O Globo
Sem compromisso republicano das lideranças do país, inclusive do setor privado, a cada dia colocamos um tijolo na parede da ingovernabilidade do Brasil
No regime presidencialista, a
responsabilidade sobre os rumos da economia recai no presidente da República.
Mesmo que os demais poderes cumpram papel relevante, cabe ao chefe do Executivo
buscar o diálogo e soluções majoritárias.
Essa equação, porém, é mais complexa no Brasil, onde o patrimonialismo é disseminado e arraigado, beneficiando muitas corporações e grupos organizados, em um contexto de elevada desigualdade social. As muitas demandas por proteção, benefícios e privilégios, inclusive de dentro da máquina estatal, batem nas portas de todos os poderes.
Quando atendidas, pesam nos cofres públicos,
comprometendo a capacidade de investimento do Executivo, enquanto não
atendê-las implica elevado custo político e até ameaça à governabilidade.
O fato de o governo atual ter abraçado a
agenda de elevação de gastos já de largada — e não em final de mandato, com
vistas à reeleição — colocou mais combustível nas demandas. Afinal, todos
tentam garantir o seu quinhão.
O quadro de polarização política extrema é
sério agravante na construção de apoio político para avançar com reformas e
evitar pautas-bombas. Ainda mais com Lula fazendo parte da divisão, o que, de
quebra, impõe um teto à aprovação de seu governo.
Com magras taxas de aprovação (avaliação
bom/ótimo em 35% em dezembro, segundo o Datafolha, é comparável à de Bolsonaro
em 2020), o presidente exibe modesto capital político, inclusive com
questionamentos à viabilidade de sua reeleição. E aqui vale a máxima: a força
de um político está associada à perspectiva futura de poder.
Com a fraqueza do governo, muitos grupos
aproveitam as fissuras abertas para preservar o status quo. A lista de más
notícias só faz crescer. Vale citar algumas recentes.
A Reforma Tributária foi mais uma vez
desidratada pelo Senado. Novamente, vários itens foram equivocadamente
incluídos nos regimes diferenciados de tributação, elevando a alíquota-padrão.
A Câmara retirou alguns dos excessos do Senado.
Ainda assim, o balanço final é desfavorável
aos mais pobres, pois são mais impactados pela alíquota-padrão e a maioria dos
itens com menor tributação não está na sua cesta de consumo.
Os jabutis do setor elétrico são outro
exemplo. No projeto de lei que regulamenta a produção de energia eólica em
alto-mar, o Senado ampliou os benefícios da geração solar de pequenas centrais.
A fatura vai para o bolso do consumidor, reforçando o lema do país com baixo
custo de geração de energia, mas com tarifa elevada.
O projeto de lei de renegociação das dívidas
de estados com a União, de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, é
mais um a premiar más gestões e a desestimular reformas estruturais nos entes.
Os juros da dívida são reduzidos e os
pagamentos postergados, sem uma contrapartida de ajuste fiscal, enquanto se
abre espaço para aumentar gastos. Estados ricos, mais endividados, são os mais
beneficiados.
Tem ainda os seguidos penduricalhos do
Judiciário, que escapam do teto do funcionalismo (R$ 44 mil em 2024). São
benefícios de todo tipo que engrossam as remunerações, sem sofrerem a
incidência de impostos.
O pacote fiscal do atual governo, ainda que
propondo mudanças em poucos itens, tem o mérito de reconhecer que somos um país
onde corte de despesas é praticamente impossível, pois os grupos impactados
reagem, sendo mais razoável adotar mudanças graduais. Ainda assim, o vento
contra é forte, sendo a liberação de emendas parlamentares a moeda de troca.
Esse quadro não é de hoje. Vale relembrar que
o ex-ministro Paulo Guedes passou maus bocados. A Reforma da Previdência
precisou poupar alguns segmentos, como militares e o funcionalismo de estados e
municípios. Depois vieram gastos excessivos na pandemia, que resultaram em
volta mais rápida da inflação, e os furos no teto de gastos.
O próprio presidente era contra as reformas
pretendidas por Guedes, que defendia medidas extremas, inviáveis politicamente.
As consequências não foram mais graves porque a arrecadação batia recordes,
inclusive impulsionada pela elevada inflação ao produtor.
O presidente pode menos do que se imagina.
Sem autocontenção e compromisso republicano das lideranças do país, inclusive
do setor privado, seguiremos colocando a cada dia um tijolo na parede da
ingovernabilidade do Brasil, quem quer que seja o próximo presidente.
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