Galípolo precisará resistir a pressão política sobre BC
O Globo
Depois de implodir programa de cortes, ala
política do governo quer intervir na autoridade monetária
Dado o desdém recorrente que o presidente
Luiz Inácio Lula da
Silva tem demonstrado pela questão, talvez fosse otimismo exagerado achar que
aprovaria um ajuste nas contas
públicas suficiente para, em uma tacada, estabilizar a dívida
crescente. Mas se esperava ao menos um sinal de compromisso. Em vez disso, o
pacote desta semana, de tão tímido e confuso, surtiu o efeito oposto. Fez
aumentar a incerteza. Em vez de acatar as sugestões sensatas — ainda que
modestas — da equipe econômica, Lula cedeu a seu vezo populista e ficou ao lado
da ala política, preocupada com a próxima eleição, não com o crescimento
sustentável e o futuro do país.
Tendo ajudado a implodir o pacote de controle de gastos, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, voltou as baterias contra a autoridade monetária: “Estamos em contagem regressiva para ter um Banco Central (BC) que tenha um olhar para o Brasil”. A declaração tem alvos claros: é um ataque ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, crítico da política fiscal, e uma tentativa de influenciar as decisões de Gabriel Galípolo, que assume o cargo em janeiro.
O desequilíbrio fiscal alimenta a inflação por
duas vias. Primeiro, ao gastar mais que arrecada, o governo aumenta a
circulação de dinheiro, fomentando a demanda por produtos e serviços. Ao mesmo
tempo, as incertezas causadas pelo crescimento da dívida pública fazem o real
perder valor, pressionando produtos dependentes do dólar. Diante da alta de
preços, o BC não tem alternativa senão elevar os juros. Fica mais caro para o
governo tomar dinheiro emprestado no mercado. O juro alto tira o ímpeto da
economia, e esse problema a ala política não quer. Daí a tentativa de fazer
Galípolo ter “um olhar” para os interesses políticos.
Dados o currículo de Galípolo e a conquista
de autonomia pelo BC, é improvável que a estratégia tenha o efeito pretendido.
Como diretor de política monetária, ele demonstrou capacidade de exercer o novo
cargo com a devida independência do Palácio do Planalto. Seus votos e decisões
têm sido até aqui técnicos — e assim deverão continuar a ser a partir de
janeiro. As últimas votações no Comitê de Política Monetária em favor de subir
os juros foram unânimes. Como todo bom economista, Galípolo tem na memória as consequências
nefastas do governo de Dilma Rousseff, última vez em que um presidente do BC se
submeteu aos desígnios de um presidente da República, com resultados dramáticos
para o país.
Mesmo que se prove ineficaz, a iniciativa de
Rui Costa e companhia, sob as bênçãos de Lula, revela a força que ideias
estapafúrdias sobre economia ainda exercem na mente de certa esquerda. A claque
do PT acredita na narrativa absurda segundo a qual a crítica à política fiscal
do governo se resume a choradeira da elite financeira. Mas o confronto entre os
“banqueiros malvados” da Faria Lima e “pobres indefesos” é uma falácia. Ninguém
perde tanto com a irresponsabilidade fiscal e o descontrole da dívida quanto os
mais pobres. Os mesmos que o governo tenta defender com reajustes artificiais,
vinculações de benefícios ou abonos ineficazes não encontram trabalho quando
chega a recessão e veem o pouco dinheiro que recebem perder valor para a
inflação. Lula parecia ter entendido isso em seu primeiro mandato. Depois, no
governo Dilma, a incúria fiscal e a intervenção no BC trouxeram enorme custo a
milhões de brasileiros pobres. Repetir tal erro seria imperdoável.
Tiros disparados contra cidadãos inocentes
revelam despreparo de PMs
O Globo
Morte em São Paulo e ferimentos a bala no Rio
expõem treinamento falho de policiais para proteger os cidadãos
Na madrugada do último dia 20, o estudante de
Medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, foi morto com um tiro
disparado por um PM durante abordagem num hotel na Vila Mariana, Zona Sul
de São Paulo.
No dia seguinte, Sara Regina
Cardoso Coelho, de 28 anos, foi baleada em seu carro no Méier,
Zona Norte do Rio, quando voltava com o marido de uma visita à filha de 5 anos
internada num hospital. Segundo a família, os tiros que atingiram o veículo
partiram do local onde estava um grupo de policiais. A própria PM informou que
eles participavam de uma abordagem quando houve confronto. Os episódios põem em
xeque o treinamento de agentes públicos contratados para proteger os cidadãos.
No caso de Marco Aurélio, não se ignoram as
condições da morte. Segundo os policiais, o estudante estava em estado alterado
e agressivo. Passou pela viatura da PM e deu um tapa no retrovisor, como
mostram imagens de câmeras de segurança. Depois correu para dentro de um hotel
e foi perseguido pelos agentes. Durante a abordagem, puxou a perna e derrubou
um PM. Mas nada disso justifica que o jovem, desarmado, fosse alvejado com um
tiro à queima-roupa na altura do peito. Especialmente quando os policiais dispunham
de arma não letal para dominá-lo. “O que justifica matar um menino de 22 anos,
caído, sem camiseta, que não tem onde ocultar uma arma? O que está acontecendo
com a polícia brasileira?”, indagou a mãe, Silvia Mônica Cardenas Prado.
A ação tem gerado questionamentos. O ouvidor
das polícias de São Paulo, Cláudio Aparecido da Silva, ressaltou que os agentes
não fizeram uso progressivo da força, como determinam as normas da PM. Embora
os policiais estivessem com câmera no uniforme, o Boletim de Ocorrência informa
que não usavam o equipamento. Eles foram afastados até o fim das investigações.
Ainda que comprovada a culpa dos agentes, o crime já foi consumado.
No caso da mulher ferida no Rio, a PM
informou ter instaurado procedimento para analisar as circunstâncias. Disse que
um fuzil usado na operação foi recolhido. Chama a atenção que as câmeras dos
policiais não estivessem funcionando, embora sejam de uso obrigatório. Casos
assim não são incomuns. Dias antes, o motorista de aplicativo Bruno Bastos, de
46 anos, foi baleado de raspão por PMs em Inhaúma, na Zona Norte do Rio, ao
abastecer o carro. A mulher de Bruno disse suspeitar que os policiais tenham
confundido o veículo. O caso está sob investigação.
Parece claro que há falhas no treinamento da
polícia e nas diretrizes das políticas públicas de segurança, tanto em
abordagens quanto em situações que exigem prudência. Compreende-se que as
grandes cidades registram índices de violência preocupantes,
e policiais estão sempre na linha de tiro. A sociedade exige ação firme contra
o crime. Mas existem protocolos justamente para proteger a vida de inocentes.
Operações não podem ser guiadas pela truculência ou pelo abuso. A missão do policial
é proteger o cidadão, não ameaçá-lo.
Cessar-fogo no Líbano cria chance tênue de
paz em Gaza
Folha de S. Paulo
Radicais do governo de Netanyahu cedem à
pressão dos EUA, mas negociações precisam avançar até a posse de Donald Trump
Pequeno milagre da diplomacia e prova cabal
de que os Estados
Unidos ainda são a potência com maior poder de persuasão no
volátil Oriente Médio, o
cessar-fogo entre Israel e o grupo extremista libanês Hezbollah é
tão frágil quanto vital.
Muito pode dar errado no arranjo, que prevê o
fim dos ataques de Israel ao Líbano e
a retirada de suas forças do sul do país, abrindo espaço para o Exército do
vizinho reocupar a região.
O Hezbollah, por sua vez, deixa essa área,
compreendida nos 30 km que separam a fronteira israelense do rio Litani, e
cessa os lançamentos de foguetes e mísseis contra o Estado judeu.
Os três primeiros dias da trégua iniciada na
quarta-feira (27) mostraram, com acusações de
violações dos termos acordados de lado a lado e com a mão
pesada de Israel na sua condução, o quão precária ela é.
Além disso, o acordo segue um roteiro antigo, tentado em 2000 e, depois, entronizado na resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas que encerrou a guerra de 2006 entre Tel Aviv e o grupo radical islâmico.
Naquelas ocasiões, contudo, o Irã estava
em plena expansão de sua estratégia de usar prepostos regionais como camadas
intermediárias no seu conflito com Israel e seu fiador, os EUA.
Tudo isso mudou, passadas 60 semanas da
atrocidade cometida pelo Hamas contra
Israel. O grupo palestino foi destroçado, e a guerra de atrito fronteiriço que
o Hezbollah disparou em favor do aliado se converteu em quase uma sentença de
morte para a agremiação libanesa.
Dos mais de 3.800 mortos no conflito tornado
guerra aberta em setembro, pelo menos 1.300 são civis sem nenhuma relação com
os beligerantes.
O enfraquecimento da posição dos aliados de
Teerã e também da teocracia iraniana ao longo deste pouco mais de um ano
acabaram por permitir o cessar-fogo.
Ele foi cortesia do fim da eleição americana,
que liberou Joe Biden para
pressionar Tel Aviv com a ameaça de cortar o fornecimento de material militar
essencial para Israel sobreviver. Sem precisar mais do voto judeu, o democrata
endureceu sua posição.
Resta saber se, além de durar, o cessar-fogo
poderá abrir espaço para a paz na Faixa de Gaza,
cemitério para estimados 44,4 mil palestinos tombados na guerra.
O grupo terrorista deu sinais positivos, e a
derrota da ala extremista do governo de Binyamin
Netanyahu em relação ao Líbano abre uma estreita janela para
novas negociações.
Nelas, os talvez 66 reféns que continuam nas
mãos do Hamas complicam ainda mais a equação, porém uma coisa é certa: o prazo
de validade para qualquer esforço é 20 de janeiro, quando Donald
Trump volta à Casa Branca.
Daí em diante, a julgar pelo primeiro mandato
do republicano, tudo indica que os palestinos serão rifados de qualquer
conversa, sejam eles dominados por tiranetes como o Hamas ou burocratas da
Cisjordânia.
Alta na expectativa de vida impõe desafios à
gestão pública
Folha de S. Paulo
IBGE mostra avanço em 2023 ante nível
pré-pandemia, e há espaço para mais aumento; é preciso adequar Previdência e
saúde
A pandemia de Covid-19 causou queda mundial
na expectativa de vida populacional. No Brasil, ela foi de 76,2 anos em 2019
para 72,8 em 2021. Mas, de acordo com levantamento do IBGE divulgado
nesta sexta (29), o país
conseguiu superar o nível anterior à crise sanitária, ao atingir
76,4 anos em 2023 —alta de 11,3 meses ante 2022.
A boa notícia é acompanhada por desafios, já
que o indicador produz impactos no sistema de saúde e
na Previdência
Social. Ademais, ainda há espaço para mais aumento, o que exige bom
desenho de políticas públicas.
Segundo relatório da ONU deste
ano, em todo o mundo a expectativa de vida caiu de 72,6 anos em 2019 para 70,8
em 2021. O nível pré-pandemia também foi superado, com 73,1 em 2023.
Apesar de o Brasil estar acima da média
global, ainda se encontra distante de nações desenvolvidas, onde superam-se os
80 anos —na América do
Sul, só o Chile alcançou
o feito, com 81,7.
Além de fatores culturais, nações com alta
expectativa de vida no geral aproveitaram seu bônus demográfico para
desenvolver a economia e, assim, melhorar serviços públicos na área da saúde.
O Brasil, com trajetória de baixo
crescimento, não tem aproveitado a janela de oportunidade representada pela sua
população jovem. Janela que tende a se fechar, com alta no número de pessoas
acima dos 65 anos e queda no total daquelas entre 0 e 14 anos, que constituirão
o estrato produtivo no futuro.
O resultado é aumento de
pressão sobre a Previdência, para sustentar inativos, que absorve
verbas que poderiam ser direcionadas para a saúde pública, setor que precisa de
incrementos para cuidar justamente dos mais longevos e
contribui para a elevação da expectativa de vida.
O IBGE também mostra que no ano passado,
entre os homens, o indicador marcou 73,1 anos, e, entre as mulheres, 79,7. Tal
diferença entre os sexos é comum. Pesquisas mostram que a população masculina
está mais sujeita à violência urbana
e a comportamentos de risco. Assim, a alta taxa de criminalidade no Brasil é
outro fator que colabora para que o país tenha dificuldades para elevar a
expectativa de vida.
Após aumento mundial robusto da expectativa
de vida durante o século 20, estudos mostram que ela vem se desacelerando, e
que isso se deve a limites do próprio corpo humano.
Mesmo assim, os brasileiros ainda têm muito
tempo a ganhar. Para isso, é preciso que governos usem os indicadores para
fazer reformas, diminuir gastos e alocar recursos de modo racional.
O Brasil à mercê do PT
O Estado de S. Paulo
A reação negativa do mercado
ao pacote fiscal é natural, ante a perspectiva de que a vanguarda do
lulopetismo vai mandar mais na economia do que Fernando Haddad e Simone Tebet
Já sabemos que toda vez que
o PT ganha, o Brasil perde. E o PT ganhou mais uma vez, impondo-se à equipe
econômica do governo, que buscava exaustivamente uma fórmula que conciliasse a
necessidade urgente de rever os gastos públicos com as demandas político-eleitorais
do presidente Lula da Silva. Era mais fácil traçar a quadratura do círculo,
claro, mas a expressão de capitulação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
no patético pronunciamento na TV em que anunciou um pífio ajuste fiscal e uma
mal-ajambrada reforma no Imposto de Renda disse tudo.
A reação negativa do mercado
é, portanto, natural, ante a perspectiva de que Gleisi Hoffmann, Lindbergh
Farias e Rui Costa vão mandar mais na economia do que Fernando Haddad e Simone
Tebet. Recorde-se que o PT, sob a presidência de Gleisi, já chamou a política
fiscal de “austericídio”; que o deputado Lindbergh, vice-líder do governo na
Câmara, já defendeu déficit maior como meta fiscal; e que o ministro Rui Costa
advoga por mais gastos públicos sempre que Haddad e Tebet, ministra do
Planejamento, pelejam por contenção.
Fiel à estratégia
lulopetista de inventar “inimigos do povo” para atribuir a culpa pelas
lambanças no governo Lula, Rui Costa – que não fala sem o aval de Lula – reagiu
ao mau humor do mercado elegendo o presidente do Banco Central (BC), Roberto
Campos Neto, como o responsável pela alta do dólar. Segundo Costa, Campos Neto,
que foi nomeado pelo antecessor de Lula, Jair Bolsonaro, deliberadamente cria
“uma sensação permanente de instabilidade”, além de repetidamente ficar
“falando mal do Brasil”. Depois, vinculou a instabilidade a “aves agourentas”
que “trabalham para derrotar o Brasil”. Por fim, declarou que está em “contagem
regressiva” para que em breve o BC tenha um presidente que “não mora em Miami”,
referindo-se a Gabriel Galípolo, nomeado por Lula para suceder a Campos Neto.
Num fôlego só, numa retórica
típica de assembleia estudantil, o ministro Costa não só reafirmou a
irresponsabilidade lulopetista, como alarmou ainda mais o mercado ao sugerir
que Galípolo será, na condição de presidente do BC, mais um ministro a serviço de
Lula e de seus projetos eleitorais. Segundo Costa, o governo espera que
Galípolo adote as medidas “que precisam ser adotadas”. Sem disfarçar a
ansiedade, tratou de sublinhar que Lula já havia escolhido seus indicados para
assumir três diretorias do BC, o que, de fato, se confirmou na tarde de
sexta-feira, quando os nomes vieram a público.
Até aqui, Galípolo vinha se
equilibrando no papel de auxiliar demasiadamente próximo do lulopetismo e de
futuro presidente do Banco Central. Em suas declarações depois do anúncio de
Haddad, Galípolo continuou a exibir prudência e comedimento, reafirmando seu
compromisso com o controle da inflação, mas seus esforços foram evidentemente
sabotados pelos petistas. Galípolo, portanto, já assumirá sob desconfiança
ainda maior de que não terá independência para conduzir o Banco Central na
tarefa de fazer o que for necessário para proteger o poder de compra da moeda.
Para o PT, o Banco Central só é autônomo no papel, e olhe lá. Na prática, o
partido considera que o BC deve curvar-se à vontade de Lula da Silva, reduzindo
os juros na marra para estimular a economia, mesmo que isso signifique uma
explosão inflacionária.
Assim como Costa, Gleisi
Hoffmann também espalhou brasas onde já havia muito fogo: em postagem nas suas
redes sociais, disse que o “mercado passou semanas exigindo cortes”, elogiou o
“esforço fiscal” e “uma reforma da renda socialmente justa e fiscalmente
neutra” e creditou as reações negativas a uma “especulação contra o Brasil”.
Depois de meses promovendo ataques a Haddad, a dupla Gleisi e Lindbergh passou
a elogiá-lo publicamente, uma evidência de qual ala foi vitoriosa dentro do
governo. Se gente como Lindbergh e Gleisi gostou do pacote fiscal do governo,
então já sabemos que será ruim para o País.
O fardo da renúncia fiscal
O Estado de S. Paulo
Relatório da FGV aponta que União e Estados abdicaram de receitas equivalentes a 7,2% do PIB em 2023; benefícios tributários carecem de transparência e avaliação criteriosa de resultados
Os gastos tributários do
governo federal e dos Estados, que em 2002 representavam 2,1% do Produto
Interno Bruto (PIB), avançaram para 7,2% do PIB em 2023 e para este ano a
estimativa é de que cheguem a 6,9%, apontou estudo da Fundação Getulio Vargas
(FGV). Ou seja, no ano passado, em valores nominais, as renúncias do governo
federal e dos Estados a receitas com tributos em programas econômicos e sociais
corresponderam a R$ 784,8 bilhões. O que deixou de ser arrecadado é
contabilizado como despesa indireta, o chamado gasto tributário.
Mais importante do que a
cifra estratosférica, o levantamento da FGV sobre o aumento expressivo e
contínuo desse tipo de gasto ao longo das últimas duas décadas mostra a pouca
transparência e a falta de avaliação efetiva dos benefícios que cada gasto tributário
traz para o desenvolvimento econômico e a redução da desigualdade. A ausência
de um padrão de cálculo sobre o impacto financeiro dessas medidas faz também
com que parte delas fuja ao crivo dos órgãos de controle. Somente os gastos
tributários federais corresponderam a 4,8% do PIB no ano passado.
Buscando identificar os
principais problemas que levam à falta de transparência e dificuldade de
avaliação, os pesquisadores da FGV atestaram que os erros começam na base, com
uma confusão conceitual sobre o gasto tributário, e seguem em descompasso, sem
definição sobre a forma como esse gasto é medido e sobre as falhas de
monitoramento e governança. Detalhes sobre esses gastos federais são publicados
anualmente no Orçamento, mas várias renúncias fiscais não são incluídas na
definição de gasto tributário, o que afeta a transparência e o resultado.
Manoel Pires, coordenador do
estudo, destacou que mesmo a Receita Federal, que ele definiu como o órgão que
trabalha com maior estabilidade conceitual, usa metodologia que deixa alguns
gastos de fora, citando como exemplo o Repetro, regime aduaneiro especial para
importação e exportação de equipamentos para exploração e produção de petróleo.
Os pesquisadores da FGV
conseguiram catalogar o que, de forma geral, tem sido recorrente no País, com a
proliferação de subsídios e incentivos tentando compensar a alta e complexa
carga tributária em medidas seletivas e pouco eficientes. No caso dos Estados,
os anos de guerra fiscal, numa disputa para ver quem dava os maiores benefícios
para atrair indústrias de fora, deixaram um rastro de desequilíbrios. As
justificativas que embalam os pacotes de privilégios, em todas as esferas, são
invariavelmente as mesmas – geração de empregos, redução da pobreza e
desenvolvimento regional –, mas a aferição do alcance desses objetivos com
frequência cai no esquecimento, sem que haja quaisquer cobranças.
Os dados do relatório
evidenciam a falta de critérios objetivos e metas de desempenho e, ainda, a
falta de um órgão gestor para monitorar a política pública que criou
determinado gasto tributário. A aprovação, no ano passado, da primeira etapa da
reforma tributária, centrada no consumo, foi sem dúvida um avanço, mas o grande
número de benefícios fiscais e regimes diferenciados para alguns setores torna
mais difícil a sua execução em razão da quantidade de bens com tratamento
favorecido, que eleva a alíquota padrão. Inicialmente previsto em torno de 25%,
o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) já é estimado em 28%, um dos mais altos do
mundo.
O volume de recursos que o
governo deixa de arrecadar por causa do aumento das políticas de renúncia
tributária extrapola, e muito, os ganhos eventuais, o que indica a necessidade
de reduzir esse impacto nas contas públicas. O relatório da FGV chega à conclusão
óbvia de que o melhor caminho para atingir esse objetivo é promover uma
avaliação contínua dos efeitos desses programas para o desenvolvimento
econômico do País e para a efetiva redução da desigualdade – e obviamente ter a
coragem de cancelar os que não entregam o esperado.
O zelador de cemitérios
O Estado de S. Paulo
Dino abastarda o STF ao se
meter na concessão das necrópoles de São Paulo para fazer política
O ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Flávio Dino deferiu uma medida cautelar requerida pelo
PCdoB para que, na prática, fosse revertido o contrato de concessão da
administração dos cemitérios da cidade de São Paulo à iniciativa privada. No
dia 24 passado, Dino determinou que a Prefeitura da capital paulista
“restabeleça a comercialização e cobrança de serviços funerários, cemiteriais e
de cremação tendo como teto (grifo dele) os valores
praticados imediatamente antes da concessão (‘privatização’)”, aprovada pela
Câmara Municipal e sancionada pelo então prefeito Bruno Covas (PSDB) em 2019.
Em primeiro lugar, deve-se
sublinhar o descaso do sr. Dino com a reputação do STF, pela qual ele deveria
zelar com muito mais denodo do que esse seu suposto cuidado com a prestação de
serviços funerários em São Paulo. Ao deferir o pedido do PCdoB, partido ao qual
foi filiado por 15 anos, o ministro abastardou a Corte Suprema, imiscuindo-se
em uma política pública local que, em que pesem seus eventuais erros, passaria
longe do crivo da mais alta instância do Poder Judiciário não fosse a
banalização do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no art. 1.º,
inciso III, da Constituição, base da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) interposta pela legenda.
Em um país no qual a
qualidade dos serviços públicos prestados aos cidadãos não raro é sofrível,
para onde quer que se olhe haveria, em tese, violações daquele princípio
constitucional, ao gosto do freguês. Tudo estaria resumido à criatividade
hermenêutica dos reclamantes e/ou de seus interesses políticos de ocasião.
Agora imagine o leitor se acaso o STF passasse a se ocupar de cada uma delas.
Com sua decisão monocrática,
Dino também contribuiu sobremaneira para ampliar ainda mais a insegurança
jurídica no País. Deveria ser ocioso lembrar que, na condição de membro do STF,
o ministro deveria se ocupar justamente do contrário. É certo que não faltam
reclamações sobre a qualidade do serviço prestado e os valores praticados pelas
empresas concessionárias para realizar funerais na capital paulista.
Igualmente, é fato que o prefeito Ricardo Nunes é tíbio na fiscalização desses
contratos, problemáticos há mais tempo do que seria suportável pelos munícipes,
em particular os mais carentes. Mas o processo de concessão da gestão dos
cemitérios à iniciativa privada percorreu rigorosamente o devido rito
legislativo, desde sua proposição, passando pelos debates políticos no Poder
Legislativo municipal até a sanção do alcaide.
Dino, contudo, não perde o sono preocupado com isso. Afinal, ele foi indicado ao STF pelo presidente Lula da Silva, textualmente, não para ser um juiz, mas antes para continuar sendo o político verboso que sempre foi. E é de política que se trata aqui, não de justiça. Tanto do PCdoB, um partido que não sabe operar na democracia, pois perde no voto e recorre às barras do STF, como do ministro, que pôs a força de sua caneta a serviço de sua aversão à iniciativa privada.
Um pacote que só acumula críticas
Correio Braziliense
É preciso mais seriedade com questões tão
graves como o desequilíbrio fiscal. A União é quem deve, em primeiro lugar,
sanar as próprias contas
São muitas as falhas do pacote fiscal lançado
esta semana pelo governo Lula. Insuficiente, disperso e eleitoreiro são alguns
dos termos empregados por analistas econômicos e por agentes financeiros. Dois
dias depois de o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciar um conjunto de
medidas em rede nacional, os efeitos se aproximam do desastre. Em 48 horas, o
dólar disparou e fechou a sexta-feira com uma cotação assustadora: R$ 6. Para
quem julga que o valor da moeda norte-americana só afeta o mercado financeiro,
um aviso: a alta do dólar tem relação direta com a inflação. Impacta na
produção industrial, nos combustíveis, no preço da carne. É tudo de que o país
não precisava no momento em que a inflação teima em estourar o teto da meta.
Das muitas temeridades do pacote fiscal,
destaca-se uma que se julgava vencida: a mudança no cálculo do Fundo
Constitucional do Distrito Federal (FCDF). Está nas intenções da equipe
econômica adotar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) como critério
de reajuste do fundo, e não mais a variação da Receita Corrente Líquida da
União. Na visão de Haddad, não faria sentido um "ente federado" como
o Distrito Federal ter tratamento diferente do restante do país.
Causa espanto a inadequação desse raciocínio.
Ora, sabe-se que é notória a má vontade do governo Lula com Brasília. Uma frase
do ministro da Casa Civil, Rui Costa, em junho do ano passado, traduz essa
objeção existencial à capital federal. Eis o sincericídio de Costa: "Era
melhor (a capital) ter ficado no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas ou para a
Bahia. Para que quem fosse entrar num prédio daquele ou na Câmara dos Deputados
ou no Senado passasse numa favela, debaixo de um viaduto, com gente pedindo
comida, gente desempregada. Porque ali as pessoas vivem numa ilha ilusória,
numa bolha de fantasia", disse. Entre outras coisas, ignora o sr. Costa
que o Sol Nascente, uma das maiores favelas do país, está no Distrito Federal.
São muitos os efeitos negativos do pacote
para Brasília. Em primeiro lugar, porque a capital federal, terceira metrópole
do país, tem uma peculiaridade única: abriga os Poderes da República, bem como
as representações diplomáticas e organismos internacionais. Esse status, de
imediato, impõe à capital obrigações que passam desde a segurança à
infraestrutura. E isso custa dinheiro.
Em segundo lugar, os recursos do FCDF não
atendem apenas aos moradores de Brasília. Os serviços públicos da capital
federal também estão disponíveis para mais de 1 milhão de moradores do Entorno
do DF. É uma multidão que se desloca diariamente para a Região Metropolitana de
Brasília em busca de serviços e oportunidades. Mais uma vez, ministros de Lula,
isso tem um preço.
A inábil tesourada do governo Lula pode ter
outras graves consequências. A restrição orçamentária no Fundo de
Desenvolvimento Regional tem potencial de agravar a situação dos estados que
podem ser afetados pela Reforma Tributária. O alerta foi dado esta semana pelo
secretário de Fazenda do Mato Grosso, Rogério Gallo. "O Congresso Nacional
tem um encontro marcado com o federalismo fiscal", disse, no Senado
Federal, preocupado com o cenário que se avizinha.
Apresentado de forma intempestiva, em meio a
divergências no próprio governo, o aguardado pacote fiscal acumula problemas em
tão pouco tempo. O vice-governador de Minas, Mateus Simões (Novo), foi
contundente. Considera o plano "uma cortina de fumaça". "Cadê o
compromisso da redução dos gastos, das despesas, com corte de benefícios, com o
corte de privilégio?", questionou. "Estão falando de corte de
impostos, mas está tendo aumento. E o imposto das blusinhas, da importação? E
tudo que está ficando mais caro no Brasil?", inquiriu.
É preciso mais seriedade com questões tão graves como o desequilíbrio fiscal. A União é quem deve, em primeiro lugar, sanar as próprias contas antes de prescrever o remédio amargo para o restante do país, que não tem a prerrogativa de controlar os recursos federais.
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