Valor Econômico
Dúvida é se nova estrutura será capaz de romper os limites impostos pelos arranjos locais entre o crime e o Estado em um ano eleitoral
O “Consórcio da Paz” é uma ideia capenga do ponto de vista operacional, mas uma bela jogada de marketing, como o próprio governador do Rio, Cláudio Castro, reconheceu, ao agradecer o nome de batismo ao governador Jorginho Mello (SC). Busca contemplar a fatia do eleitorado que mantém alguma capacidade de se comover com as famílias de 121 pessoas mortas e se contrapõe ao “Escritório Emergencial de Combate ao Crime Organizado” anunciado pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, ao lado de Castro, na véspera. Na jogada pretendida pelos governadores de direita, eles cuidam da paz, e o escritório, anunciado por um governo de esquerda, cuida do crime.
O escritório foi anunciado para dar uma
satisfação à cobrança sobre o governo federal, que não quer GLO e ainda custa a
emplacar a PEC da Segurança, apesar de o substitutivo do relator, deputado
Mendonça Filho (União-PE), ter ganho ontem uma data para ser apresentado, 4 de
dezembro. A estrutura anunciada, a ser comandada pelos secretários de Segurança
Pública do Rio, Victor Santos, e Nacional, Mario Sarrubbo, é apenas um outro
nome para o que já existe, o Comitê de Inteligência Financeira e Recuperação de
Ativos, integrado por agentes públicos dos dois governos, exatamente como fará
o recém-criado escritório.
De onde, realmente, pode vir alguma mudança
sobre o combate ao crime do Rio - que venha a se utilizar da estrutura desse
escritório com seu efetivo ampliado - é neste inquérito a ser aberto pela
Polícia Federal para investigar as atividades econômicas nas quais o crime
organizado está envolvido. A ideia é reproduzir o que foi feito com a Carbono
Oculto, operação que resultou na identificação da cadeia de lavagem de dinheiro
do PCC em postos de combustíveis, hotéis e imobiliárias por meio de fintechs.
A ideia é avançar para além do tráfico de
drogas e da fabricação e comercialização de armas e bloquear a cadeia de
lavagem de dinheiro dominada pelo Comando Vermelho no Rio. Atividades como a
venda de gás, internet, energia elétrica, combustível, transporte de vans,
mototáxi, imobiliárias e taxas de segurança cobradas de comerciantes, cujo
combate e fiscalização são de atribuição das polícias locais, seguem, em grande
parte, intocadas.
As dificuldades de reproduzir no Rio o que
foi feito em São Paulo com a Carbono Oculto se devem ao fato de que a
colaboração entre polícias, procuradores e Fazenda, federais e paulistas
emplacou, a despeito das resistências. Em São Paulo, a atuação do Ministério
Público do Estado, fundamental para aquela operação, foi facilitada pela posse
de Sarrubo, ex-chefe da instituição, na Secretaria Nacional de Segurança
Pública em 2024.
Um exemplo dessa dificuldade de integração
pode ser encontrado na Refit. Foi o cerco da Secretaria da Fazenda de São Paulo
que levou a Refit a se transformar num dos principais alvos da Carbono Oculto.
A refinaria, a oito quilômetros do Complexo da Penha, no Rio, deve R$ 8,6
bilhões de ICMS a São Paulo e R$ 13 bilhões ao Rio. São Paulo não abriu mão da
dívida, mas o Rio fez um acordo, que levou à troca do secretário de Fazenda do
Estado em janeiro deste ano.
Sob a alegação de que as parcelas desta
dívida estavam em aberto, o governo do Rio foi ao Superior Tribunal de Justiça
para contestar a interdição da Refit decretada pela Agência Nacional de
Petróleo em função dos achados da Carbono Oculto. Na terça-feira, o presidente
da corte, ministro Herman Benjamin, manteve a interdição.
A pressão sobre o Palácio da Guanabara tende
a aumentar na segunda-feira, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal,
Alexandre de Moraes, desembarca no Rio na condição de relator da ADPF 635 para
uma audiência pública com a presença de Castro e o presidente do Tribunal de
Justiça, o procurador-geral de Justiça e o defensor-público do Estado. As
autoridades serão questionadas sobre a adequação da operação policial às
determinações daquela ação, que impôs limites a ocorrências do gênero. Nesta
quinta, o governador do Rio, que já tinha chamado esta ADPF de “maldita”,
saudou o julgamento que o STF dela fez e mostrou-se deferente à corte.

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