sexta-feira, 31 de outubro de 2025

O escritório e o consórcio com os sinais trocados no Rio, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Dúvida é se nova estrutura será capaz de romper os limites impostos pelos arranjos locais entre o crime e o Estado em um ano eleitoral

O “Consórcio da Paz” é uma ideia capenga do ponto de vista operacional, mas uma bela jogada de marketing, como o próprio governador do Rio, Cláudio Castro, reconheceu, ao agradecer o nome de batismo ao governador Jorginho Mello (SC). Busca contemplar a fatia do eleitorado que mantém alguma capacidade de se comover com as famílias de 121 pessoas mortas e se contrapõe ao “Escritório Emergencial de Combate ao Crime Organizado” anunciado pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, ao lado de Castro, na véspera. Na jogada pretendida pelos governadores de direita, eles cuidam da paz, e o escritório, anunciado por um governo de esquerda, cuida do crime.

O escritório foi anunciado para dar uma satisfação à cobrança sobre o governo federal, que não quer GLO e ainda custa a emplacar a PEC da Segurança, apesar de o substitutivo do relator, deputado Mendonça Filho (União-PE), ter ganho ontem uma data para ser apresentado, 4 de dezembro. A estrutura anunciada, a ser comandada pelos secretários de Segurança Pública do Rio, Victor Santos, e Nacional, Mario Sarrubbo, é apenas um outro nome para o que já existe, o Comitê de Inteligência Financeira e Recuperação de Ativos, integrado por agentes públicos dos dois governos, exatamente como fará o recém-criado escritório.

De onde, realmente, pode vir alguma mudança sobre o combate ao crime do Rio - que venha a se utilizar da estrutura desse escritório com seu efetivo ampliado - é neste inquérito a ser aberto pela Polícia Federal para investigar as atividades econômicas nas quais o crime organizado está envolvido. A ideia é reproduzir o que foi feito com a Carbono Oculto, operação que resultou na identificação da cadeia de lavagem de dinheiro do PCC em postos de combustíveis, hotéis e imobiliárias por meio de fintechs.

A ideia é avançar para além do tráfico de drogas e da fabricação e comercialização de armas e bloquear a cadeia de lavagem de dinheiro dominada pelo Comando Vermelho no Rio. Atividades como a venda de gás, internet, energia elétrica, combustível, transporte de vans, mototáxi, imobiliárias e taxas de segurança cobradas de comerciantes, cujo combate e fiscalização são de atribuição das polícias locais, seguem, em grande parte, intocadas.

As dificuldades de reproduzir no Rio o que foi feito em São Paulo com a Carbono Oculto se devem ao fato de que a colaboração entre polícias, procuradores e Fazenda, federais e paulistas emplacou, a despeito das resistências. Em São Paulo, a atuação do Ministério Público do Estado, fundamental para aquela operação, foi facilitada pela posse de Sarrubo, ex-chefe da instituição, na Secretaria Nacional de Segurança Pública em 2024.

Um exemplo dessa dificuldade de integração pode ser encontrado na Refit. Foi o cerco da Secretaria da Fazenda de São Paulo que levou a Refit a se transformar num dos principais alvos da Carbono Oculto. A refinaria, a oito quilômetros do Complexo da Penha, no Rio, deve R$ 8,6 bilhões de ICMS a São Paulo e R$ 13 bilhões ao Rio. São Paulo não abriu mão da dívida, mas o Rio fez um acordo, que levou à troca do secretário de Fazenda do Estado em janeiro deste ano.

Sob a alegação de que as parcelas desta dívida estavam em aberto, o governo do Rio foi ao Superior Tribunal de Justiça para contestar a interdição da Refit decretada pela Agência Nacional de Petróleo em função dos achados da Carbono Oculto. Na terça-feira, o presidente da corte, ministro Herman Benjamin, manteve a interdição.

A pressão sobre o Palácio da Guanabara tende a aumentar na segunda-feira, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, desembarca no Rio na condição de relator da ADPF 635 para uma audiência pública com a presença de Castro e o presidente do Tribunal de Justiça, o procurador-geral de Justiça e o defensor-público do Estado. As autoridades serão questionadas sobre a adequação da operação policial às determinações daquela ação, que impôs limites a ocorrências do gênero. Nesta quinta, o governador do Rio, que já tinha chamado esta ADPF de “maldita”, saudou o julgamento que o STF dela fez e mostrou-se deferente à corte.

 

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