sábado, 30 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Galípolo precisará resistir a pressão política sobre BC

O Globo

Depois de implodir programa de cortes, ala política do governo quer intervir na autoridade monetária

Dado o desdém recorrente que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem demonstrado pela questão, talvez fosse otimismo exagerado achar que aprovaria um ajuste nas contas públicas suficiente para, em uma tacada, estabilizar a dívida crescente. Mas se esperava ao menos um sinal de compromisso. Em vez disso, o pacote desta semana, de tão tímido e confuso, surtiu o efeito oposto. Fez aumentar a incerteza. Em vez de acatar as sugestões sensatas — ainda que modestas — da equipe econômica, Lula cedeu a seu vezo populista e ficou ao lado da ala política, preocupada com a próxima eleição, não com o crescimento sustentável e o futuro do país.

Tendo ajudado a implodir o pacote de controle de gastos, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, voltou as baterias contra a autoridade monetária: “Estamos em contagem regressiva para ter um Banco Central (BC) que tenha um olhar para o Brasil”. A declaração tem alvos claros: é um ataque ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, crítico da política fiscal, e uma tentativa de influenciar as decisões de Gabriel Galípolo, que assume o cargo em janeiro.

O desequilíbrio fiscal alimenta a inflação por duas vias. Primeiro, ao gastar mais que arrecada, o governo aumenta a circulação de dinheiro, fomentando a demanda por produtos e serviços. Ao mesmo tempo, as incertezas causadas pelo crescimento da dívida pública fazem o real perder valor, pressionando produtos dependentes do dólar. Diante da alta de preços, o BC não tem alternativa senão elevar os juros. Fica mais caro para o governo tomar dinheiro emprestado no mercado. O juro alto tira o ímpeto da economia, e esse problema a ala política não quer. Daí a tentativa de fazer Galípolo ter “um olhar” para os interesses políticos.

Dados o currículo de Galípolo e a conquista de autonomia pelo BC, é improvável que a estratégia tenha o efeito pretendido. Como diretor de política monetária, ele demonstrou capacidade de exercer o novo cargo com a devida independência do Palácio do Planalto. Seus votos e decisões têm sido até aqui técnicos — e assim deverão continuar a ser a partir de janeiro. As últimas votações no Comitê de Política Monetária em favor de subir os juros foram unânimes. Como todo bom economista, Galípolo tem na memória as consequências nefastas do governo de Dilma Rousseff, última vez em que um presidente do BC se submeteu aos desígnios de um presidente da República, com resultados dramáticos para o país.

Mesmo que se prove ineficaz, a iniciativa de Rui Costa e companhia, sob as bênçãos de Lula, revela a força que ideias estapafúrdias sobre economia ainda exercem na mente de certa esquerda. A claque do PT acredita na narrativa absurda segundo a qual a crítica à política fiscal do governo se resume a choradeira da elite financeira. Mas o confronto entre os “banqueiros malvados” da Faria Lima e “pobres indefesos” é uma falácia. Ninguém perde tanto com a irresponsabilidade fiscal e o descontrole da dívida quanto os mais pobres. Os mesmos que o governo tenta defender com reajustes artificiais, vinculações de benefícios ou abonos ineficazes não encontram trabalho quando chega a recessão e veem o pouco dinheiro que recebem perder valor para a inflação. Lula parecia ter entendido isso em seu primeiro mandato. Depois, no governo Dilma, a incúria fiscal e a intervenção no BC trouxeram enorme custo a milhões de brasileiros pobres. Repetir tal erro seria imperdoável.

Tiros disparados contra cidadãos inocentes revelam despreparo de PMs

O Globo

Morte em São Paulo e ferimentos a bala no Rio expõem treinamento falho de policiais para proteger os cidadãos

Na madrugada do último dia 20, o estudante de Medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, foi morto com um tiro disparado por um PM durante abordagem num hotel na Vila Mariana, Zona Sul de São Paulo. No dia seguinte, Sara Regina Cardoso Coelho, de 28 anos, foi baleada em seu carro no Méier, Zona Norte do Rio, quando voltava com o marido de uma visita à filha de 5 anos internada num hospital. Segundo a família, os tiros que atingiram o veículo partiram do local onde estava um grupo de policiais. A própria PM informou que eles participavam de uma abordagem quando houve confronto. Os episódios põem em xeque o treinamento de agentes públicos contratados para proteger os cidadãos.

No caso de Marco Aurélio, não se ignoram as condições da morte. Segundo os policiais, o estudante estava em estado alterado e agressivo. Passou pela viatura da PM e deu um tapa no retrovisor, como mostram imagens de câmeras de segurança. Depois correu para dentro de um hotel e foi perseguido pelos agentes. Durante a abordagem, puxou a perna e derrubou um PM. Mas nada disso justifica que o jovem, desarmado, fosse alvejado com um tiro à queima-roupa na altura do peito. Especialmente quando os policiais dispunham de arma não letal para dominá-lo. “O que justifica matar um menino de 22 anos, caído, sem camiseta, que não tem onde ocultar uma arma? O que está acontecendo com a polícia brasileira?”, indagou a mãe, Silvia Mônica Cardenas Prado.

A ação tem gerado questionamentos. O ouvidor das polícias de São Paulo, Cláudio Aparecido da Silva, ressaltou que os agentes não fizeram uso progressivo da força, como determinam as normas da PM. Embora os policiais estivessem com câmera no uniforme, o Boletim de Ocorrência informa que não usavam o equipamento. Eles foram afastados até o fim das investigações. Ainda que comprovada a culpa dos agentes, o crime já foi consumado.

No caso da mulher ferida no Rio, a PM informou ter instaurado procedimento para analisar as circunstâncias. Disse que um fuzil usado na operação foi recolhido. Chama a atenção que as câmeras dos policiais não estivessem funcionando, embora sejam de uso obrigatório. Casos assim não são incomuns. Dias antes, o motorista de aplicativo Bruno Bastos, de 46 anos, foi baleado de raspão por PMs em Inhaúma, na Zona Norte do Rio, ao abastecer o carro. A mulher de Bruno disse suspeitar que os policiais tenham confundido o veículo. O caso está sob investigação.

Parece claro que há falhas no treinamento da polícia e nas diretrizes das políticas públicas de segurança, tanto em abordagens quanto em situações que exigem prudência. Compreende-se que as grandes cidades registram índices de violência preocupantes, e policiais estão sempre na linha de tiro. A sociedade exige ação firme contra o crime. Mas existem protocolos justamente para proteger a vida de inocentes. Operações não podem ser guiadas pela truculência ou pelo abuso. A missão do policial é proteger o cidadão, não ameaçá-lo.

Cessar-fogo no Líbano cria chance tênue de paz em Gaza

Folha de S. Paulo

Radicais do governo de Netanyahu cedem à pressão dos EUA, mas negociações precisam avançar até a posse de Donald Trump

Pequeno milagre da diplomacia e prova cabal de que os Estados Unidos ainda são a potência com maior poder de persuasão no volátil Oriente Médio, o cessar-fogo entre Israel e o grupo extremista libanês Hezbollah é tão frágil quanto vital.

Muito pode dar errado no arranjo, que prevê o fim dos ataques de Israel ao Líbano e a retirada de suas forças do sul do país, abrindo espaço para o Exército do vizinho reocupar a região.

O Hezbollah, por sua vez, deixa essa área, compreendida nos 30 km que separam a fronteira israelense do rio Litani, e cessa os lançamentos de foguetes e mísseis contra o Estado judeu.

Os três primeiros dias da trégua iniciada na quarta-feira (27) mostraram, com acusações de violações dos termos acordados de lado a lado e com a mão pesada de Israel na sua condução, o quão precária ela é.

Além disso, o acordo segue um roteiro antigo, tentado em 2000 e, depois, entronizado na resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas que encerrou a guerra de 2006 entre Tel Aviv e o grupo radical islâmico.

Naquelas ocasiões, contudo, o Irã estava em plena expansão de sua estratégia de usar prepostos regionais como camadas intermediárias no seu conflito com Israel e seu fiador, os EUA.

Tudo isso mudou, passadas 60 semanas da atrocidade cometida pelo Hamas contra Israel. O grupo palestino foi destroçado, e a guerra de atrito fronteiriço que o Hezbollah disparou em favor do aliado se converteu em quase uma sentença de morte para a agremiação libanesa.

Dos mais de 3.800 mortos no conflito tornado guerra aberta em setembro, pelo menos 1.300 são civis sem nenhuma relação com os beligerantes.

O enfraquecimento da posição dos aliados de Teerã e também da teocracia iraniana ao longo deste pouco mais de um ano acabaram por permitir o cessar-fogo.

Ele foi cortesia do fim da eleição americana, que liberou Joe Biden para pressionar Tel Aviv com a ameaça de cortar o fornecimento de material militar essencial para Israel sobreviver. Sem precisar mais do voto judeu, o democrata endureceu sua posição.

Resta saber se, além de durar, o cessar-fogo poderá abrir espaço para a paz na Faixa de Gaza, cemitério para estimados 44,4 mil palestinos tombados na guerra.

O grupo terrorista deu sinais positivos, e a derrota da ala extremista do governo de Binyamin Netanyahu em relação ao Líbano abre uma estreita janela para novas negociações.

Nelas, os talvez 66 reféns que continuam nas mãos do Hamas complicam ainda mais a equação, porém uma coisa é certa: o prazo de validade para qualquer esforço é 20 de janeiro, quando Donald Trump volta à Casa Branca.

Daí em diante, a julgar pelo primeiro mandato do republicano, tudo indica que os palestinos serão rifados de qualquer conversa, sejam eles dominados por tiranetes como o Hamas ou burocratas da Cisjordânia.

Alta na expectativa de vida impõe desafios à gestão pública

Folha de S. Paulo

IBGE mostra avanço em 2023 ante nível pré-pandemia, e há espaço para mais aumento; é preciso adequar Previdência e saúde

A pandemia de Covid-19 causou queda mundial na expectativa de vida populacional. No Brasil, ela foi de 76,2 anos em 2019 para 72,8 em 2021. Mas, de acordo com levantamento do IBGE divulgado nesta sexta (29), o país conseguiu superar o nível anterior à crise sanitária, ao atingir 76,4 anos em 2023 —alta de 11,3 meses ante 2022.

A boa notícia é acompanhada por desafios, já que o indicador produz impactos no sistema de saúde e na Previdência Social. Ademais, ainda há espaço para mais aumento, o que exige bom desenho de políticas públicas.

Segundo relatório da ONU deste ano, em todo o mundo a expectativa de vida caiu de 72,6 anos em 2019 para 70,8 em 2021. O nível pré-pandemia também foi superado, com 73,1 em 2023.

Apesar de o Brasil estar acima da média global, ainda se encontra distante de nações desenvolvidas, onde superam-se os 80 anos —na América do Sul, só o Chile alcançou o feito, com 81,7.

Além de fatores culturais, nações com alta expectativa de vida no geral aproveitaram seu bônus demográfico para desenvolver a economia e, assim, melhorar serviços públicos na área da saúde.

O Brasil, com trajetória de baixo crescimento, não tem aproveitado a janela de oportunidade representada pela sua população jovem. Janela que tende a se fechar, com alta no número de pessoas acima dos 65 anos e queda no total daquelas entre 0 e 14 anos, que constituirão o estrato produtivo no futuro.

O resultado é aumento de pressão sobre a Previdência, para sustentar inativos, que absorve verbas que poderiam ser direcionadas para a saúde pública, setor que precisa de incrementos para cuidar justamente dos mais longevos e contribui para a elevação da expectativa de vida.

O IBGE também mostra que no ano passado, entre os homens, o indicador marcou 73,1 anos, e, entre as mulheres, 79,7. Tal diferença entre os sexos é comum. Pesquisas mostram que a população masculina está mais sujeita à violência urbana e a comportamentos de risco. Assim, a alta taxa de criminalidade no Brasil é outro fator que colabora para que o país tenha dificuldades para elevar a expectativa de vida.

Após aumento mundial robusto da expectativa de vida durante o século 20, estudos mostram que ela vem se desacelerando, e que isso se deve a limites do próprio corpo humano.

Mesmo assim, os brasileiros ainda têm muito tempo a ganhar. Para isso, é preciso que governos usem os indicadores para fazer reformas, diminuir gastos e alocar recursos de modo racional.

O Brasil à mercê do PT

O Estado de S. Paulo

A reação negativa do mercado ao pacote fiscal é natural, ante a perspectiva de que a vanguarda do lulopetismo vai mandar mais na economia do que Fernando Haddad e Simone Tebet

Já sabemos que toda vez que o PT ganha, o Brasil perde. E o PT ganhou mais uma vez, impondo-se à equipe econômica do governo, que buscava exaustivamente uma fórmula que conciliasse a necessidade urgente de rever os gastos públicos com as demandas político-eleitorais do presidente Lula da Silva. Era mais fácil traçar a quadratura do círculo, claro, mas a expressão de capitulação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no patético pronunciamento na TV em que anunciou um pífio ajuste fiscal e uma mal-ajambrada reforma no Imposto de Renda disse tudo.

A reação negativa do mercado é, portanto, natural, ante a perspectiva de que Gleisi Hoffmann, Lindbergh Farias e Rui Costa vão mandar mais na economia do que Fernando Haddad e Simone Tebet. Recorde-se que o PT, sob a presidência de Gleisi, já chamou a política fiscal de “austericídio”; que o deputado Lindbergh, vice-líder do governo na Câmara, já defendeu déficit maior como meta fiscal; e que o ministro Rui Costa advoga por mais gastos públicos sempre que Haddad e Tebet, ministra do Planejamento, pelejam por contenção.

Fiel à estratégia lulopetista de inventar “inimigos do povo” para atribuir a culpa pelas lambanças no governo Lula, Rui Costa – que não fala sem o aval de Lula – reagiu ao mau humor do mercado elegendo o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, como o responsável pela alta do dólar. Segundo Costa, Campos Neto, que foi nomeado pelo antecessor de Lula, Jair Bolsonaro, deliberadamente cria “uma sensação permanente de instabilidade”, além de repetidamente ficar “falando mal do Brasil”. Depois, vinculou a instabilidade a “aves agourentas” que “trabalham para derrotar o Brasil”. Por fim, declarou que está em “contagem regressiva” para que em breve o BC tenha um presidente que “não mora em Miami”, referindo-se a Gabriel Galípolo, nomeado por Lula para suceder a Campos Neto.

Num fôlego só, numa retórica típica de assembleia estudantil, o ministro Costa não só reafirmou a irresponsabilidade lulopetista, como alarmou ainda mais o mercado ao sugerir que Galípolo será, na condição de presidente do BC, mais um ministro a serviço de Lula e de seus projetos eleitorais. Segundo Costa, o governo espera que Galípolo adote as medidas “que precisam ser adotadas”. Sem disfarçar a ansiedade, tratou de sublinhar que Lula já havia escolhido seus indicados para assumir três diretorias do BC, o que, de fato, se confirmou na tarde de sexta-feira, quando os nomes vieram a público.

Até aqui, Galípolo vinha se equilibrando no papel de auxiliar demasiadamente próximo do lulopetismo e de futuro presidente do Banco Central. Em suas declarações depois do anúncio de Haddad, Galípolo continuou a exibir prudência e comedimento, reafirmando seu compromisso com o controle da inflação, mas seus esforços foram evidentemente sabotados pelos petistas. Galípolo, portanto, já assumirá sob desconfiança ainda maior de que não terá independência para conduzir o Banco Central na tarefa de fazer o que for necessário para proteger o poder de compra da moeda. Para o PT, o Banco Central só é autônomo no papel, e olhe lá. Na prática, o partido considera que o BC deve curvar-se à vontade de Lula da Silva, reduzindo os juros na marra para estimular a economia, mesmo que isso signifique uma explosão inflacionária.

Assim como Costa, Gleisi Hoffmann também espalhou brasas onde já havia muito fogo: em postagem nas suas redes sociais, disse que o “mercado passou semanas exigindo cortes”, elogiou o “esforço fiscal” e “uma reforma da renda socialmente justa e fiscalmente neutra” e creditou as reações negativas a uma “especulação contra o Brasil”. Depois de meses promovendo ataques a Haddad, a dupla Gleisi e Lindbergh passou a elogiá-lo publicamente, uma evidência de qual ala foi vitoriosa dentro do governo. Se gente como Lindbergh e Gleisi gostou do pacote fiscal do governo, então já sabemos que será ruim para o País.

O fardo da renúncia fiscal

O Estado de S. Paulo

Relatório da FGV aponta que União e Estados abdicaram de receitas equivalentes a 7,2% do PIB em 2023; benefícios tributários carecem de transparência e avaliação criteriosa de resultados

Os gastos tributários do governo federal e dos Estados, que em 2002 representavam 2,1% do Produto Interno Bruto (PIB), avançaram para 7,2% do PIB em 2023 e para este ano a estimativa é de que cheguem a 6,9%, apontou estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV). Ou seja, no ano passado, em valores nominais, as renúncias do governo federal e dos Estados a receitas com tributos em programas econômicos e sociais corresponderam a R$ 784,8 bilhões. O que deixou de ser arrecadado é contabilizado como despesa indireta, o chamado gasto tributário.

Mais importante do que a cifra estratosférica, o levantamento da FGV sobre o aumento expressivo e contínuo desse tipo de gasto ao longo das últimas duas décadas mostra a pouca transparência e a falta de avaliação efetiva dos benefícios que cada gasto tributário traz para o desenvolvimento econômico e a redução da desigualdade. A ausência de um padrão de cálculo sobre o impacto financeiro dessas medidas faz também com que parte delas fuja ao crivo dos órgãos de controle. Somente os gastos tributários federais corresponderam a 4,8% do PIB no ano passado.

Buscando identificar os principais problemas que levam à falta de transparência e dificuldade de avaliação, os pesquisadores da FGV atestaram que os erros começam na base, com uma confusão conceitual sobre o gasto tributário, e seguem em descompasso, sem definição sobre a forma como esse gasto é medido e sobre as falhas de monitoramento e governança. Detalhes sobre esses gastos federais são publicados anualmente no Orçamento, mas várias renúncias fiscais não são incluídas na definição de gasto tributário, o que afeta a transparência e o resultado.

Manoel Pires, coordenador do estudo, destacou que mesmo a Receita Federal, que ele definiu como o órgão que trabalha com maior estabilidade conceitual, usa metodologia que deixa alguns gastos de fora, citando como exemplo o Repetro, regime aduaneiro especial para importação e exportação de equipamentos para exploração e produção de petróleo.

Os pesquisadores da FGV conseguiram catalogar o que, de forma geral, tem sido recorrente no País, com a proliferação de subsídios e incentivos tentando compensar a alta e complexa carga tributária em medidas seletivas e pouco eficientes. No caso dos Estados, os anos de guerra fiscal, numa disputa para ver quem dava os maiores benefícios para atrair indústrias de fora, deixaram um rastro de desequilíbrios. As justificativas que embalam os pacotes de privilégios, em todas as esferas, são invariavelmente as mesmas – geração de empregos, redução da pobreza e desenvolvimento regional –, mas a aferição do alcance desses objetivos com frequência cai no esquecimento, sem que haja quaisquer cobranças.

Os dados do relatório evidenciam a falta de critérios objetivos e metas de desempenho e, ainda, a falta de um órgão gestor para monitorar a política pública que criou determinado gasto tributário. A aprovação, no ano passado, da primeira etapa da reforma tributária, centrada no consumo, foi sem dúvida um avanço, mas o grande número de benefícios fiscais e regimes diferenciados para alguns setores torna mais difícil a sua execução em razão da quantidade de bens com tratamento favorecido, que eleva a alíquota padrão. Inicialmente previsto em torno de 25%, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) já é estimado em 28%, um dos mais altos do mundo.

O volume de recursos que o governo deixa de arrecadar por causa do aumento das políticas de renúncia tributária extrapola, e muito, os ganhos eventuais, o que indica a necessidade de reduzir esse impacto nas contas públicas. O relatório da FGV chega à conclusão óbvia de que o melhor caminho para atingir esse objetivo é promover uma avaliação contínua dos efeitos desses programas para o desenvolvimento econômico do País e para a efetiva redução da desigualdade – e obviamente ter a coragem de cancelar os que não entregam o esperado.

O zelador de cemitérios

O Estado de S. Paulo

Dino abastarda o STF ao se meter na concessão das necrópoles de São Paulo para fazer política

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino deferiu uma medida cautelar requerida pelo PCdoB para que, na prática, fosse revertido o contrato de concessão da administração dos cemitérios da cidade de São Paulo à iniciativa privada. No dia 24 passado, Dino determinou que a Prefeitura da capital paulista “restabeleça a comercialização e cobrança de serviços funerários, cemiteriais e de cremação tendo como teto (grifo dele) os valores praticados imediatamente antes da concessão (‘privatização’)”, aprovada pela Câmara Municipal e sancionada pelo então prefeito Bruno Covas (PSDB) em 2019.

Em primeiro lugar, deve-se sublinhar o descaso do sr. Dino com a reputação do STF, pela qual ele deveria zelar com muito mais denodo do que esse seu suposto cuidado com a prestação de serviços funerários em São Paulo. Ao deferir o pedido do PCdoB, partido ao qual foi filiado por 15 anos, o ministro abastardou a Corte Suprema, imiscuindo-se em uma política pública local que, em que pesem seus eventuais erros, passaria longe do crivo da mais alta instância do Poder Judiciário não fosse a banalização do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no art. 1.º, inciso III, da Constituição, base da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) interposta pela legenda.

Em um país no qual a qualidade dos serviços públicos prestados aos cidadãos não raro é sofrível, para onde quer que se olhe haveria, em tese, violações daquele princípio constitucional, ao gosto do freguês. Tudo estaria resumido à criatividade hermenêutica dos reclamantes e/ou de seus interesses políticos de ocasião. Agora imagine o leitor se acaso o STF passasse a se ocupar de cada uma delas.

Com sua decisão monocrática, Dino também contribuiu sobremaneira para ampliar ainda mais a insegurança jurídica no País. Deveria ser ocioso lembrar que, na condição de membro do STF, o ministro deveria se ocupar justamente do contrário. É certo que não faltam reclamações sobre a qualidade do serviço prestado e os valores praticados pelas empresas concessionárias para realizar funerais na capital paulista. Igualmente, é fato que o prefeito Ricardo Nunes é tíbio na fiscalização desses contratos, problemáticos há mais tempo do que seria suportável pelos munícipes, em particular os mais carentes. Mas o processo de concessão da gestão dos cemitérios à iniciativa privada percorreu rigorosamente o devido rito legislativo, desde sua proposição, passando pelos debates políticos no Poder Legislativo municipal até a sanção do alcaide.

Dino, contudo, não perde o sono preocupado com isso. Afinal, ele foi indicado ao STF pelo presidente Lula da Silva, textualmente, não para ser um juiz, mas antes para continuar sendo o político verboso que sempre foi. E é de política que se trata aqui, não de justiça. Tanto do PCdoB, um partido que não sabe operar na democracia, pois perde no voto e recorre às barras do STF, como do ministro, que pôs a força de sua caneta a serviço de sua aversão à iniciativa privada.

Um pacote que só acumula críticas

Correio Braziliense

É preciso mais seriedade com questões tão graves como o desequilíbrio fiscal. A União é quem deve, em primeiro lugar, sanar as próprias contas

São muitas as falhas do pacote fiscal lançado esta semana pelo governo Lula. Insuficiente, disperso e eleitoreiro são alguns dos termos empregados por analistas econômicos e por agentes financeiros. Dois dias depois de o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciar um conjunto de medidas em rede nacional, os efeitos se aproximam do desastre. Em 48 horas, o dólar disparou e fechou a sexta-feira com uma cotação assustadora: R$ 6. Para quem julga que o valor da moeda norte-americana só afeta o mercado financeiro, um aviso: a alta do dólar tem relação direta com a inflação. Impacta na produção industrial, nos combustíveis, no preço da carne. É tudo de que o país não precisava no momento em que a inflação teima em estourar o teto da meta.

Das muitas temeridades do pacote fiscal, destaca-se uma que se julgava vencida: a mudança no cálculo do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF). Está nas intenções da equipe econômica adotar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) como critério de reajuste do fundo, e não mais a variação da Receita Corrente Líquida da União. Na visão de Haddad, não faria sentido um "ente federado" como o Distrito Federal ter tratamento diferente do restante do país.

Causa espanto a inadequação desse raciocínio. Ora, sabe-se que é notória a má vontade do governo Lula com Brasília. Uma frase do ministro da Casa Civil, Rui Costa, em junho do ano passado, traduz essa objeção existencial à capital federal. Eis o sincericídio de Costa: "Era melhor (a capital) ter ficado no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas ou para a Bahia. Para que quem fosse entrar num prédio daquele ou na Câmara dos Deputados ou no Senado passasse numa favela, debaixo de um viaduto, com gente pedindo comida, gente desempregada. Porque ali as pessoas vivem numa ilha ilusória, numa bolha de fantasia", disse. Entre outras coisas, ignora o sr. Costa que o Sol Nascente, uma das maiores favelas do país, está no Distrito Federal.

São muitos os efeitos negativos do pacote para Brasília. Em primeiro lugar, porque a capital federal, terceira metrópole do país, tem uma peculiaridade única: abriga os Poderes da República, bem como as representações diplomáticas e organismos internacionais. Esse status, de imediato, impõe à capital obrigações que passam desde a segurança à infraestrutura. E isso custa dinheiro.

Em segundo lugar, os recursos do FCDF não atendem apenas aos moradores de Brasília. Os serviços públicos da capital federal também estão disponíveis para mais de 1 milhão de moradores do Entorno do DF. É uma multidão que se desloca diariamente para a Região Metropolitana de Brasília em busca de serviços e oportunidades. Mais uma vez, ministros de Lula, isso tem um preço.

A inábil tesourada do governo Lula pode ter outras graves consequências. A restrição orçamentária no Fundo de Desenvolvimento Regional tem potencial de agravar a situação dos estados que podem ser afetados pela Reforma Tributária. O alerta foi dado esta semana pelo secretário de Fazenda do Mato Grosso, Rogério Gallo. "O Congresso Nacional tem um encontro marcado com o federalismo fiscal", disse, no Senado Federal, preocupado com o cenário que se avizinha.

Apresentado de forma intempestiva, em meio a divergências no próprio governo, o aguardado pacote fiscal acumula problemas em tão pouco tempo. O vice-governador de Minas, Mateus Simões (Novo), foi contundente. Considera o plano "uma cortina de fumaça". "Cadê o compromisso da redução dos gastos, das despesas, com corte de benefícios, com o corte de privilégio?", questionou. "Estão falando de corte de impostos, mas está tendo aumento. E o imposto das blusinhas, da importação? E tudo que está ficando mais caro no Brasil?", inquiriu. 

É preciso mais seriedade com questões tão graves como o desequilíbrio fiscal. A União é quem deve, em primeiro lugar, sanar as próprias contas antes de prescrever o remédio amargo para o restante do país, que não tem a prerrogativa de controlar os recursos federais.

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