Folha de S. Paulo
'Reparação histórica' como meio para
financiamento climático é receita de fracasso na COP30
À undécima hora, a COP29 fechou o acordo
sobre o financiamento climático. Os países desenvolvidos comprometeram-se com
US$ 300 bilhões anuais, três vezes mais que o compromisso anterior. Não
obtiveram aplausos: os países em desenvolvimento e os mais vulneráveis
qualificaram o valor como "pífio" e os ativistas ambientais
declararam o fracasso da COP. De fato, porém, o resultado iluminou a falência
do conceito que preside as negociações financeiras desde o Acordo de Paris
(2015).
As COPs converteram-se em teatros farsescos. A penúltima ocorreu nos Emirados Árabes e esta última, no Azerbaijão, países cujas economias assentam-se sobre o petróleo e o gás. Os tais US$ 300 bilhões, além de insuficientes para amenizar o aquecimento global e promover adaptação às mudanças climáticas, são uma miragem no deserto, pois a maior parte dos recursos emanaria de fontes incertas. Mas o núcleo do impasse é outro: a regra que só impõe pagamentos às nações desenvolvidas.
A regra deita raízes no princípio das
responsabilidades comuns mas diferenciadas, consagrado na ECO-92. O Acordo de
Paris o interpretou como isenção absoluta às economias em desenvolvimento.
A China, maior emissor mundial de gases de
estufa, com 30% do total, detentora de vastas reservas financeiras, não tem
responsabilidade de financiamento. O mesmo ocorre com a Índia, fonte de 7,4%
das emissões, situada no terceiro posto, com o Brasil (2,4%), no quinto posto,
e com grandes exportadores de petróleo com
elevada renda per capita, como Arábia Saudita e Emirados Árabes. Como explicar
aos eleitores espanhóis, portugueses, gregos ou mesmo alemães que tais países
não precisam contribuir com nenhum dólar?
A justificativa ritual investe numa versão
ambiental da ideia de "reparação histórica": "vocês fizeram a
Revolução Industrial e, portanto, devem limpar a sujeira". A Revolução
Industrial teve seu berço nos países desenvolvidos, que foram seus maiores
beneficiários, mas esculpiu todas as sociedades modernas. Só povos que vivem da
caça, pesca e coleta têm o direito de sintetizá-la como mera sujeira. As
tecnologias industriais revolucionaram os transportes, as comunicações e a
produtividade agrícola, pariram a medicina atual, geraram as vacinas. A
"Revolução Industrial deles" pertence ao domínio da caricatura
militante.
O Brasil de hoje é fruto da Revolução
Industrial. A metrópole paulistana surgiu do café, droga típica do mundo
industrial. A borracha deflagrou a expansão de Manaus, que se tornaria a
segunda maior metrópole equatorial do globo. A certidão de nascimento do PT tem
como endereço as montadoras do ABC paulista. Lula foi
torneiro mecânico nas Indústrias Villares.
A COP30,
em Belém, daqui a um ano, ocorrerá à longa sombra de Trump. A perpetuação do
discurso da "reparação histórica", que já desvia votos para partidos
europeus engajados no negacionismo climático, é receita certa de um novo
fracasso. O governo brasileiro, anfitrião do encontro, dispõe de pouco tempo
para articular uma regra sustentável de financiamento climático, com base no
PIB per capita, nas emissões per capita ou numa combinação de indicadores. A
alternativa é um intercâmbio estéril de acusações –isto é, teatro político para
entreter a audiência.
Um comentário:
Demétrio demetriando.
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