quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

No rumo da dominância fiscal - Lu Aiko Otta

Valor Econômico

Parece que os instrumentos usados pelo governo para debelar a crise não estão funcionando como o esperado

No jogo eletrônico Minecraft existe uma dimensão chamada “Mundo do End”. Lá, não há dia nem noite. Relógios e bússolas não funcionam. Para sair desse mundo, é preciso derrotar um dragão.

Parece que é para lá que estamos indo, a julgar pelo comportamento do dólar na manhã desta terça-feira: atingiu a máxima histórica de R$ 6,20, apesar de o Banco Central haver despejado US$ 1,272 bilhão no mercado. Uma segunda intervenção, de US$ 2,015 bilhões, colocou a cotação na casa de US$ 6,07.

A pancada que o Comitê de Política Monetária (Copom) deu nos juros na semana passada e a ata igualmente dura divulgada ontem não conseguiram conter a alta da moeda norte-americana.

Parece que os instrumentos usados pelo governo para debelar a crise, na forma de mais juros e leilões de dólar, não estão funcionando como o esperado. Motivo apontado por agentes de mercado: incerteza quanto ao futuro da dívida pública brasileira.

Assim, a pergunta que surge é se estamos em um quadro de dominância fiscal. Segundo descreve Pedro Jucá Maciel, ex-subsecretário do Tesouro Nacional em um texto intitulado “O Copom e a Dominância Fiscal”, é um quadro em que a política monetária (subida ou queda dos juros) não consegue mais reduzir a inflação pelos canais tradicionais (impactos no crédito, no câmbio e nas expectativas).

“Em uma situação na qual o nível de endividamento é elevado, há alto custo de carregamento e as contas públicas não estão equilibradas, o aumento da taxa de juros pode elevar a probabilidade de default da dívida pública, tornar o mercado de títulos menos atrativo ao investidor estrangeiro ou local, causar depreciação cambial e pressão inflacionária”, explica. “Nessa circunstância, a política fiscal (e não a política monetária) é o melhor instrumento para controlar a inflação por meio da redução das despesas públicas.”

Um trabalho de Olivier Blanchard, do Fundo Monetário Internacional (FMI), diz que o Brasil viveu esse quadro em meio às incertezas eleitorais de 2002-2003. Na época, a perspectiva de eleição de Luiz Inácio Lula da Silva colocou o mercado em polvorosa. A coisa acalmou quando veio um ajuste fiscal rigoroso.

“Estamos rapidamente caminhando para isso [dominância fiscal]”, comenta o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. “O BC [Banco Central] está sinalizando agressividade na política monetária, mas não está adiantando do ponto de vista de expectativa cambial e inflacionária.”

Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, vê o país “praticamente” em um cenário de dominância fiscal. “Tem como reverter, mas o governo parece que ainda não entendeu a gravidade da crise de confiança”, acrescenta.

 

“Acho que estamos na trajetória de entrarmos em dominância, mas ainda não nela especificamente”, concorda o economista-chefe da AZ Quest, Alexandre Manoel.

Fernando Montero, economista-chefe da Tullett Prebon Brasil, acha que a dominância está “muito distante”, mas vê um “cabo de guerra” entre a economia com bons resultados e a política fiscal decepcionante. Um choque fiscal, diz, teria poupado o país do choque monetário decidido pelo Copom.

Na visão de Vale, há grande chance de o cenário negativo se consolidar ainda no atual mandato de Lula. “Dado que o governo não entendeu o risco fiscal que vivemos hoje, há grande chance de entrarmos em dominância nos próximos dois anos.” Assim, haverá grande expectativa para um ajuste fiscal “agressivo” em 2027, avalia.

Se o atual quadro não for desmontado, dificilmente haverá boas notícias na economia daqui até as eleições de 2026.

A alta de um ponto na taxa de juros básica da economia e a indicação de que virão mais dois aumentos na mesma magnitude colocam os juros em 14,25% no ano que vem. “O resultado líquido dessa elevação da Selic quer dizer necessariamente uma recessão”, afirmou o economista André Perfeito.

A ata da reunião do Copom não vai tão longe, mas deixa claro que vem aí um tranco, ao registrar que “desacelerações são parte essencial do processo de suavização e reequilíbrio da economia”.

“Minha esperança é que a economia embalada pela demanda e massa salarial em alta tenha quantidade de movimento suficiente para subir a ladeira da curva de juros, que está mais inclinada”, diz Perfeito.

Montero também chama a atenção para o bom estado da economia brasileira. É, na sua leitura, o que diferencia o terceiro mandato de Lula da era Dilma Rousseff. Embora haja uma preocupante semelhança nas trajetórias das contas públicas, a economia privada surpreende pelo bom desempenho, pontua. Por esse motivo, ele considera descabidas as comparações que já começam a ser feitas.

Há no mercado quem avalie que os 14,25% já sinalizados pelo Copom são piso para os juros no ano que vem. Eis o cenário que aguarda o início do mandato do “menino de ouro” Gabriel Galípolo à frente do Banco Central. Se o Lula realmente acha que os juros são a única coisa fora do lugar na economia, seu humor vai piorar. Mas esse pode nem ser o maior de seus problemas.

 

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