolverá.

Cortar gastos é a saída para manter solvência do Estado

Valor Econômico

No fim das contas, a dívida bruta no governo Lula crescerá de 73,5% do PIB em 2022 (fim da gestão de Jair Bolsonaro) para 81,6% em 2026, uma alta de 8,1 pontos percentuais, uma enormidade apenas comparável ao que ocorreu no segundo governo de Dilma Rousseff

Todas as projeções, inclusive as do governo, indicam que a dívida bruta do governo geral vai se estabilizar em um nível mais alto (acima de 82% do PIB) e só a partir de 2028. Mesmo essas premissas supõem que o governo Lula cumprirá nos próximos dois anos a meta do regime fiscal que criou. Os déficits persistem, mesmo que um tênue equilíbrio esteja previsto pelas regras em 2026 (com margem de tolerância de zero do PIB). As exceções ao regime fiscal explicam parte do avanço da dívida bruta. O uso do piso da meta, que passou a valer desde sua estreia, contribui para piorar o resultado. A colossal conta de juros pesa mais: nos últimos 12 meses encerrados em agosto, consumiram R$ 855 bilhões.

No fim das contas, a dívida bruta no governo Lula crescerá de 73,5% do PIB em 2022 (fim da gestão de Jair Bolsonaro) para 81,6% em 2026, uma alta de 8,1 pontos percentuais, uma enormidade apenas comparável ao que ocorreu no segundo governo de Dilma Rousseff, de 2013 a 2016, quando ela sofreu impeachment. Nesse período, a dívida bruta pulou de 52% para 66% em três anos. A má gestão econômica de Dilma levou o país à maior recessão da história republicana, o que encolheu a arrecadação e acentuou o desequilíbrio das contas públicas. O que chama a atenção no governo Lula é que a dívida continua crescendo velozmente com a economia tendo os melhores resultados desde 2014 (salvo recuperação da pandemia em 2021), com expansão de 3% desde 2022 e a arrecadação batendo recordes consecutivos.

Os resultados mais recentes, com o novo regime fiscal, levaram o Tesouro a ajustar a magnitude da dívida bruta, que se estabilizará em 2028. Em 2024, ela será um ponto percentual do PIB maior (R$ 110 bilhões), ao atingir entre 77,5% e 77,8%, ante 76,6% estimados anteriormente. Com o novo ciclo de alta da taxa Selic, a dívida bruta ganhou impulso extra de alta.

O novo regime fiscal está perdendo rapidamente a confiança inicial que havia angariado dos investidores, que nunca foi total. Diante dos temores de que, com o fim do teto de gastos no governo petista, não haveria qualquer obstáculo a um programa de dispêndios sem receitas correspondentes, como na gestão de Dilma, a saída fiscal apresentada pareceu, de alguma forma, uma maneira de impedir pelo menos um crescimento descontrolado do endividamento. Essa missão o regime ainda cumpre, ainda que com bem menos intensidade do que se esperava.

O regime se apoiou demais no aumento de receitas, como se antevia, mas o espaço para isso nunca foi muito grande e parece ter se esgotado. Brechas fiscais importantes foram fechadas pela equipe do ministro Fernando Haddad, mas não parece haver muitos novos candidatos a empurrar o carro das receitas da União para frente, fora o grande impulso dado por uma economia aquecida. Ainda assim, a arrecadação aproxima-se dos 33% do PIB do último ano do governo Bolsonaro e esse parece ser um teto.

Os desequilíbrios do novo regime se tornaram evidentes. O avanço das receitas puxa automaticamente os gastos (até o limite de 2,5% reais), mas as despesas não crescem uniformemente. O governo Lula voltou com os ganhos reais para o salário mínimo, que indexa os benefícios da Previdência, a principal despesa da União (mais de 40%), assim como despesas sociais como auxílio desemprego, abono salarial e benefício de prestação continuada (BPC). Gastos com saúde e educação, por outro lado, estão vinculados ao avanço das receitas, que, até agora no ano, por exemplo, cresceram 9,7% acima da inflação. Uma consequência é que, como esses gastos não seguem o novo teto e esmagam as despesas obrigatórias, é possível que a máquina pública corra um risco de paralisia em 2027, ainda antes que a dívida bruta se estabilize.

O presidente Lula acredita que só com gastos do Estado a economia pode crescer com vigor, mas não enfrenta, como seus antecessores, o sorvedouro gigante de recursos dos benefícios tributários, que aumentarão R$ 20 bilhões este ano e atingirão R$ 543 bilhões, ou 4,39% do PIB, comprometidos na maior parte com grupos de interesse. Esses recursos cobririam com folga toda a folha de pagamentos da União (R$ 372,2 bilhões) ou mais da metade dos gastos previdenciários (R$ 931,4 bilhões).

Executivo e Legislativo, enquanto é possível aumentar a arrecadação, não se deram ao trabalho de mexer nestes gastos tributários. Agora que se está perto do limite, essa deveria ser uma tarefa incontornável, ainda que politicamente espinhosa. Projeto de lei de Bolsonaro propunha reduzi-los a 2% do PIB (isto é, pela metade) em oito anos, mas foi ignorado, e não se mexeu mais no assunto.

O governo Lula exibiu grandes superávits primários em seu primeiro mandato. Para estabilizar a dívida, é necessário hoje um superávit de 1,5% do PIB. O novo regime fiscal pretendia chegar aí em 2027, com ajuste de 0,5 ponto a cada ano, mas a vontade de gastar foi mais forte do que a de iniciá-lo com a determinação de obter um resultado positivo já em 2025. Sem superávit, a conta dos juros, que levou o déficit nominal em 12 meses até agosto a R$ 1,11 trilhão, terá apenas o céu como limite, e, em algum momento, se nada mudar, haverá risco para a solvência do Estado. A única forma de evitar isso é cortar gastos.

Eleição em São Paulo ainda merece mais debate

Folha de S. Paulo

Encontro promovido por Folha e UOL teve interações mais livres; 2ª turno deve pôr problemas da cidade em primeiro plano

Quando não se prestam a socos e cadeiradas, debates entre postulantes a um determinado cargo público cumprem uma função importante no contexto eleitoral: estimulam o confronto de ideias e propostas.

Não que estas e aquelas estejam ausentes em outros momentos da campanha; palanques e peças de rádio ou TV, contudo, revestem-se de inevitáveis toques publicitários, enquanto entrevistas não constituem o foro mais adequado para comparar iniciativas de diferentes candidaturas.

Além disso, no esforço de passar uma mensagem sintética e duradoura, candidatos costumam direcionar sua artilharia para características ideológicas, alianças partidárias e condutas pessoais, como se estivessem colando um selo de virtudes em si mesmos e carimbando os adversários com a marca dos defeitos.

São, sem dúvida, aspectos relevantes para o eleitor decidir o voto, mas eles não bastam. Quando se disputam cargos majoritários, como o comando da Prefeitura de São Paulo, é fundamental conhecer os programas de governo e saber como os principais candidatos os criticam e os defendem.

Daí por que são deploráveis os ataques físicos desferidos por José Luiz Datena (PSDB) contra Pablo Marçal (PRTB) e por um assessor deste contra o marqueteiro de Ricardo Nunes (MDB): além da boçalidade que representam, eles conspurcam uma ocasião preciosa para a vida democrática.

Sem arruaças dessa natureza, o encontro promovido pela Folha e pelo UOL nesta segunda (30) teve o mérito de adotar o banco de tempo, um formato tradicional na França que favorece a interação entre os participantes.

Utilizado pela primeira vez no Brasil em 2018, durante debate da Folha, do UOL e do SBTo modelo permite a cada candidato administrar seus minutos —20, no caso atual— como julgar melhor; sempre que alguém fala, seu tempo começa a ser descontado, como ocorre em partidas de xadrez.

Desde que o relógio permitisse, cada candidato podia fazer uso da palavra em qualquer resposta, mesmo que a pergunta não lhe tivesse sido dirigida. Assim, surgiram diversas oportunidades para um explorar o que considera um ponto vulnerável de outro.

Reconheça-se, entretanto, que mesmo esse esforço resulta insuficiente quando os postulantes preferem tergiversar, deixando de lado tanto os variados problemas da cidade quanto as soluções que prometem implementar.

Ao paulistano desolado com a qualidade das discussões resta o consolo de saber que há remotas chances de a eleição terminar no primeiro turno. De acordo com a pesquisa mais recente do Datafolha, o prefeito Nunes, o deputado Guilherme Boulos (PSOL) e o influencer Marçal brigam pelas duas vagas na segunda rodada.

Melhor assim. Quando sobrarem apenas dois postulantes no páreo, espera-se que o medo da rejeição os faça abandonar os subterfúgios rasteiros para que os temas da cidade possam, enfim, assumir o primeiro plano.

Uma autoridade climática abstrata

Folha de S. Paulo

Órgão anunciado por Lula não virou projeto, embora seja promessa de campanha; falta de convicção dificulta negociações

Foram necessárias enchentes trágicas no Rio Grande do Sul e uma estiagem inaudita que desencadeou incêndios pelo território nacional para que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciasse, três semanas atrás, a criação de uma autoridade climática em sua administração.

A proposta está longe de ser nova: foi promessa de campanha do presidente. O fato de nenhum projeto ter sido apresentado até agora evidencia como a ideia ainda é abstrata e enfrenta discordâncias tanto dentro do governo como no Legislativo.

A implantação do órgão —que teria a missão de articular políticas ambientais com outras áreas para adaptação, prevenção e respostas aos efeitos do aquecimento global— foi uma das condições para que Marina Silva, agora ministra do Meio Ambiente, aderisse à atual gestão.

Mas as divergências tiveram início já na transição de governo, no final de 2022. Marina defendia que a autoridade ficasse subordinada à sua pasta, enquanto outros integrantes da equipe preferiam fortalecer estruturas já existentes ou vincular o órgão diretamente à Presidência.

Naquele período, a ideia era a de que o órgão atuasse em negociações diplomáticas. Já em junho de 2023, cogitou-se também a regulação do mercado de carbono, pauta de interesse da iniciativa privada que encontraria guarida no Legislativo.

O Planalto, àquela altura, havia sofrido derrotas em projetos ambientais no Congresso, e a nova atribuição da autoridade seria uma forma de angariar apoio entre parlamentares. Nada de concreto aconteceu, entretanto.

Em entrevista ao jornal O Globo no último domingo (22), o ministro da Casa CivilRui Costa, deu ideia do nível dos desencontros no governo em torno do assunto, ao afirmar que o primeiro texto detalhando as atribuições do novo órgão só chegara a suas mãos poucos dias antes. Já a pasta de Marina considera que sua proposta está amadurecida.

O fato visível é que Lula não sabia ao certo o que estava anunciando há três semanas —pois nem seus auxiliares dispõem de um plano consensual. Tratava-se tão somente de uma reação apressada e improvisada à devastação provocada pelo fogo.

A demonstração de falta de convicção na administração petista tende a tornar ainda mais difícil a tarefa de convencer a sociedade e, em particular, o Congresso da utilidade da nova estrutura.

Só o que fica claro é como o governo tem dificuldades para oferecer respostas convincentes em área tão crucial para seu sucesso.

Um estranho conceito de civilização

O Estado de S. Paulo

Barroso nos informa que a missão do Supremo é ‘recivilizar’ o País. De que ‘civilização’ se trata quando ministros favorecem corruptos confessos e emasculam lei que moraliza estatais?

A defesa da supremacia da Constituição parece ser incumbência menor para o egrégio Supremo Tribunal Federal (STF). O destino da Corte seria “recivilizar” o Brasil – nada menos. Assim entende o seu ministro presidente, Luís Roberto Barroso, que em entrevista ao jornal Valor afirmou que a “total recivilização do País” é o “legado institucional” que ele pretende deixar ao transmitir o cargo a seu provável sucessor, o ministro Edson Fachin.

Em primeiro lugar, é incontornável observar que só precisa ser “recivilizada”, por óbvio, uma horda de bárbaros, o que nem de longe retrata a Nação brasileira. Só esse pequeno lapso, digamos assim, basta para expor o grau de alheamento da realidade e de afetação intelectual, quando não autoritária, que tem comprometido a legitimidade de não poucas decisões dos ministros do STF nos últimos anos.

Dito isso, não é de hoje que Barroso tem essa compreensão grandiloquente do que seria a missão precípua da Corte. Em 2017, o ministro afirmou durante uma aula magna que, “a serviço da causa da humanidade”, seria papel do STF “empurrar a história”, que, em sua visão, ora “anda rápido”, ora “anda devagar”. Um ano depois, com o mesmo espírito messiânico, o sr. Barroso ainda escreveria o célebre artigo no qual defendeu o “papel iluminista” do Supremo.

Vistas em retrospecto, ambas as manifestações do hoje presidente do STF soam como premonições da miríade de abusos e extrapolações de prerrogativas que seriam cometidos por ministros da Corte nos últimos anos a pretexto da tal “recivilização” do País. É o caso de perguntar: se é missão do STF civilizar a sociedade, qual será, afinal, o padrão civilizatório que vai iluminar o caminho da Nação desde Brasília até o seu inexorável encontro com a bem-aventurança?

É de civilização que estamos tratando quando o ministro Dias Toffoli faz pouco-caso do bom Direito e da inteligência alheia ao apagar os fatos, sozinho, em sua autoatribuída missão de reescrever a história da Lava Jato? E pior, usando como base desse misto de revisionismo e penitência perante Lula um conjunto de provas absolutamente ilegais, obtidas por meio da ação insidiosa de um hacker. Será esse o diapasão iluminista do STF, sinalizar à sociedade que corromper e ser corrompido, ao preço de poucos anos de dissabores e ostracismo, compensa neste País?

Foi isso o que Toffoli indicou, mais uma vez, quando exonerou o notório empreiteiro Léo Pinheiro de todas as condenações por crimes que ele confessou em acordo de colaboração firmado com o grupo de trabalho da Lava Jato no âmbito da Procuradoria-Geral da República (PGR). No afã de se apaziguar com Lula, Toffoli não teve o cuidado de observar que Léo Pinheiro jamais poderia ser “vítima” de “conluio” entre o então juiz Sergio Moro e a força-tarefa de Curitiba porque seu acordo de colaboração foi firmado, em 2019, sob os auspícios de Raquel Dodge, então à frente da PGR, sendo homologado meses depois pelo ministro Edson Fachin.

Mas sigamos. É de civilização que estávamos tratando quando Ricardo Lewandowski, então ministro do STF, obliterou o trabalho do Congresso que resultou na Lei das Estatais, e isso para atender aos interesses de um governo do qual ele logo faria parte? Civilizar o País, por acaso, é fazer letra morta da lei que moralizou a gestão de empresas como a Petrobras após a razia promovida pelos governos lulopetistas, seja por má gestão, seja pelo enriquecimento ilícito dos criminosos apanhados pela Lava Jato?

É de civilização que estamos tratando quando ministros do STF viajam mundo afora às expensas de indivíduos e empresas que têm seus interesses diretos em jogo na Corte? Com notável arrogância, Barroso desdenhou da necessidade de um código de conduta para ele e seus pares, pois já há a Lei Orgânica da Magistratura – uma lei que muitas vezes os próprios ministros não cumprem – e o controle da TV Justiça, como se os casos de conflito de interesses se estabelecessem diante das câmeras.

Diz-se com razão que o STF carece de autocontenção. Antes a Corte carecesse só disso.

Papelão do Brasil na ONU

O Estado de S. Paulo

Arrastado pelos ressentimentos antiocidentais de seu presidente, o Brasil abandona sua independência diplomática e seus valores democráticos para se alinhar ao eixo liderado por China, Rússia e Irã

Sob o governo Lula, o Brasil abandonou quaisquer vestígios de independência na polarização geopolítica entre o eixo autocrático sino-russo-iraniano e as democracias ocidentais. A Assembleia Geral da ONU explicitou esse alinhamento. Sua imagem mais reveladora foi o boicote da delegação brasileira ao discurso do premiê israelense, Benjamin Netanyahu. Enquanto isso, diplomatas brasileiros persuadiam países do “Sul Global” a apoiarem a proposta da China para a guerra na Ucrânia, que na prática equivale à rendição de Kiev aos agressores russos.

No discurso que a comitiva brasileira não ouviu, Netanyahu pode ser criticado por mais uma vez se esquivar de uma estratégia política para o futuro das relações entre Israel e Palestina. Dito isso, Israel vem sendo reprovado por “escalar” os conflitos no Oriente Médio, mas a escalada começou há um ano, com o ataque do Hamas a Israel. Ato contínuo, outros grupos patrocinados pelo Irã iniciaram agressões, listadas por Netanyahu: mais de 8 mil foguetes lançados pelo Hezbollah, centenas de ataques com drones dos houthis do Iêmen, dezenas de ataques das milícias xiitas da Síria e Iraque, além das centenas de drones e mísseis lançados pelo próprio Irã. Ainda há mais de 100 reféns israelenses cativos do Hamas e mais de 60 mil israelenses evacuados em razão das agressões do Hezbollah.

Israel pode ter cometido excessos e crimes, mas sua guerra é de defesa. Teerã e seus associados terroristas são uma ameaça não só para Israel, mas para as nações sunitas e as democracias do mundo. Ao retaliar suas agressões, Israel pode ter empregado meios eventualmente injustos, mas sua guerra, no geral, é justa. A guerra de agressão da Rússia, por outro lado, é injusta.

Mas o Brasil não protestou contra o discurso do presidente iraniano. Pelo contrário, na posse daquele presidente, o vice brasileiro, Geraldo Alckmin, foi brindado com um posto de “honra” ao lado de líderes terroristas do Hamas, do Hezbollah, da Jihad Islâmica e dos houthis. Tampouco o chanceler russo foi alvo de qualquer protesto na ONU, mesmo quando voltou a ameaçar o mundo com um conflito nuclear.

No afã de se justificar, o próprio presidente Lula da Silva lançou mão de falsidades factuais, afirmando que Netanyahu e Vladimir Putin foram condenados pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). Mentira: a Corte emitiu ordem de prisão contra Putin pelo sequestro de crianças ucranianas, entre outros crimes; Netanyahu foi indiciado por acusações ainda não julgadas.

A falsa equivalência salta aos olhos ante o tratamento seletivo de Lula. Desde que Lula foi reprovado pelo governo israelense por comparar as operações em Gaza ao Holocausto, o Brasil deslocou seu embaixador em Israel e adia sine die a indicação de outro, o que equivale a um rompimento diplomático de facto. Já com Moscou mantém intensas conversações e trabalha para ampliar a importação de insumos russos. Lula chegou a dizer que ignoraria o TPI e que Putin poderia visitar o Brasil impunemente. Advertido de que isso violaria a Constituição, recuou, mas encaminhou uma carta à ONU buscando imunidade para Putin.

Os mesmos pesos e medidas valem na América do Sul. Pretextando ofensas pessoais, Lula se recusa a conversar com o presidente da Argentina – principal parceira comercial e geopolítica do Brasil na região. Mas quando se trata do peão sino-russo, a Venezuela, mesmo com os calotes, descumprimentos de pactos patrocinados pelo Brasil, ameaças de invasão a um vizinho, o roubo das eleições, a criminalização da oposição e até as chacotas de Nicolás Maduro com o próprio Lula, o presidente continua a sustentar a perspectiva farsesca de mediar negociações entre governo e oposição. A Venezuela não foi citada uma só vez por Lula na ONU.

O Brasil não precisaria se alinhar aos objetivos geoestratégicos de Pequim para continuar exportando commodities para a China. Mas o rancor antiocidental de Lula não só solapa valores comuns e desmoraliza a diplomacia brasileira, como põe em risco a importação de tecnologias críticas, a começar pelas que sustentam o arsenal militar nacional. Não há pragmatismo que justifique esse alinhamento. É pura ideologia, e da pior qualidade.

A Telebras no Brasil que ‘voltou’

O Estado de S. Paulo

Governo Lula descumpre regra de extinção de cargos para favorecer aliados do Centrão

Em benefício de aliados do Centrão, o governo Lula da Silva descumpriu, pela segunda vez, uma regra para a extinção de cargos na Telebras. Até julho deste ano, a empresa deveria ter reduzido de 56 para 31 o número de postos comissionados, mas, com o aval do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, comandado por Esther Dweck, a companhia foi autorizada a estender esse cabide de empregos, cumprindo a vocação das estatais sob o lulopetismo.

Uma nota técnica do governo Michel Temer, de 2017, previa a redução gradual do loteamento político da Telebras. Na época, a estatal mantinha 76 cargos comissionados e foi estabelecido então um cronograma de diminuição desses postos para 26 até julho de 2020. Na gestão Jair Bolsonaro, a empresa chegou a reduzi-los para 51, em 2019, mas depois pediu para adiar a meta final para 2023 porque a empresa fora incluída no Programa Nacional de Desestatização.

No governo Lula da Silva, além de sair do programa de privatização, a estatal ganhou mais cargos e pediu mais tempo para fazer os cortes, até o próximo ano. Foi prontamente atendida pela pasta de Dweck. A intenção é dar a esse projeto ares de eficiência, o que não resiste assim que se conhecem os detalhes. Segundo a Telebras, o pedido para manter os cargos de indicação política faz parte de uma “reestruturação estratégica” e, nas palavras da estatal, “esse processo de médio a longo prazo visa aumentar as receitas e melhorar a prestação de serviços públicos, especialmente para promover a inclusão digital”.

Ao Ministério da Gestão, a empresa afirmou que incorporou novas atribuições e, por isso, precisa “contratar profissionais com perfis e conhecimentos técnicos muito específicos”. Como mostrou reportagem do Estadão, nada corrobora esse argumento. Ao contrário.

Ocupam esses cargos um sobrinho do ministro do Turismo, Celso Sabino, e amigos, parentes e outras pessoas ligadas ao União Brasil, partido do ministro das Comunicações, Juscelino Filho, pasta à qual a Telebras está vinculada. Juscelino, vale lembrar, foi indiciado sob suspeitas de irregularidades no uso de emendas parlamentares na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), conhecida como a estatal do Centrão. Esse grupo político do Congresso parece ter ganhado outra estatal para apaniguados.

Recentemente, Lula da Silva enalteceu a Telebras. Nas palavras do demiurgo, “a Telebras voltou, da mesma forma que eu voltei, e da mesma forma que o Brasil voltou, e ela veio para ficar”. Seja como cabides de empregos para sindicalistas e apadrinhados de políticos, seja como fontes de recursos fora do Orçamento, seja como usinas de corrupção e desvios, seja ainda como sorvedouro de dinheiro público em áreas que podem ser mais bem atendidas pela iniciativa privada a um custo bem menor, as estatais sob o lulopetismo cumprem uma dupla função: satisfazer a estatolatria do PT e saciar o apetite fisiológico do Centrão. Esse é o Brasil que, nas palavras de Lula, “voltou”.

Câncer de mama, país deve uma resposta à altura

Correio Braziliense

É certo que, neste mês, o câncer de mama será pauta em lugares diversos, mobilizando pacientes, profissionais de saúde e também autoridades. Merece, portanto, uma estrutura de suporte à altura

Em cada grupo de 10 pessoas, duas terão pelo menos um câncer durante a vida, indicam os estudos científicos recentes. Um número expressivo desses pacientes será acometido por tumor maligno na mama. A doença está entre os cânceres mais incidentes no mundo, perdendo apenas para o de pulmão — 11,5% e 12,4% dos casos oncológicos em 2022, respectivamente, segundo o Observatório Global do Câncer. O Brasil, também ocupa a segunda colocação nos diagnósticos (10,5%), atrás do câncer de pele não melanoma (31,3%), de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca). E, como acontece com boa parte dos quadros de saúde complexos desse país, não é tratada como deveria.

A falta de informação ao longo do tratamento é uma das dificuldades enfrentadas pelas pacientes e tema da campanha que a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) conduzirá neste Outubro Rosa. Há, por exemplo, uma lista de direitos que é desconhecida por pacientes oncológicos e não respeitada pelo poder público. Reconstrução mamária, acesso à mamografia a partir dos 40 anos e tratamento em até 60 dias pelo Sistema Único de Saúde (SUS) estão entre os procedimentos previstos em lei, mas que não fazem parte da realidade e do repertório de muitas brasileiras.

Dados mais atualizados do Ministério da Saúde indicam que, em 2022, mais da metade dos casos de câncer de mama, 56,3%, começou a ser tratada depois de 60 dias do diagnóstico, desobedecendo à Lei nº 12.732 de 2012. A porcentagem praticamente se manteve de 2019 a 2022, revelando uma desassistência sistêmica com uma condição de ameaça à vida e cujo agravamento também tem impactos nos cofres públicos. Levantamento da Fiocruz indica que os gastos com tratamentos oncológicos no SUS somaram R$ 4 bilhões em 2002, 14% a mais do que em 2020.

Quanto à realização de mamografias, a cobertura no país é de cerca de 20% do público-alvo, muito abaixo dos 70% recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), segundo a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM). Entidades ligadas à doença alertam que a média é menor entre mulheres jovens, e esse cenário desperta ainda mais preocupação porque o país enfrenta um aumento de casos da doença antes dos 50 anos. A SBM calcula que a incidência atual de câncer de mama em pessoas com menos de 35 anos é de 5%. Durante muito tempo, foi de 2%. 

Entra aí um outro ponto em que se perde a oportunidade de preservar vidas e melhorar o uso do capital público. Os casos precoces da doença estão relacionados principalmente ao estilo de vida — portanto, podem ser evitados ou melhor manejados. O sedentarismo é um deles, assim como a redução no número de filhos e a gestação tardia. Bem orientadas, mulheres com perfis mais vulneráveis tendem a adotar hábitos que reduzam o risco de ocorrência da doença.

Não se trata de individualizar a responsabilidade pelo enfrentamento do câncer. Ao contrário, a educação em saúde precisa caminhar com uma estrutura institucional que responda às demandas apresentadas pelos indivíduos. Há de se ter assistência pública que auxilie a perda de peso, o controle da dependência química e que, na outra ponta, atenda à mulher que reivindica o seu direito de uma cirurgia para a reconstrução da mama — mais de 20 mil estão na fila de espera pelo procedimento no SUS, mostra o último levantamento do governo.

Vale lembrar que a realidade também é dificultosa para usuárias do sistema privado de saúde. Basta lembrar a recente onda de rescisões unilaterais de contratos que prejudicou clientes idosos, faixa etária com alta incidência de tumores. A prática das operadoras mobilizou o Congresso, que promete votar novas regras para o setor ainda neste semestre.

É certo que, neste mês, o câncer de mama será pauta em lugares diversos, mobilizando pacientes, profissionais de saúde e também autoridades. Prédios, inclusive os públicos, serão pintados de rosa para ressaltar a importância de melhorar o combate à doença. Não há dúvidas de que se trata de um grande desafio de saúde pública. Merece, portanto, uma estrutura de suporte à altura.

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