Decisão de Toffoli incentiva leniência com corrupção
O Globo
Sozinho, mais uma vez ministro anulou
processos contra outro réu confesso da Operação Lava-Jato
Faz um ano que o ministro Dias Toffoli,
do Supremo Tribunal Federal (STF),
vem anulando decisões da Operação Lava-Jato e de outras operações de vulto
contra a corrupção em decisões individuais, com a anuência da maioria da
Segunda Turma da Corte. A última, anunciada na semana passada, beneficiou Leo
Pinheiro, ex-presidente da construtora OAS. Réu confesso, Pinheiro relatou
propinas na Petrobras e as reformas no apartamento do Guarujá e no sítio de
Atibaia que levaram aos processos, depois anulados, contra o presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva.
Toffoli acatou a versão da defesa, segundo a
qual Pinheiro, condenado a mais de 30 anos de prisão, foi vítima de
“ilegalidades processuais”. Sozinho, cancelou todas as ações contra ele. Tem
sido esse o procedimento-padrão no desmonte da maior operação contra corrupção
da História do Brasil. Nada de debate no plenário, nenhuma possibilidade de a
população ouvir opiniões divergentes. É difícil pensar que isso contribua de
algum modo para a confiança dos brasileiros no Judiciário.
Em setembro do ano passado, Toffoli invalidou as provas do acordo de leniência firmado pela Odebrecht (hoje Novonor). Tornou nulos todos os dados obtidos pelos sistemas de informação do “departamento de propinas” da empreiteira. Cinco meses depois, suspendeu o pagamento das multas. Em maio, anulou as decisões da Lava-Jato contra o também réu confesso Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteira. Ele baseou seu despacho nas mensagens trocadas pelo então juiz Sergio Moro e integrantes do Ministério Público. Obtidas de forma ilegal, elas mostraram cooperação entre os responsáveis pela acusação e o juiz. A partir da decisão que beneficiou a Odebrecht, sabia-se que haveria uma avalanche de pedidos de condenados.
De acordo com a advogada de defesa de
Pinheiro, Maria Francisca dos Santos Accioly, “todas as barbáries e
ilegalidades processuais sofridas por Marcelo Odebrecht vitimizaram igualmente
Leo Pinheiro”. Ao concordar com essa tese, Toffoli voltou a mencionar as
conversas obtidas ilegalmente. “Diante do conteúdo dos frequentes diálogos
entre magistrado e procurador especificamente sobre o requerente, fica clara a
mistura da função de acusação com a de julgar, corroendo-se as bases do
processo penal democrático”, disse o ministro. Na semana passada, a defesa do
ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró protocolou pedido a Toffoli para também
ser beneficiado. A lista é grande.
Como era de esperar, as decisões tomadas no
STF têm repercutido nas instâncias inferiores. Em agosto, o juiz Guilherme
Roman Borges, da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, arquivou uma ação penal
por organização criminosa, lavagem de dinheiro e evasão de divisas envolvendo
executivos da Braskem.
No início de setembro, mandou a União devolver R$ 25 milhões pagos em multa por
Jorge Luiz Brusa, que fechara acordo com o Ministério Público. A lista de
recuos da Justiça também é grande — e só faz crescer.
Não resta dúvida de que a Lava-Jato cometeu
excessos. Mas as decisões de Toffoli livrando de punição réus confessos
transmite a mensagem contrária à necessária num país com o histórico de
impunidade do Brasil. Pela importância, elas mereceriam um debate mais
aprofundado no plenário da Corte, capaz de avaliar se, por mais que haja
justificativas processuais, a anulação de todos os casos e provas é a melhor
forma de combater a corrupção.
Infiltração do crime na política distorce
democracia representativa
O Globo
Diante de mortes e relatos de coação em
campanhas, TSE criou núcleo para investigar atuação de facções
A contaminação da política pelo crime e sua
infiltração nas instituições levaram a presidente do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE),
ministra Cármen Lúcia,
a criar um núcleo de especialistas do Ministério Público e da Polícia
Federal para verificar evidências do vínculo entre candidatos e
facções criminosas. Têm surgido nos últimos meses indícios preocupantes de
infiltração do crime organizado na política. As eleições têm servido para
mostrar que o problema ultrapassa as fronteiras da segurança pública e pode
distorcer a democracia representativa.
São duas as frentes de inquietação: o
controle do voto de comunidades subjugadas e a indicação de nomes para
concorrer no pleito municipal. Com razão, Cármen Lúcia diz considerar a
situação “bastante grave”, levando em conta a “ousadia do crime de querer ser o
formulador de leis”.
Ao GLOBO, ela relatou ter recebido telefonema
do presidente de um tribunal regional eleitoral preocupado com a segurança de
um juiz ameaçado por criminosos. Outro caso recente foi o assassinato na cidade
de João Dias, Rio Grande do
Norte, do prefeito Marcelo Oliveira e de seu pai, Sandi Alves de
Oliveira. O prefeito buscava a reeleição pelo União Brasil.
Há indícios do envolvimento de facções criminosas. Entre janeiro e julho,
segundo o Observatório da Violência Política e Eleitoral no país, foram mortas
35 lideranças políticas. Tal situação, segundo Cármen Lúcia, “requer uma
reformulação institucional, procedimentos mais eficazes e mudanças na
legislação”.
É um bom começo admitir que os eventos estão
além do alcance do atual regramento jurídico. A insegurança dos candidatos em
Manaus ilustra os riscos. Hoje mais da metade da cidade está em comunidades
controladas pelo crime. “A campanha é um campo minado: cada lugar tem um dono,
que determina quem pode ou não falar com o eleitor”, diz o deputado federal
Amom Mandel, candidato a prefeito pelo Cidadania. Ele relata ter tentado fazer
uma filmagem para propaganda eleitoral no bairro Jorge Teixeira, mas conta que foi
interrompido por fogos de artifício e recebeu o seguinte recado de um homem com
um radiocomunicador na cintura: “Você não pode fazer campanha aqui, só nosso
candidato. Desliguem tudo e saiam. Agora”.
A iniciativa do TSE é um reconhecimento
implícito de que a Lei da Ficha Limpa, por si só, não tem mais sido capaz de
filtrar com eficácia os pedidos de registro de candidaturas. A lei veta
candidatos condenados na segunda instância. Mas os casos mostram que é
necessária ação prévia, com participação ativa dos partidos. Do contrário, o
risco é o núcleo criado no TSE apenas repetir a máxima segundo a qual, para
cada problema no país, Brasília cria
uma comissão que nada resolverá.
Cortar gastos é a saída para manter solvência
do Estado
Valor Econômico
No fim das contas, a dívida bruta no governo Lula crescerá de 73,5% do PIB em 2022 (fim da gestão de Jair Bolsonaro) para 81,6% em 2026, uma alta de 8,1 pontos percentuais, uma enormidade apenas comparável ao que ocorreu no segundo governo de Dilma Rousseff
Todas as projeções, inclusive as do governo,
indicam que a dívida bruta do governo geral vai se estabilizar em um nível mais
alto (acima de 82% do PIB) e só a partir de 2028. Mesmo essas premissas supõem
que o governo Lula cumprirá nos próximos dois anos a meta do regime fiscal que
criou. Os déficits persistem, mesmo que um tênue equilíbrio esteja previsto
pelas regras em 2026 (com margem de tolerância de zero do PIB). As exceções ao
regime fiscal explicam parte do avanço da dívida bruta. O uso do piso da meta,
que passou a valer desde sua estreia, contribui para piorar o resultado. A
colossal conta de juros pesa mais: nos últimos 12 meses encerrados em agosto,
consumiram R$ 855 bilhões.
No fim das contas, a dívida bruta no governo
Lula crescerá de 73,5% do PIB em 2022 (fim da gestão de Jair Bolsonaro) para
81,6% em 2026, uma alta de 8,1 pontos percentuais, uma enormidade apenas
comparável ao que ocorreu no segundo governo de Dilma Rousseff, de 2013 a 2016,
quando ela sofreu impeachment. Nesse período, a dívida bruta pulou de 52% para
66% em três anos. A má gestão econômica de Dilma levou o país à maior recessão
da história republicana, o que encolheu a arrecadação e acentuou o desequilíbrio
das contas públicas. O que chama a atenção no governo Lula é que a dívida
continua crescendo velozmente com a economia tendo os melhores resultados desde
2014 (salvo recuperação da pandemia em 2021), com expansão de 3% desde 2022 e a
arrecadação batendo recordes consecutivos.
Os resultados mais recentes, com o novo
regime fiscal, levaram o Tesouro a ajustar a magnitude da dívida bruta, que se
estabilizará em 2028. Em 2024, ela será um ponto percentual do PIB maior (R$
110 bilhões), ao atingir entre 77,5% e 77,8%, ante 76,6% estimados
anteriormente. Com o novo ciclo de alta da taxa Selic, a dívida bruta ganhou
impulso extra de alta.
O novo regime fiscal está perdendo
rapidamente a confiança inicial que havia angariado dos investidores, que nunca
foi total. Diante dos temores de que, com o fim do teto de gastos no governo
petista, não haveria qualquer obstáculo a um programa de dispêndios sem
receitas correspondentes, como na gestão de Dilma, a saída fiscal apresentada
pareceu, de alguma forma, uma maneira de impedir pelo menos um crescimento
descontrolado do endividamento. Essa missão o regime ainda cumpre, ainda que
com bem menos intensidade do que se esperava.
O regime se apoiou demais no aumento de
receitas, como se antevia, mas o espaço para isso nunca foi muito grande e
parece ter se esgotado. Brechas fiscais importantes foram fechadas pela equipe
do ministro Fernando Haddad, mas não parece haver muitos novos candidatos a
empurrar o carro das receitas da União para frente, fora o grande impulso dado
por uma economia aquecida. Ainda assim, a arrecadação aproxima-se dos 33% do
PIB do último ano do governo Bolsonaro e esse parece ser um teto.
Os desequilíbrios do novo regime se tornaram
evidentes. O avanço das receitas puxa automaticamente os gastos (até o limite
de 2,5% reais), mas as despesas não crescem uniformemente. O governo Lula
voltou com os ganhos reais para o salário mínimo, que indexa os benefícios da
Previdência, a principal despesa da União (mais de 40%), assim como despesas
sociais como auxílio desemprego, abono salarial e benefício de prestação
continuada (BPC). Gastos com saúde e educação, por outro lado, estão vinculados
ao avanço das receitas, que, até agora no ano, por exemplo, cresceram 9,7%
acima da inflação. Uma consequência é que, como esses gastos não seguem o novo
teto e esmagam as despesas obrigatórias, é possível que a máquina pública corra
um risco de paralisia em 2027, ainda antes que a dívida bruta se estabilize.
O presidente Lula acredita que só com gastos
do Estado a economia pode crescer com vigor, mas não enfrenta, como seus
antecessores, o sorvedouro gigante de recursos dos benefícios tributários, que
aumentarão R$ 20 bilhões este ano e atingirão R$ 543 bilhões, ou 4,39% do PIB,
comprometidos na maior parte com grupos de interesse. Esses recursos cobririam
com folga toda a folha de pagamentos da União (R$ 372,2 bilhões) ou mais da
metade dos gastos previdenciários (R$ 931,4 bilhões).
Executivo e Legislativo, enquanto é possível
aumentar a arrecadação, não se deram ao trabalho de mexer nestes gastos
tributários. Agora que se está perto do limite, essa deveria ser uma tarefa
incontornável, ainda que politicamente espinhosa. Projeto de lei de Bolsonaro
propunha reduzi-los a 2% do PIB (isto é, pela metade) em oito anos, mas foi
ignorado, e não se mexeu mais no assunto.
O governo Lula exibiu grandes superávits primários em seu primeiro mandato. Para estabilizar a dívida, é necessário hoje um superávit de 1,5% do PIB. O novo regime fiscal pretendia chegar aí em 2027, com ajuste de 0,5 ponto a cada ano, mas a vontade de gastar foi mais forte do que a de iniciá-lo com a determinação de obter um resultado positivo já em 2025. Sem superávit, a conta dos juros, que levou o déficit nominal em 12 meses até agosto a R$ 1,11 trilhão, terá apenas o céu como limite, e, em algum momento, se nada mudar, haverá risco para a solvência do Estado. A única forma de evitar isso é cortar gastos.
Eleição em São Paulo ainda merece mais debate
Folha de S. Paulo
Encontro promovido por Folha e UOL teve
interações mais livres; 2ª turno deve pôr problemas da cidade em primeiro plano
Quando não se
prestam a socos e cadeiradas, debates entre postulantes a um
determinado cargo público cumprem uma função importante no contexto eleitoral:
estimulam o confronto de ideias e propostas.
Não que estas e aquelas estejam ausentes em
outros momentos da campanha; palanques e peças de rádio ou TV, contudo,
revestem-se de inevitáveis toques publicitários, enquanto entrevistas não
constituem o foro mais adequado para comparar iniciativas de diferentes
candidaturas.
Além disso, no esforço de passar uma mensagem
sintética e duradoura, candidatos costumam direcionar sua artilharia para
características ideológicas, alianças partidárias e condutas pessoais, como se
estivessem colando um selo de virtudes em si mesmos e carimbando os adversários
com a marca dos defeitos.
São, sem dúvida, aspectos relevantes para o
eleitor decidir o voto, mas eles não bastam. Quando se disputam cargos
majoritários, como o comando da Prefeitura de São Paulo,
é fundamental conhecer os programas de governo e saber como os principais
candidatos os criticam e os defendem.
Daí por que são deploráveis os ataques
físicos desferidos por José Luiz Datena (PSDB)
contra Pablo Marçal (PRTB)
e por um assessor deste contra o marqueteiro de Ricardo Nunes (MDB): além da
boçalidade que representam, eles conspurcam uma ocasião preciosa para a vida
democrática.
Sem arruaças dessa natureza, o encontro
promovido pela Folha e pelo UOL nesta segunda (30) teve
o mérito de adotar o banco de tempo, um formato tradicional na França que
favorece a interação entre os participantes.
Utilizado pela primeira vez no Brasil em
2018, durante debate da Folha, do UOL e do SBT, o modelo
permite a cada candidato administrar seus minutos —20, no caso
atual— como julgar melhor; sempre que alguém fala, seu tempo começa a ser
descontado, como ocorre em partidas de xadrez.
Desde que o relógio permitisse, cada
candidato podia fazer uso da palavra em qualquer resposta, mesmo que a pergunta
não lhe tivesse sido dirigida. Assim, surgiram diversas oportunidades para um
explorar o que considera um ponto vulnerável de outro.
Reconheça-se, entretanto, que mesmo esse
esforço resulta insuficiente quando os postulantes preferem tergiversar,
deixando de lado tanto os variados problemas da cidade quanto as soluções que
prometem implementar.
Ao paulistano desolado com a qualidade das
discussões resta o consolo de saber que há remotas chances de a eleição
terminar no primeiro turno. De acordo com a pesquisa mais recente do Datafolha,
o prefeito Nunes, o deputado Guilherme
Boulos (PSOL)
e o influencer Marçal brigam pelas duas vagas na segunda rodada.
Melhor assim. Quando sobrarem apenas dois
postulantes no páreo, espera-se que o medo da rejeição os faça abandonar os
subterfúgios rasteiros para que os temas da cidade possam, enfim, assumir o
primeiro plano.
Uma autoridade climática abstrata
Folha de S. Paulo
Órgão anunciado por Lula não virou projeto,
embora seja promessa de campanha; falta de convicção dificulta negociações
Foram necessárias enchentes trágicas no Rio
Grande do Sul e uma estiagem inaudita que desencadeou incêndios pelo território
nacional para que Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
anunciasse, três semanas atrás, a
criação de uma autoridade climática em sua administração.
A proposta está longe de ser nova: foi
promessa de campanha do presidente. O fato de nenhum projeto ter sido
apresentado até agora evidencia como a ideia ainda é abstrata e enfrenta
discordâncias tanto dentro do governo como no Legislativo.
A implantação do órgão —que teria a missão de
articular políticas ambientais com outras áreas para adaptação, prevenção e
respostas aos efeitos do aquecimento global— foi uma das condições para
que Marina Silva,
agora ministra do Meio Ambiente, aderisse à atual gestão.
Mas as divergências tiveram início já na
transição de governo, no final de 2022. Marina defendia que a autoridade
ficasse subordinada à sua pasta, enquanto outros integrantes da equipe
preferiam fortalecer estruturas já existentes ou vincular o órgão diretamente à
Presidência.
Naquele período, a ideia era a de que o órgão
atuasse em negociações diplomáticas. Já em junho de 2023, cogitou-se também a
regulação do mercado de carbono, pauta de interesse da iniciativa privada que
encontraria guarida no Legislativo.
O Planalto, àquela altura, havia sofrido
derrotas em projetos ambientais no Congresso, e a nova atribuição da autoridade
seria uma forma de angariar apoio entre parlamentares. Nada de concreto
aconteceu, entretanto.
Em entrevista ao jornal O Globo no último
domingo (22), o ministro da Casa Civil, Rui Costa,
deu ideia do nível dos desencontros no governo em torno do assunto, ao afirmar
que o primeiro texto detalhando as atribuições do novo órgão só chegara a suas
mãos poucos dias antes. Já a pasta de Marina considera que
sua proposta está amadurecida.
O fato visível é que Lula não sabia ao certo
o que estava anunciando há três semanas —pois nem seus auxiliares dispõem de um
plano consensual. Tratava-se tão somente de uma reação apressada e improvisada
à devastação provocada pelo fogo.
A demonstração de falta de convicção na
administração petista tende a tornar ainda mais difícil a tarefa de convencer a
sociedade e, em particular, o Congresso da utilidade da nova estrutura.
Só o que fica claro é como o governo tem dificuldades para oferecer respostas convincentes em área tão crucial para seu sucesso.
Um estranho conceito de civilização
O Estado de S. Paulo
Barroso nos informa que a missão do Supremo é
‘recivilizar’ o País. De que ‘civilização’ se trata quando ministros favorecem
corruptos confessos e emasculam lei que moraliza estatais?
A defesa da supremacia da Constituição parece
ser incumbência menor para o egrégio Supremo Tribunal Federal (STF). O destino
da Corte seria “recivilizar” o Brasil – nada menos. Assim entende o seu
ministro presidente, Luís Roberto Barroso, que em entrevista ao jornal Valor afirmou
que a “total recivilização do País” é o “legado institucional” que ele pretende
deixar ao transmitir o cargo a seu provável sucessor, o ministro Edson Fachin.
Em primeiro lugar, é incontornável observar
que só precisa ser “recivilizada”, por óbvio, uma horda de bárbaros, o que nem
de longe retrata a Nação brasileira. Só esse pequeno lapso, digamos assim,
basta para expor o grau de alheamento da realidade e de afetação intelectual,
quando não autoritária, que tem comprometido a legitimidade de não poucas
decisões dos ministros do STF nos últimos anos.
Dito isso, não é de hoje que Barroso tem essa
compreensão grandiloquente do que seria a missão precípua da Corte. Em 2017, o
ministro afirmou durante uma aula magna que, “a serviço da causa da
humanidade”, seria papel do STF “empurrar a história”, que, em sua visão, ora
“anda rápido”, ora “anda devagar”. Um ano depois, com o mesmo espírito
messiânico, o sr. Barroso ainda escreveria o célebre artigo no qual defendeu o
“papel iluminista” do Supremo.
Vistas em retrospecto, ambas as manifestações
do hoje presidente do STF soam como premonições da miríade de abusos e
extrapolações de prerrogativas que seriam cometidos por ministros da Corte nos
últimos anos a pretexto da tal “recivilização” do País. É o caso de perguntar:
se é missão do STF civilizar a sociedade, qual será, afinal, o padrão
civilizatório que vai iluminar o caminho da Nação desde Brasília até o seu
inexorável encontro com a bem-aventurança?
É de civilização que estamos tratando quando
o ministro Dias Toffoli faz pouco-caso do bom Direito e da inteligência alheia
ao apagar os fatos, sozinho, em sua autoatribuída missão de reescrever a
história da Lava Jato? E pior, usando como base desse misto de revisionismo e
penitência perante Lula um conjunto de provas absolutamente ilegais, obtidas
por meio da ação insidiosa de um hacker. Será esse o diapasão iluminista do
STF, sinalizar à sociedade que corromper e ser corrompido, ao preço de poucos
anos de dissabores e ostracismo, compensa neste País?
Foi isso o que Toffoli indicou, mais uma vez,
quando exonerou o notório empreiteiro Léo Pinheiro de todas as condenações por
crimes que ele confessou em acordo de colaboração firmado com o grupo de
trabalho da Lava Jato no âmbito da Procuradoria-Geral da República (PGR). No
afã de se apaziguar com Lula, Toffoli não teve o cuidado de observar que Léo
Pinheiro jamais poderia ser “vítima” de “conluio” entre o então juiz Sergio
Moro e a força-tarefa de Curitiba porque seu acordo de colaboração foi firmado,
em 2019, sob os auspícios de Raquel Dodge, então à frente da PGR, sendo
homologado meses depois pelo ministro Edson Fachin.
Mas sigamos. É de civilização que estávamos
tratando quando Ricardo Lewandowski, então ministro do STF, obliterou o
trabalho do Congresso que resultou na Lei das Estatais, e isso para atender aos
interesses de um governo do qual ele logo faria parte? Civilizar o País, por
acaso, é fazer letra morta da lei que moralizou a gestão de empresas como a
Petrobras após a razia promovida pelos governos lulopetistas, seja por má
gestão, seja pelo enriquecimento ilícito dos criminosos apanhados pela Lava
Jato?
É de civilização que estamos tratando quando
ministros do STF viajam mundo afora às expensas de indivíduos e empresas que
têm seus interesses diretos em jogo na Corte? Com notável arrogância, Barroso
desdenhou da necessidade de um código de conduta para ele e seus pares, pois já
há a Lei Orgânica da Magistratura – uma lei que muitas vezes os próprios
ministros não cumprem – e o controle da TV Justiça, como se os casos de
conflito de interesses se estabelecessem diante das câmeras.
Diz-se com razão que o STF carece de
autocontenção. Antes a Corte carecesse só disso.
Papelão do Brasil na ONU
O Estado de S. Paulo
Arrastado pelos ressentimentos antiocidentais
de seu presidente, o Brasil abandona sua independência diplomática e seus
valores democráticos para se alinhar ao eixo liderado por China, Rússia e Irã
Sob o governo Lula, o Brasil abandonou
quaisquer vestígios de independência na polarização geopolítica entre o eixo
autocrático sino-russo-iraniano e as democracias ocidentais. A Assembleia Geral
da ONU explicitou esse alinhamento. Sua imagem mais reveladora foi o boicote da
delegação brasileira ao discurso do premiê israelense, Benjamin Netanyahu.
Enquanto isso, diplomatas brasileiros persuadiam países do “Sul Global” a
apoiarem a proposta da China para a guerra na Ucrânia, que na prática equivale
à rendição de Kiev aos agressores russos.
No discurso que a comitiva brasileira não
ouviu, Netanyahu pode ser criticado por mais uma vez se esquivar de uma
estratégia política para o futuro das relações entre Israel e Palestina. Dito
isso, Israel vem sendo reprovado por “escalar” os conflitos no Oriente Médio,
mas a escalada começou há um ano, com o ataque do Hamas a Israel. Ato contínuo,
outros grupos patrocinados pelo Irã iniciaram agressões, listadas por
Netanyahu: mais de 8 mil foguetes lançados pelo Hezbollah, centenas de ataques
com drones dos houthis do Iêmen, dezenas de ataques das milícias xiitas da
Síria e Iraque, além das centenas de drones e mísseis lançados pelo próprio
Irã. Ainda há mais de 100 reféns israelenses cativos do Hamas e mais de 60 mil
israelenses evacuados em razão das agressões do Hezbollah.
Israel pode ter cometido excessos e crimes,
mas sua guerra é de defesa. Teerã e seus associados terroristas são uma ameaça
não só para Israel, mas para as nações sunitas e as democracias do mundo. Ao
retaliar suas agressões, Israel pode ter empregado meios eventualmente
injustos, mas sua guerra, no geral, é justa. A guerra de agressão da Rússia,
por outro lado, é injusta.
Mas o Brasil não protestou contra o discurso
do presidente iraniano. Pelo contrário, na posse daquele presidente, o vice
brasileiro, Geraldo Alckmin, foi brindado com um posto de “honra” ao lado de
líderes terroristas do Hamas, do Hezbollah, da Jihad Islâmica e dos houthis.
Tampouco o chanceler russo foi alvo de qualquer protesto na ONU, mesmo quando
voltou a ameaçar o mundo com um conflito nuclear.
No afã de se justificar, o próprio presidente
Lula da Silva lançou mão de falsidades factuais, afirmando que Netanyahu e
Vladimir Putin foram condenados pelo Tribunal Penal Internacional (TPI).
Mentira: a Corte emitiu ordem de prisão contra Putin pelo sequestro de crianças
ucranianas, entre outros crimes; Netanyahu foi indiciado por acusações ainda
não julgadas.
A falsa equivalência salta aos olhos ante o
tratamento seletivo de Lula. Desde que Lula foi reprovado pelo governo
israelense por comparar as operações em Gaza ao Holocausto, o Brasil deslocou
seu embaixador em Israel e adia sine die a indicação de outro, o que
equivale a um rompimento diplomático de facto. Já com Moscou mantém
intensas conversações e trabalha para ampliar a importação de insumos russos.
Lula chegou a dizer que ignoraria o TPI e que Putin poderia visitar o Brasil
impunemente. Advertido de que isso violaria a Constituição, recuou, mas encaminhou
uma carta à ONU buscando imunidade para Putin.
Os mesmos pesos e medidas valem na América do
Sul. Pretextando ofensas pessoais, Lula se recusa a conversar com o presidente
da Argentina – principal parceira comercial e geopolítica do Brasil na região.
Mas quando se trata do peão sino-russo, a Venezuela, mesmo com os calotes,
descumprimentos de pactos patrocinados pelo Brasil, ameaças de invasão a um
vizinho, o roubo das eleições, a criminalização da oposição e até as chacotas
de Nicolás Maduro com o próprio Lula, o presidente continua a sustentar a perspectiva
farsesca de mediar negociações entre governo e oposição. A Venezuela não foi
citada uma só vez por Lula na ONU.
O Brasil não precisaria se alinhar aos
objetivos geoestratégicos de Pequim para continuar exportando commodities para
a China. Mas o rancor antiocidental de Lula não só solapa valores comuns e
desmoraliza a diplomacia brasileira, como põe em risco a importação de
tecnologias críticas, a começar pelas que sustentam o arsenal militar nacional.
Não há pragmatismo que justifique esse alinhamento. É pura ideologia, e da pior
qualidade.
A Telebras no Brasil que ‘voltou’
O Estado de S. Paulo
Governo Lula descumpre regra de extinção de
cargos para favorecer aliados do Centrão
Em benefício de aliados do Centrão, o governo
Lula da Silva descumpriu, pela segunda vez, uma regra para a extinção de cargos
na Telebras. Até julho deste ano, a empresa deveria ter reduzido de 56 para 31
o número de postos comissionados, mas, com o aval do Ministério da Gestão e da
Inovação em Serviços Públicos, comandado por Esther Dweck, a companhia foi
autorizada a estender esse cabide de empregos, cumprindo a vocação das estatais
sob o lulopetismo.
Uma nota técnica do governo Michel Temer, de
2017, previa a redução gradual do loteamento político da Telebras. Na época, a
estatal mantinha 76 cargos comissionados e foi estabelecido então um cronograma
de diminuição desses postos para 26 até julho de 2020. Na gestão Jair
Bolsonaro, a empresa chegou a reduzi-los para 51, em 2019, mas depois pediu
para adiar a meta final para 2023 porque a empresa fora incluída no Programa
Nacional de Desestatização.
No governo Lula da Silva, além de sair do
programa de privatização, a estatal ganhou mais cargos e pediu mais tempo para
fazer os cortes, até o próximo ano. Foi prontamente atendida pela pasta de
Dweck. A intenção é dar a esse projeto ares de eficiência, o que não resiste
assim que se conhecem os detalhes. Segundo a Telebras, o pedido para manter os
cargos de indicação política faz parte de uma “reestruturação estratégica” e,
nas palavras da estatal, “esse processo de médio a longo prazo visa aumentar as
receitas e melhorar a prestação de serviços públicos, especialmente para
promover a inclusão digital”.
Ao Ministério da Gestão, a empresa afirmou
que incorporou novas atribuições e, por isso, precisa “contratar profissionais
com perfis e conhecimentos técnicos muito específicos”. Como mostrou reportagem
do Estadão, nada corrobora esse argumento. Ao contrário.
Ocupam esses cargos um sobrinho do ministro
do Turismo, Celso Sabino, e amigos, parentes e outras pessoas ligadas ao União
Brasil, partido do ministro das Comunicações, Juscelino Filho, pasta à qual a
Telebras está vinculada. Juscelino, vale lembrar, foi indiciado sob suspeitas
de irregularidades no uso de emendas parlamentares na Companhia de
Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), conhecida
como a estatal do Centrão. Esse grupo político do Congresso parece ter ganhado
outra estatal para apaniguados.
Recentemente, Lula da Silva enalteceu a Telebras. Nas palavras do demiurgo, “a Telebras voltou, da mesma forma que eu voltei, e da mesma forma que o Brasil voltou, e ela veio para ficar”. Seja como cabides de empregos para sindicalistas e apadrinhados de políticos, seja como fontes de recursos fora do Orçamento, seja como usinas de corrupção e desvios, seja ainda como sorvedouro de dinheiro público em áreas que podem ser mais bem atendidas pela iniciativa privada a um custo bem menor, as estatais sob o lulopetismo cumprem uma dupla função: satisfazer a estatolatria do PT e saciar o apetite fisiológico do Centrão. Esse é o Brasil que, nas palavras de Lula, “voltou”.
Câncer de mama, país deve uma resposta à
altura
Correio Braziliense
É certo que, neste mês, o câncer de mama será
pauta em lugares diversos, mobilizando pacientes, profissionais de saúde e
também autoridades. Merece, portanto, uma estrutura de suporte à altura
Em cada grupo de 10 pessoas, duas terão pelo
menos um câncer durante a vida, indicam os estudos científicos recentes. Um
número expressivo desses pacientes será acometido por tumor maligno na mama. A
doença está entre os cânceres mais incidentes no mundo, perdendo apenas para o
de pulmão — 11,5% e 12,4% dos casos oncológicos em 2022, respectivamente,
segundo o Observatório Global do Câncer. O Brasil, também ocupa a segunda
colocação nos diagnósticos (10,5%), atrás do câncer de pele não melanoma
(31,3%), de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca). E, como acontece
com boa parte dos quadros de saúde complexos desse país, não é tratada como
deveria.
A falta de informação ao longo do tratamento
é uma das dificuldades enfrentadas pelas pacientes e tema da campanha que a
Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama
(Femama) conduzirá neste Outubro Rosa. Há, por exemplo, uma lista de direitos
que é desconhecida por pacientes oncológicos e não respeitada pelo poder
público. Reconstrução mamária, acesso à mamografia a partir dos 40 anos e
tratamento em até 60 dias pelo Sistema Único de Saúde (SUS) estão entre os
procedimentos previstos em lei, mas que não fazem parte da realidade e do
repertório de muitas brasileiras.
Dados mais atualizados do Ministério da Saúde
indicam que, em 2022, mais da metade dos casos de câncer de mama, 56,3%,
começou a ser tratada depois de 60 dias do diagnóstico, desobedecendo à Lei nº
12.732 de 2012. A porcentagem praticamente se manteve de 2019 a 2022, revelando
uma desassistência sistêmica com uma condição de ameaça à vida e cujo
agravamento também tem impactos nos cofres públicos. Levantamento da Fiocruz
indica que os gastos com tratamentos oncológicos no SUS somaram R$ 4 bilhões em
2002, 14% a mais do que em 2020.
Quanto à realização de mamografias, a
cobertura no país é de cerca de 20% do público-alvo, muito abaixo dos 70%
recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), segundo a Sociedade
Brasileira de Mastologia (SBM). Entidades ligadas à doença alertam que a média
é menor entre mulheres jovens, e esse cenário desperta ainda mais preocupação
porque o país enfrenta um aumento de casos da doença antes dos 50 anos. A SBM
calcula que a incidência atual de câncer de mama em pessoas com menos de 35
anos é de 5%. Durante muito tempo, foi de 2%.
Entra aí um outro ponto em que se perde a
oportunidade de preservar vidas e melhorar o uso do capital público. Os casos
precoces da doença estão relacionados principalmente ao estilo de vida —
portanto, podem ser evitados ou melhor manejados. O sedentarismo é um deles,
assim como a redução no número de filhos e a gestação tardia. Bem orientadas,
mulheres com perfis mais vulneráveis tendem a adotar hábitos que reduzam o
risco de ocorrência da doença.
Não se trata de individualizar a
responsabilidade pelo enfrentamento do câncer. Ao contrário, a educação em
saúde precisa caminhar com uma estrutura institucional que responda às demandas
apresentadas pelos indivíduos. Há de se ter assistência pública que auxilie a
perda de peso, o controle da dependência química e que, na outra ponta, atenda
à mulher que reivindica o seu direito de uma cirurgia para a reconstrução da
mama — mais de 20 mil estão na fila de espera pelo procedimento no SUS, mostra
o último levantamento do governo.
Vale lembrar que a realidade também é
dificultosa para usuárias do sistema privado de saúde. Basta lembrar a recente
onda de rescisões unilaterais de contratos que prejudicou clientes idosos,
faixa etária com alta incidência de tumores. A prática das operadoras mobilizou
o Congresso, que promete votar novas regras para o setor ainda neste semestre.
É certo que, neste mês, o câncer de mama será pauta em lugares diversos, mobilizando pacientes, profissionais de saúde e também autoridades. Prédios, inclusive os públicos, serão pintados de rosa para ressaltar a importância de melhorar o combate à doença. Não há dúvidas de que se trata de um grande desafio de saúde pública. Merece, portanto, uma estrutura de suporte à altura.
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