Valor Econômico
O risco de o ano legislativo acabar sem votação do projeto que detalha a parte administrativa da reforma tributária está no radar do governo
Homem de hábitos refinados, Ary Oswaldo
Mattos Filho soltava um raro e envergonhado palavrão, dos brandos, quando
falava sobre o destino da reforma tributária que elaborou, a primeira
pós-Constituição de 1988. O trabalho estava na reta final quando o então
presidente da República, Fernando Collor, renunciou para escapar do
impeachment. Era dezembro de 1992. Como se sabe, a reforma não andou.
Quatro anos atrás, quando a reforma
tributária dava sinais de que poderia finalmente decolar, a coluna quis saber a
opinião de Mattos Filho. Ele estava pessimista quanto ao andamento daquela
proposta, como de outras reformas econômicas.
“É o presidente errado, com a maioria errada no Congresso, e com uma percepção errada de que só mexendo do lado da receita a coisa anda”, afirmou.
Na época, o então chefe da área econômica,
Paulo Guedes, trabalhava para criar um tributo sobre transações. A ideia,
porém, foi interditada pelo então presidente Jair Bolsonaro, inimigo histórico
da antiga Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF).
Aprovar a reforma do sistema tributário seria
importante, mas não suficiente, avaliou Ary Oswaldo na conversa com a coluna.
“Se você não mexer nas despesas, a receita sempre vai ficar correndo atrás
delas, sempre faltando dinheiro para investimento.” A proposta que elaborou
tratava dos dois lados: receitas e despesas.
Reformar a estrutura de despesas, porém, não
era tarefa para um governo como o de Jair Bolsonaro, com base parlamentar
frágil, avaliou na entrevista. Na sua visão, mudanças “fortes”, como as reformas
tributária, administrativa e a que altera a estrutura das transferências de
recursos da União para Estados e municípios, só passariam no Congresso no
início de governos eleitos com ampla maioria e com base parlamentar sólida.
Ary Oswaldo morreu na última segunda-feira
(1º), aos 85 anos. Após deixar o governo, no início dos anos 1990, fundou um
escritório que leva seu nome e que se tornou um dos maiores do país. Depois,
dedicou-se de forma integral à Escola de Direito da FGV em São Paulo, que fundou
e dirigiu.
De quando ele falou com a coluna, a grande
mudança de cenário foi a aprovação da reforma tributária, em 2023. Não a
sonhada, mas a “possível”, como definem seus formuladores. Ficou com mais
exceções do que desejavam, o que reflete o tamanho da base parlamentar do
governo.
O novo sistema entrará em fase de testes
daqui a 31 dias e não tem base legal completa. Já foi aprovado pelo Senado
Federal o Projeto de Lei Complementar (PLP) 108, que detalha a parte
administrativa da reforma tributária. O texto ainda precisa, no entanto, ser
votado pela Câmara dos Deputados. Os trabalhos parlamentares se encerram no dia
22.
O risco de o ano legislativo acabar sem
votação do PLP 108 está no radar do governo.
A avaliação que Ary Oswaldo fez sobre as
despesas, porém, não poderia ser mais atual. O crescimento dos gastos
obrigatórios do governo segue como o principal desafio para as contas públicas,
comprimindo o espaço para investimentos. No ano passado, a área econômica
elaborou propostas para promover um ajuste pelo lado dos gastos. Essas foram
desidratadas, em primeiro lugar, pelo próprio governo. O que restou seguiu para
o Congresso, onde foram novamente podadas.
Agora, especialistas em contas públicas dizem
ser inevitável ao próximo governo, qualquer que seja ele, promover um ajuste
pelo lado das despesas. A dúvida, além do empenho do próprio governo, é o
envolvimento do Congresso Nacional com essas pautas impopulares.
Em sua passagem por Brasília, Ary Oswaldo se
dedicou a pautas voltadas à modernização da economia brasileira. Seu primeiro
posto, em 1990, foi o de presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Assumiu quando o mercado acionário tentava se recuperar da crise provocada pelo
investidor Naji Nahas, em 1989. Foram operações a descoberto e manipulação de
mercado de tal monta que a bolsa do Rio de Janeiro, então sua base, não se
recuperou.
Em seguida, Ary Oswaldo chefiou o grupo que
elaborou a proposta de reforma tributária.
Ele contou à coluna que, após a renúncia de
Collor, pediu audiência ao novo presidente, Itamar Franco. Foi ao Planalto
acompanhado pelo economista Sergio Werlang, então integrante de sua equipe. Na
conversa, expôs a proposta de reforma tributária e disse que faltava elaborar
um levantamento sobre incentivos fiscais praticados por países concorrentes do
Brasil.
Itamar ouviu e comentou com o ministro da
Justiça, Maurício Corrêa, presente à reunião, que se orgulhava de não possuir
um passaporte. Porque considerava besteira comparação com outros países.
Itamar era conhecido por sua personalidade
geniosa. Corrêa integrava um grupo de assessores mais próximos, que na época
ficou conhecido como “República do Pão de Queijo”.
Naquela conversa, ficou claro que a
eliminação de incentivos fiscais ineficientes, que integraria a proposta, não teria
apoio do presidente.
“Vamos embora de Brasília”, disse Mattos
Filho a Werlang após a audiência. “Estamos na festa errada, na hora errada e
com a roupa errada.”

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