Endurecer pena de crimes ambientais é necessário
O Globo
Congresso manifestará independência se
aprovar projeto do governo. Mas isso não bastará para deter queimadas
Depois da onda de incêndios florestais por
quase todo o Brasil neste ano, o governo faz bem em tentar endurecer a punição
para os crimes ambientais. O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva encaminhou ao Congresso um projeto que aumenta a pena máxima para quem
atear fogo em florestas de quatro para seis anos e prevê que os condenados
comecem a cumpri-la em regime fechado. A proposta deverá ter tramitação rápida
por ser incorporada a um projeto do senador Davi
Alcolumbre (União-AP), já aprovado no Senado e em discussão na
Câmara, sob relatoria do deputado Patrus Ananias (PT-MG).
O texto em discussão reúne contribuições de outros 42 projetos sobre o tema. A estratégia tem a intenção de acelerar a tramitação e reduzir as resistências (só o União, de Alcolumbre, conta com 59 deputados). É comum que as pautas ambientais empaquem nos labirintos do Congresso por pressão da bancada ruralista (costumam ser mais bem-sucedidas as propostas que flexibilizam a legislação ambiental). Desta vez, os parlamentares — que conviveram de perto com as nuvens de fumaça sobre Brasília — têm uma oportunidade de demonstrar independência dos grupos de interesse.
Qualquer iniciativa para deter o avanço das
queimadas é bem-vinda. Mesmo considerando a seca severa que atinge o país, os
números são assustadores. Até ontem, o Brasil havia somado 228.205 focos de
incêndio, 74% acima do registrado no mesmo período do ano passado (131.328). As
queimadas não se resumem a um problema ambiental. Degradam o ar das cidades,
mesmo as distantes dos focos, agravando problemas respiratórios da população e
causando transtornos para o tráfego nas estradas e o funcionamento de aeroportos.
Para não falar na emissão de gases que contribuem para agravar o aquecimento
global.
O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, tem
dito que quase todos os incêndios são criminosos. A vegetação seca cria
condições favoráveis à expansão do fogo, mas alguém risca o fósforo. Diante do
caos, os governos têm se mostrado despreparados. Tanto para conter os incêndios
— faltam brigadas e aeronaves — quanto para impedir que eles aconteçam. A
estratégia mais eficiente tem sido esperar pela chuva.
É óbvio que a fiscalização tem sido ineficaz,
do contrário as chamas não teriam se espalhado pelo país com tamanha
facilidade. Embora as autoridades investiguem casos suspeitos de incêndios
criminosos, raramente alguém vai para a cadeia. Reportagem
do GLOBO mostrou que, no fim do mês passado, o país registrava apenas 374
presos por crimes ambientais. Mesmo quando alguém é punido, as
penas costumam ser inferiores a três anos. Queima-se a floresta e paga-se uma
cesta básica como punição.
Aumentar as penas para crimes ambientais pode
dar a impressão de que Executivo e Legislativo estão agindo. Mas apenas uma lei
mais rígida não deterá as queimadas se a iniciativa não for acompanhada de
outras ações. O aumento de pena desencoraja o crime, mas, por si só, não evita
que infratores toquem fogo na vegetação. O governo precisa se empenhar para
impedir que o incêndio comece. Isso se faz com mapeamento, tecnologia, melhoria
da fiscalização e articulação com governos estaduais. Aplicar a pena a quem degrada
o meio ambiente é
essencial, mas é bom lembrar que, quando isso acontece, o fogo já consumiu a
mata.
Fracasso do Mais Médicos explica falta de
profissionais onde há necessidade
O Globo
É decepcionante que políticas para levar
medicina a todo o país não sejam avaliadas e aperfeiçoadas
Onze anos depois da criação do programa Mais
Médicos, implantado no governo petista de Dilma Rousseff com o objetivo de
levá-los a regiões onde eram escassos, o Brasil ainda enfrenta o problema. Um
levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) demonstra progressos tímidos
na distribuição dos profissionais, apesar do aumento significativo no total de
médicos. Há excesso nalgumas regiões, carências noutras.
À primeira vista, a situação melhorou. O
total de médicos no Brasil quase dobrou desde 2010 (de 304.406 para 575.930).
Mas basta olhar os dados com atenção para perceber que a melhora aparente
esconde distorções. É só analisar a taxa de médicos por mil habitantes.
No Maranhão,
que apresenta o pior cenário, ela é de 1,25. No Distrito Federal, cinco vezes
maior. Chega a 6,31, superando países como Estados Unidos (2,7), Japão e Coreia
do Sul (2,6).
Os médicos continuam a priorizar o trabalho
nos grandes centros, onde salários e perspectivas de carreira são mais
atraentes. As capitais, que reúnem 23% da população, concentram 52% dos
médicos. Em Roraima, 97% dos médicos estão fincados na capital, Boa Vista. A
disparidade regional também é flagrante. O Sudeste, onde vive 41,7% da
população, abriga 51% dos profissionais. O Norte, onde estão 8,6% dos
brasileiros, apenas 4,9%.
É verdade que houve progresso, mesmo nos
estados com escassez. No Piauí, os médicos aumentaram 158%. Em 13 das 27
unidades da federação, o crescimento desde 2010 foi de mais que o dobro. Mas a
desigualdade precisa ser enfrentada. Mesmo com universidades formando médicos
em abundância, a taxa de profissionais por mil habitantes no Brasil (2,8) ainda
não alcança a média dos países da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 3,7.
Distribuir melhor os médicos pelo país é
importante, porque a medicina à distância, cada vez mais usada para contornar o
problema, é incapaz de suprir as deficiências, que se refletem nos indicadores
de saúde. Em regiões remotas, nem dá para usar a tecnologia.
O Mais Médicos poderia ter atenuado as
discrepâncias, levando profissionais a cidades onde são mais necessários, mas o
resultado foi frustrante. Na primeira versão, contaminado pelo uso político,
priorizou a contratação de profissionais cubanos por meio de um acordo com a
ditadura amiga. Na gestão Jair Bolsonaro, o governo cubano suspendeu o acordo
unilateralmente e chamou os médicos de volta. No atual governo, o programa foi
reformulado, reunido cerca de 25 mil profissionais, a maioria brasileiros. Não
se sabe até que ponto cumpre seus objetivos.
É decepcionante que falte avaliação decente
das políticas públicas para saber o que fazer. Tentou-se a experiência com
médicos importados e não deu certo, mas pouco se fez para aperfeiçoá-la. No
caso da educação, pelo menos há exemplos de sucesso a seguir, como o Ceará,
onde as políticas adotadas por diversos governos proporcionaram resultados
auspiciosos. E na saúde?
FMI lembra que dívida alta reduz capacidade
de reação a crises
Valor Econômico
O alerta serve bem ao Brasil, cujo
endividamento bruto é um dos maiores entre os emergentes, atrás apenas de
China, Egito e Ucrânia
Nas vésperas de sua reunião anual, o Fundo
Monetário Internacional (FMI) advertiu que o endividamento dos países está
muito alto, atingirá US$ 100 trilhões em 2024 - 95% do PIB mundial - e precisa
ser reduzido logo, para que os governos não sejam surpreendidos sem defesas por
novas crises, que podem ser deslanchadas por problemas fiscais. O Fundo vê a
necessidade de um esforço de contenção dos déficits maior do que o previsto,
enquanto a estabilização dos débitos como proporção do PIB deva ocorrer em 2029.
O alerta serve bem ao Brasil, cujo endividamento bruto é um dos maiores entre
os emergentes, atrás apenas de China, Egito e Ucrânia.
A situação fiscal global é mais
desconfortável do que as estatísticas mostram. As dívidas somarão 100% do PIB
global em 2030 em condições normais, mas em cenários muito adversos poderão
subir 20 pontos percentuais mais. Esses cálculos ainda não contam toda a
história, pois desconsideram tendências que tendem a predominar, como aumento
de custos decorrentes da transição verde, dos gastos com defesa (no caso, em
países que se envolvem ou têm interesses diretos nos conflitos geopolíticos no
Oriente Médio e Europa), dos custos dos bens industriais, pela clivagem
política entre Estados Unidos e China (e blocos antagônicos respectivos), e do
envelhecimento da população.
A espiral ascendente de gastos afetará todos
os países, sem distinção, e esses é um dos maiores desafios globais. As
mudanças climáticas ganharam mais intensidade quando as nações estão muito mais
endividadas do que estavam quando eclodiu a crise financeira global de 2008.
Mas o endividamento, que precisa ser combatido, não parece ser uma urgência
para 60% dos países pesquisados pelo FMI, a maioria deles emergentes, que estão
postergando o ajuste fiscal. Nos cálculos do Fundo, atrasar medidas nessa direção
aumenta seu custo à razão de 0,2% do PIB por ano.
A importância de conter gastos e reduzir a
espiral de dívidas é óbvia para os países que almejam o crescimento
sustentável. Dívidas muito altas, lembram os economistas do Fundo, reduzem a
capacidade de reação fiscal dos governos quando surgirem situações adversas na
economia, que são relativamente imprevisíveis. Tornam ainda mais difícil ou
muito mais custoso colocar em prática, diante de recessões ou tombos rápidos da
economia, uma política de gastos anticíclica. Além disso, drenam recursos dos
investimentos, um dos principais propulsores de crescimento e do aumento geral
da produtividade.
O novo regime fiscal no Brasil definiu
aumento de gastos em todas as circunstâncias, sob o argumento de que o
mecanismo é importante para se contrapor aos ciclos de baixa da economia se
retrai. Com o novo regime, no entanto, as dívidas bruta e líquida estão subindo
muito além do previsto, ameaçam não se estabilizar no médio prazo, como
prometido, e corroem o seguro que o regime em tese daria para uma reação fiscal
em momentos difíceis.
Da mesma forma, países altamente endividados
estão mais vulneráveis a crises externas. O Brasil está bem protegido por uma
montanha de reservas de US$ 365 bilhões, mas não é invulnerável. O FMI
registrou que fatores globais explicaram, nas últimas duas décadas, mais de
metade das flutuações dos rendimentos dos títulos soberanos emitidos em dólar
por países emergentes e, também, mais de 30% dos retornos em títulos emitidos
nas moedas locais. Dessa forma, a gangorra das bolsas americanas, o menor
crescimento da China, os efeitos da guerra do Oriente Médio sobre o petróleo
têm mais peso no custo da dívida interna brasileira do que teriam caso o país
estivesse com a situação fiscal em ordem e o endividamento se encaminhando para
a redução.
O FMI ficou conhecido até a crise financeira
de 2008 por uma intransigência maior nos ajustes econômicos dos países aos
quais empresta dinheiro. Mudou de posição e se tornou mais realista. Para os
países com dívidas em ascensão, como o Brasil, o Fundo recomenda um ajuste bem
planejado que envolva tanto receitas e despesas e que mitigue os impactos
negativos de um ajuste sobre as atividades econômicas, como o aumento da
desigualdade social dele decorrente. “O ritmo desse ajuste precisa atingir um
equilíbrio entre os riscos fiscais e o vigor da demanda privada”, aponta o FMI
em um dos capítulos do Monitor Fiscal.
O acerto fiscal precisa ser “decisivo,
deliberado e bem desenhado”, para o FMI. Ele não deve ser adiado sob pena de se
tornar mais caro e arriscado. Entre as poucas sugestões específicas, recomenda
ao Brasil que realize reformas que eliminem a forte rigidez orçamentária, que
impede a realocação de despesas para onde são mais necessárias - um diagnóstico
também unânime domesticamente - e racionalize gastos e isenções tributárias,
que liberariam recursos para gastos prioritários e programas sociais contra a pobreza.
A iniciativa de levar o controle de despesas “a sério”, como afirmou Simone
Tebet, ministra do Planejamento, e apresentar um pacote de medidas para fazer
com que o regime fiscal seja eficaz nessa direção é inadiável.
Voto deveria ser opcional, mesmo com
abstenção maior
Folha de S. Paulo
Datafolha mostra que 34% não compareceriam às
urnas, se não fosse obrigatório; sufrágio facultativo respeita liberdades
Segundo o Datafolha, 34% dos
brasileiros deixariam de votar caso o comparecimento não fosse
obrigatório e 65% iriam de qualquer modo.
Perguntas hipotéticas devem ser sempre
recebidas com cautela. O que os entrevistados dizem que fariam numa situação
irreal nem sempre corresponde ao que eles se dispõem a fazer quando tal cenário
se materializa.
Não há dúvida, porém, de que as abstenções
aumentariam na hipótese de o sufrágio deixar de ser compulsório. Foi o que se
viu nos países que abandonaram a obrigatoriedade. Um caso emblemático é o
da Holanda,
que tornou o voto facultativo em 1967 e viu o comparecimento cair da casa dos
95% para os 80%.
O Datafolha também mostrou que as taxas de
abstenção seriam maiores entre eleitores pretos (42%), de escolaridade média
(40%), moradores das regiões Centro-Oeste e Norte (40%), mais pobres (39%) e na
faixa etária entre 25 e 34 anos (39%).
Os dados estão em linha com o que se observa
em nações onde o voto é opcional. Em geral, é o estrato mais pobre e
discriminada que deixa de frequentar as urnas.
Essa é uma das razões por que alguns
especialistas defendem a manutenção da obrigatoriedade. Seria uma forma de
reduzir a marginalização daqueles que já são marginalizados.
É um argumento ponderável, mas nem de longe
decisivo. Esta Folha defende há
bastante tempo que o sufrágio seja facultativo, como ocorre na
esmagadora maioria das democracias.
Trata-se de uma questão lógica. Não faz
sentido dar ao cidadão a liberdade de escolher quem vai conduzir a nação e
escrever suas leis, mas suprimir-lhe o direito básico de decidir se votará.
A compulsoriedade tem ainda viés autoritário.
Regimes que prezam pelas liberdades não impõem nada que não seja absolutamente
indispensável para a vida em sociedade, e o voto individual não está nessa
categoria. O vitorioso de um pleito ao qual acorreram 90% dos cidadãos não é
mais legítimo do que o de um ao qual compareceram 70%.
É verdade que, no Brasil, o termo
"obrigatoriedade" é relativo. Embora as sanções para os faltosos
sejam rigorosas, como impossibilidade de tirar passaporte,
matricular-se em instituição de ensino oficial e até receber salário,
no caso de servidores públicos, na prática o tratamento é bem mais brando.
Aqueles que deixam de votar ou de justificar
a ausência precisam apenas pagar uma multa de R$ 3,51 por turno perdido.
Ademais, se no passado era trabalhoso ir até
o cartório eleitoral e quitar os débitos em bancos, hoje, dado o
desenvolvimento tecnológico, é possível fazer tudo isso sem sair de casa.
Dependendo da distância e do transporte utilizado, não votar pode custar menos
do que votar.
O eleitor já se deu conta disso e as taxas de
absenteísmo subiram em relação às verificadas no século passado. O risco, nesse
caso, é o de desmoralização da lei.
Plano ucraniano para a vitória soa
inconvincente
Folha de S. Paulo
Enquanto forças russas avançam ao leste do
país invadido, ideias de Zelenski são vistas com desconfiança até por aliados
"Este plano pode ser implementado. Ele
depende dos nossos parceiros. Eu enfatizo: dos parceiros", disse Volodimir
Zelenski ao Parlamento da Ucrânia nesta
quarta-feira (16).
A aparente fadiga do presidente da nação
invadida em 2022 pela Rússia de
Valdimir Putin contrastava com a esperança vendida ao apresentar, após meses de
expectativa, o que
chamou de forma triunfal de plano para a vitória.
Zelenski quer a Ucrânia convidada para
a Otan,
a aliança militar ocidental, e mais armas. Apresenta seu país como base para a
instalação de forças de dissuasão não nucleares. Pede investimentos em troca de
recursos naturais.
Por fim, num delírio de grandeza, Zelenski
ofereceu seu Exército para substituir forças americanas na Europa,
na esperança de que isso vá comover um eventual
presidente Donald Trump, crítico ácido da Otan.
As ideias foram recebidas com frieza, por
inexequíveis ou por criarem riscos de uma guerra global. O novo
secretário-geral da Otan, o holandês Mark Rutte, apenas disse que não
concordava com a totalidade do plano, mas que iria debatê-lo.
Zelenski está em apuros. Sua contraofensiva
de 2023 fracassou e ele viu Putin retomar a iniciativa, ameaçando o restante do
leste ucraniano que ainda não domina.
Kiev ganhou armas, mas não têm autorização
para usá-las contra alvos dentro da Rússia. O presidente tentou um golpe ao
humilhar Putin com a tomada de um pedaço de Kursk, no sul russo —e, além de
inócua, a ação só fez Moscou congelar conversas sobre paz. Pior, o ataque
desviou recursos defensivos preciosos.
O autocrata russo redobrou a violência dos
bombardeios, tendo degradado mais de dois terços da capacidade energética
ucraniana às vésperas do inverno. Se não tem como tomar todo o país, é certo
que hoje está vencendo e cristalizando sua posição.
Para os parceiros de Zelenski, o bolso pesa.
Até 31 de agosto, estima-se que o Ocidente tenha destinado R$ 1,5 trilhão para
apoio militar e financeiro a Kiev, R$ 350 bilhões somente em armas dos Estados
Unidos. Isso equivale a mais de dez vezes o gasto militar brasileiro
em um ano.
A indefinição do pleito americano, no qual
uma vitória de Trump favorecerá Putin, é outro fator de desânimo. O russo
também poderá, com ajuda de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT),
mostrar que não está isolado como anfitrião da reunião dos Brics marcada
para a semana que vem.
Sobre o plano de Zelenski, o Kremlin disse que Kiev precisa "cair na real". A despeito da empáfia, o conselho parece realista.
Falta convencer o chefe
O Estado de S. Paulo
Equipe econômica alinha o discurso em defesa
do equilíbrio fiscal e da redução estrutural de gastos para recuperar o grau de
investimento, mas Lula da Silva continua a defender o oposto
A ministra do Planejamento, Simone Tebet,
disse que chegou a hora de o governo “levar a sério” a revisão estrutural dos
gastos públicos. Em entrevista ao jornal O Globo, Tebet reconheceu que a
agenda de recuperação de receitas da equipe econômica chegou a um limite e que
o desequilíbrio fiscal do Orçamento não será resolvido somente pela ótica da
arrecadação. “Já foi o momento de combater fraudes e erros, agora é hora de
fazer revisão estrutural”, afirmou.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
admitiu que o problema é premente e precisa ser enfrentado com urgência. Em
entrevista à Folha de S.Paulo, ele disse que medidas criadas com
finalidades eleitorais, em especial durante o governo Jair Bolsonaro, se
tornaram uma “batata quente” que precisa ser resolvida pela administração
atual.
As declarações, ainda que evasivas, trazem um
certo alento. Felizmente, há no governo quem avalie as contas públicas de
maneira realista. Afinal, o País registra há dez anos um déficit entre receitas
e despesas, e, enquanto a arrecadação registrava altos e baixos, os gastos
cresciam de maneira consistente e, em muitos anos, acima da inflação.
No entanto, se algo mudou no discurso da
equipe econômica, tudo continua rigorosamente igual no governo, e o presidente
Lula da Silva não parece convencido de que isso seja um problema. Tebet disse
que uma das medidas em avaliação pode abrir um espaço fiscal de até R$ 20
bilhões, mas não revelou seu teor. Reafirmou, no entanto, que há debates
interditados pelo presidente, entre os quais mudanças na política de
valorização do salário mínimo.
Haddad, por sua vez, defendeu o arcabouço
fiscal e as medidas adotadas pelo governo, mas reconheceu que a dívida pública
continua a crescer a despeito do dispositivo, e que o mercado financeiro tem
razão ao manifestar preocupação com a dinâmica do gasto público “daqui pra
frente”.
No pacote a ser apresentado ao presidente
Lula da Silva após o segundo turno das eleições municipais, constariam medidas
para limitar os supersalários no setor público para fazer valer o teto
remuneratório, hoje em R$ 44 mil, mudanças para reduzir despesas com o
seguro-desemprego, um novo modelo para diminuir o alcance do abono salarial e a
revisão de subsídios que somam quase R$ 600 bilhões, ou 6% do Produto Interno
Bruto (PIB).
Não são ideias novas, e muitas já foram
aventadas por administrações anteriores e até mesmo por integrantes do governo
atual. Algumas têm efeito mais simbólico do que efetivo, como o fim dos
supersalários. A diferença é que, agora, Lula da Silva teria um “incentivo”
para acatá-las: sua obsessão pela retomada do grau de investimento do País
pelas agências de classificação de risco.
A nota foi conquistada em abril de 2008,
durante seu segundo mandato presidencial, e perdida em setembro de 2015, na
gestão de Dilma Rousseff, dias após o governo enviar ao Congresso uma proposta
de Orçamento com déficit primário. Recuperar o grau de investimento seria algo
que Lula da Silva gostaria de “entregar” até o fim de seu mandato, em 2026, ao
menos segundo a equipe econômica.
Na manhã de ontem, o presidente se reuniu com
representantes de bancos privados, que saíram do encontro com a impressão de
que Lula da Silva arbitrará a favor de Haddad em temas de natureza fiscal. O
problema é que, em público, ele continua a defender medidas que vão no sentido
oposto desse discurso.
Em evento no Palácio do Planalto, Lula da
Silva reafirmou que alguns gastos, em sua opinião, deveriam ser tratados como
investimentos, entre eles as despesas com saúde, educação e políticas sociais,
e classificou ainda os salários dos professores como “merreca” – declarações
que, por óbvio, valem mais do que qualquer avaliação colhida em reuniões
fechadas.
Aparentemente, os ministros Haddad e Tebet
terão de se esforçar mais para persuadir o chefe sobre a importância do
equilíbrio fiscal. Se nem em discurso o presidente consegue defender essa
ideia, fica difícil acreditar que, desta vez, as medidas de redução de gastos
serão para valer.
O ‘dedazo’ do governo no setor elétrico
O Estado de S. Paulo
Interferência do governo Lula da Silva que
propiciou ao Grupo J&F, dos irmãos Batista, vantagens na transferência de
controle da Amazonas Energia confronta a Aneel e onera consumidores
O vaivém constrangedor que desde junho cerca
a transferência de controle da Amazonas Energia teria sido evitado se o
instrumento legal da licitação tivesse sido acionado para a ineficiente e
endividada distribuidora de eletricidade. Em vez disso, o governo Lula da Silva
optou pelo método de escolher na base do dedazo o grupo empresarial
que deveria assumir o negócio e deu início a uma queda de braço com a Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que, ao que tudo indica, terminará com
todos os consumidores do País assumindo um prejuízo de até R$ 14 bilhões.
A prática de se autoconferir o poder de
arbítrio não é novidade no lulopetismo. Mas, desta vez, o déficit bilionário
acumulado pela distribuidora do Amazonas, a pouca experiência no setor de
eletricidade dos postulantes à concessão, o alto risco aos mais de 60
municípios amazonenses e, acima de tudo, a resistência da Aneel em avalizar um
negócio desprovido de exigência técnica mínima dificultaram o cumprimento do
plano desenhado pelo governo.
A empresa escolhida pelo governo, a Âmbar
Energia, controlada pela J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, esperou
até o último minuto de validade da Medida Provisória (MP) 1232, elaborada pelo
Ministério de Minas e Energia (MME), para fechar o acordo.
A MP tornou viável a transferência de
controle da distribuidora sem o ônus da dívida que ela acumula com usinas
termoelétricas da Eletrobras – que, por “mera coincidência”, como disse o
ministro Alexandre Silveira, do MME, foram compradas pela Âmbar três dias antes
da edição da MP.
Discordando das condições estabelecidas pela
Aneel, que exigiam mais aportes de capital para reduzir as dívidas, a Âmbar
chegou a anunciar desistência do negócio. No entanto, a empresa recorreu ao
Judiciário e obteve uma decisão liminar que obrigou a agência a assinar o
contrato nos termos que havia apresentado. Com o caso sub judice, restou
ao diretor-geral, Sandoval Feitosa, avalizar a transferência.
O prazo da medida provisória terminou à zero
hora de 11 de outubro, e a empresa assinou o acordo de última hora, mas
condicionou a manutenção do negócio a uma decisão judicial definitiva que
valide sua proposta ou à aprovação de seus termos por todo o colegiado da Aneel
até o fim do ano.
Tudo nessa história é muito estranho. A
deficitária Amazonas Energia, uma das seis distribuidoras federalizadas
expurgadas da Eletrobras antes da privatização da estatal, foi arrematada em
leilão em 2018, por simbólicos R$ 50 mil. Mas o consórcio que venceu a disputa,
liderado pelo Grupo Oliveira Energia, não conseguiu atingir o equilíbrio
operacional e acumulou uma dívida bilionária nos últimos meses.
Ciente do problema, a Aneel chegou a
recomendar a caducidade da concessão e a realização de uma licitação para
selecionar um novo operador. Foi quando o governo apresentou a alternativa da
MP que repassou o custo dos contratos da Amazonas Energia para as contas de luz
de todos os consumidores, e, de quebra, beneficiou o grupo dos irmãos Batista,
propiciando a eles que adquirissem uma distribuidora saneada e que recebe
energia das usinas que eles haviam acabado de adquirir.
O problema desse tipo de escolha do governo –
além, é claro, da forma opaca como a transação é feita, em detrimento dos
princípios constitucionais de impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência – é que não faltavam candidatos ao papel de beneficiário, e os não
contemplados, por óbvio, tendem a reclamar uma forma mais justa de disputar a
benesse.
Outros participantes do mercado que
disputavam as usinas da Eletrobras ficaram incomodados. É o que se pode
depreender de uma carta enviada pelo empresário Carlos Suarez ao Estadão, na
qual ele diz que sua empresa, a Termogás, assim como Eneva, Diamante e Global,
foram surpreendidas e se sentiram ludibriadas pela MP do governo que facilitou
o negócio da Âmbar e deixou clara sua preferência por um determinado grupo.
A “solução” comprova, mais uma vez, que o
apreço lulopetista aos apadrinhados que escolhe contrasta com seu descaso às
agências reguladoras e, pior, aos consumidores.
O dilema de Boulos e Lula
O Estado de S. Paulo
Adotado no ninho petista por conveniência,
psolista não atrai eleitores do presidente
Os obstáculos no caminho do candidato a
prefeito de São Paulo pelo PSOL, Guilherme Boulos, parecem gigantescos nesta
reta final da campanha municipal. Esperança do presidente Lula da Silva neste
ano, mais em razão da incapacidade do PT de oferecer um quadro competitivo e
palatável aos eleitores do que por seus méritos políticos, o psolista enfrenta
o dilema de atrair o apoio de quem há não muito tempo votou no petista,
enquanto cisca no eleitorado da direita que se mostra unido em torno de Ricardo
Nunes (MDB).
A missão do candidato linha auxiliar do
lulopetismo em São Paulo parece inglória. Ao que tudo indica, enganou-se
redondamente Lula por um dia acreditar que teria força política suficiente para
transferir por osmose seu apoio a Boulos na capital paulista simplesmente por
ter triunfado sobre Jair Bolsonaro há dois anos.
Uma recente pesquisa Datafolha mostrou que
boa parte daqueles eleitores de Lula de outrora não parece convencida dos
atributos de Boulos para administrar a metrópole. De acordo com o levantamento,
o preposto de Lula mostrou-se incapaz até aqui de conquistar as intenções de
voto de nada menos do que quase um terço dos paulistanos que optou pelo petista
na eleição presidencial passada. A pesquisa apontou que, enquanto 63% dos que
votaram em Lula em 2022 poderão dar agora um voto de confiança a Boulos, nada
menos que 31% disseram preferir Nunes. Isso significa que esses eleitores, em
que pese terem repudiado Bolsonaro há dois anos, rejeitam o comando de Lula e
repelem o baderneiro convertido a político moderado.
Recebido com desconfiança no ninho petista e
integrante de um partido, o PSOL, que se sustenta na base das pautas
identitárias, já que não tem mais nada a oferecer, Boulos ainda perdeu cerca de
48 mil votos no primeiro turno porque esse tanto de eleitores digitou 13, o
número do PT, e não 50, o número do PSOL. Ou seja, são eleitores que simpatizam
com o PT e que, na hipótese benevolente, votaram no PT por descuido, imaginando
que Boulos fosse candidato do partido de Lula, ou então, na hipótese realista,
votaram no PT porque não gostam do PSOL. Não se pode culpá-los.
Se Boulos não consegue convencer a esquerda,
que dirá a direita. Tanto é assim que a pesquisa de segundo turno enfatiza a
coesão dessa parcela da população que rejeita a esquerda. Dos eleitores de
Bolsonaro, 85% disseram que vão votar em Nunes, e apenas 4% afirmaram que
poderão optar pelo psolista.
Nada garante, portanto, que a insistência de
Boulos na polarização, uma eventual maior participação de Lula na campanha, as
piscadelas aos eleitores de Tabata Amaral (PSB) ou Pablo Marçal (PRTB) – com a
adesão a propostas voltadas ao empreendedorismo – e os ataques pessoais a Nunes
serão capazes de impulsionar o esquerdista.
Os números que retratam o ânimo do eleitorado
nesta fase inicial do segundo turno são um claro sinal mais de repulsa a Boulos
do que de aprovação ao incumbente. Tanto é assim que Nunes, embora tenha obtido
menos de um terço dos votos válidos no primeiro turno, abre vantagem maior
sobre Boulos do que o então prefeito Bruno Covas abriu sobre o psolista na
eleição de quatro anos atrás, vencida pelo tucano.
Mais igualdade e menos regalias
Correio Braziliense
A estimativa é de que o país economizaria R$
5 bilhões com a eliminação de vantagens daqueles que têm renda mensal elevada
dentro setor público. Valor expressivo para transformar o perfil da sociedade
brasileira
A proposta de pôr um fim aos supersalários
volta à cena política. Algumas camadas de servidores públicos, principalmente
os do alto escalão, no âmbito dos Três Poderes, desfrutam de regalias, auxílios
variados, indenizações, prerrogativas por tempo de serviço, entre muitos outros
benefícios que oneram severamente o Orçamento da União. São o alvo da decisão
do atual governo, o que não chega a ser uma novidade. Gestões passadas
ensaiaram fazer o mesmo. Uma delas foi a de Fernando Collor de Mello, que, durante
a campanha eleitoral, garantiu que, se eleito, acabaria com os marajás. Não
conseguiu.
No Congresso Nacional, tramitaram vários
projetos com a mesma finalidade, mas não seguiram. A equipe econômica do atual
governo se revela disposta a avançar com o objetivo de eliminar os
supersalários. Na última terça-feira, a ministra do Planejamento e Orçamento,
Simone Tebet, ao ser questionada sobre as expectativas de cortes do governo,
classificou que os supersalários do funcionalismo público são "ilegais e
imorais" e que, em algum momento, vão fazer parte da lista de enxugamento.
"Se isso vai entrar agora, se vai entrar em um segundo momento, depende de
uma conversa que estaremos tendo também com o presidente (Lula) e, depois, no
diálogo com o Congresso Nacional", afirmou.
Eliminar regalias que propiciam a muitos ter
rendimentos superiores ao teto salarial estabelecido pela Constituição — R$ 44
mil pagos aos ministros do Supremo Tribunal Federal — reduz a pressão sobre o
governo federal. Hoje, há uma séria preocupação em zerar o deficit público a
fim de que o país possa ingressar em uma promissora rota de desenvolvimento. No
campo social, a realidade brasileira sinaliza que ainda há muito a ser feito
para que o Brasil alcance o patamar de país desenvolvido.
Apesar da redução do número de famélicos,
mais de 14 milhões de brasileiros enfrentam grave situação de insegurança
alimentar. Outros 33 milhões estão privados de acesso à água potável e ao
saneamento básico, elementos importantes para a saúde. A falta de moradia é
realidade para mais de 6 milhões de famílias no país.
Refrear privilégios salariais para aqueles
que têm estabilidade no emprego, acesso a serviços de saúde, residência,
aposentadoria integral e outros benefícios é um passo importante para conter as
profundas desigualdades socioeconômicas, incompatíveis com os mandamentos da
Constituição Cidadã de 1988. A estimativa é de que o país economizaria R$ 5
bilhões com a eliminação de vantagens daqueles que têm renda mensal altíssima
dentro do setor público. Em 10 anos, seriam R$ 50 bilhões. Valores expressivos
para transformar o perfil da sociedade brasileira.
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