terça-feira, 1 de outubro de 2024

Joel Pinheiro da Fonseca - O 'jogo do tigrinho' eleitoral

Folha de S. Paulo

Em meio a mentiras, sobra pouco espaço para Marçal falar da cidade

Numa eleição marcada por insultos e trocas de acusações, alguns se sobressaem como especialmente precisos. É o caso da comparação que Tabata Amaral lançou sobre Pablo Marçal: ele é o "jogo do tigrinho" da eleição.

Para quem não sabe, o "jogo do tigrinho" é um jogo de azar eletrônico que promete altas recompensas em dinheiro, mas que na verdade é programado para arrancar o máximo possível do jogador.

Todos os sinais apontam que é uma furada: por que uma empresa daria dinheiro fácil assim? É óbvio que ela vive de tirar dinheiro de quem é tolo o bastante para acreditar na promessa. O influenciador que te garante que o jogo paga bem recebe altas cifras para fazer esta propaganda —o jogo paga bem a ele! Todo mundo sabe disso. E, no entanto, o jogador acredita e aposta. Nas condições certas, o salto de fé parece uma chance de salvação. O resultado é previsível.

O estado mental para acreditar em Marçal como prefeito é o mesmo que nos faz acreditar no "jogo do tigrinho" como opção de investimento. O que Marçal traz à campanha para nos persuadir de que seria um bom prefeito? Sempre que pode, mostra que conhece muito pouco da cidade e de seus problemas. Suas soluções —como o prédio de 1 km de altura e o teleférico como solução do transporte— se desmontam em dois segundos de questionamento. E ele próprio mal fala delas: na maior parte do tempo, o que vem dele é uma série de acusações, bravatas e baixarias. Entre chamar Boulos de cheirador de cocaína, dizer que Tabata teria abandonado o pai e a carta que Trump teria mandado em seu apoio —tudo mentira—, sobra pouco espaço para falar da cidade.

Resta a fé no sucesso. Não tenho nada contra ela. Pelo contrário: sem uma boa dose de fé, não se realiza nada. O problema é que, sozinha, não basta. A diferença da trajetória profissional de Marçal e Tabata, aliás, ilustra essa questão. Ambos podem ser vistos como candidatos que representam o poder do mérito individual em chegar longe. Ela, por meio da educação e do trabalho; ele, por meio da habilidade de vender a si mesmo.

Tabata sempre enfatiza que seu sucesso não se deve ao mérito individual, mas a todas as chances que teve ao longo dos anos. Claro que sua dedicação também foi essencial, mas ela própria revela o entendimento de que, para que uma sociedade toda melhore, não basta que cada um de seus membros "acredite em si mesmo" e que o Estado "saia do caminho". É preciso inteligência, trabalho e políticas bem pensadas. Fazer guerra verbal aos "comunistas" e ter fé no próprio taco não resolve nada disso.

Marçal também é um caso de sucesso individual vindo de baixo. Não, contudo, pelo caminho mais longo da educação, e sim pela venda de si e da projeção do próprio sucesso a um público ávido por ser como ele. Basta acreditar e se colocar do lado do bem que a realidade magicamente se submeterá à fé. Conhecimento, experiência, técnica não são necessários. É preciso um time de motivados pela sua própria crença no sucesso. O tigrinho abrirá o pote de ouro para você.

Sim, o sistema bancário é cheio de problemas e merece muitas críticas; nem por isso as promessas de dinheiro fácil que chegam pelas redes sociais são uma alternativa melhor. Idem para a política.

 

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