quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Haddad e o trabalho de Sísifo - Vera Magalhães

O Globo

A pedra que o ministro tenta fazer chegar ao cume de uma montanha, mas sempre rola ao ponto de partida, é o ajuste fiscal

Tal qual Zeus fez com Sísifo, de acordo com a mitologia grega, Lula parece ter condenado Fernando Haddad a um trabalho extenuante física e psicologicamente para que, toda vez que ele esteja chegando ao objetivo, começar tudo de novo. A pedra que o ministro da Fazenda tenta fazer chegar ao cume de uma montanha, mas que sempre rola ao ponto de partida, é o ajuste fiscal.

Se não fosse assim, qual o sentido de o presidente da República, horas depois de ter alta de uma intercorrência gravíssima que o levou a operar a cabeça e deixou todo o país sobressaltado, voltar a dar declarações estéreis sobre a alta dos juros, justamente no domingo que antecederia a última semana útil do ano? Lula considera que o problema de seu governo é de comunicação e está prestes a trocar o ministro responsável pela área, mas não se dá conta de que esses ruídos que causam avalanches muitas vezes partem dele próprio.

O clima em Brasília nesta terça-feira lembrava uma tirinha da Turma da Mônica tornada célebre na era dos memes de redes sociais, em que Cascão, Cebolinha, seu pai e o cachorro Floquinho perambulam desorientados com a pergunta:

— O que está acontecendo?

Ao que os demais, em pânico, respondem:

— Eu não sei.

Diante de um dólar que mais lembrava uma febre que não cedia nem diante do mais potente antibiótico e de um Congresso que insistia em fazer jogo duro mesmo depois de o governo “entregar tudo”, como confessou um palaciano, ninguém parecia ter a solução para assegurar a votação do pacote de corte de gastos sem que fosse completamente desidratado e, em seguida, a volta do câmbio a um patamar de racionalidade. A concomitância das duas crises levou integrantes do governo a entender que o mercado resolveu declarar guerra definitivamente contra o governo, para o que a fala de Lula ao Fantástico, da TV Globo, foi a gota d’água.

Da mesma maneira, a fome infinita dos deputados e senadores, mesmo depois da liberação de mais de R$ 7 bilhões em emendas e de nomeações a rodo para cargos em agências e outros postos cobiçados, levava à análise segundo a qual, assim como os instrumentos à disposição do Banco Central para regular o câmbio falharam, também na articulação política os remédios de sempre já não têm efeito.

Compreensível o inconformismo com a “chantagem” nas duas frentes, como insistem em classificar ministros, assessores e líderes governistas. Mas não será possível, sob pena de o trabalho de Sísifo se repetir indefinidamente até o fim do mandato, eximir o próprio governo de suas responsabilidades pelo quadro desnecessariamente agudo deste final de 2024.

A necessidade de um pacote que equalizasse os gastos e tornasse crível o arcabouço fiscal que o próprio Haddad desenhou e o Legislativo aprovou foi primeiramente enunciada pelo próprio ministro, ainda no curso do processo eleitoral.

Ele foi empurrado com a barriga por um Lula que fez questão de tornar a tarefa de seu ministro mais pesada, ao abrir a questão para um desgastante e infindável debate interno, em que outros ministros se agarram com unhas, dentes e declarações na imprensa aos recursos de suas pastas.

Quando finalmente, já perto das 12 badaladas, um pacote claramente aquém do esperado, mas que foi o possível de arrancar de processo tão caótico, finalmente foi ao Congresso, em vez de todos remarem na mesma direção para aprová-lo, acontece o contrário: cada um atrapalha quanto pode com pitacos, muxoxos, articulações por baixo dos panos para arrancar nacos das propostas e, finalmente, Lula vai lá e volta a dar declarações desastradas.

Se a ideia era tornar tudo mais nebuloso e muito mais caro, funcionou à perfeição. Mas, aparentemente, o governo ainda quer aprovar as propostas, como mostram vários relatos de que Haddad não sai do telefone há dias, colocando a própria pele em jogo para isso. Sem ajuda, sua tarefa não será mais bem-sucedida que a do herói mitológico com a mais inglória de todas.

 

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