quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Ary Oswaldo, Itamar e a festa errada, por Lu Aiko Otta

Valor Econômico

O risco de o ano legislativo acabar sem votação do projeto que detalha a parte administrativa da reforma tributária está no radar do governo

Homem de hábitos refinados, Ary Oswaldo Mattos Filho soltava um raro e envergonhado palavrão, dos brandos, quando falava sobre o destino da reforma tributária que elaborou, a primeira pós-Constituição de 1988. O trabalho estava na reta final quando o então presidente da República, Fernando Collor, renunciou para escapar do impeachment. Era dezembro de 1992. Como se sabe, a reforma não andou.

Quatro anos atrás, quando a reforma tributária dava sinais de que poderia finalmente decolar, a coluna quis saber a opinião de Mattos Filho. Ele estava pessimista quanto ao andamento daquela proposta, como de outras reformas econômicas.

“É o presidente errado, com a maioria errada no Congresso, e com uma percepção errada de que só mexendo do lado da receita a coisa anda”, afirmou.

Na época, o então chefe da área econômica, Paulo Guedes, trabalhava para criar um tributo sobre transações. A ideia, porém, foi interditada pelo então presidente Jair Bolsonaro, inimigo histórico da antiga Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF).

Aprovar a reforma do sistema tributário seria importante, mas não suficiente, avaliou Ary Oswaldo na conversa com a coluna. “Se você não mexer nas despesas, a receita sempre vai ficar correndo atrás delas, sempre faltando dinheiro para investimento.” A proposta que elaborou tratava dos dois lados: receitas e despesas.

Reformar a estrutura de despesas, porém, não era tarefa para um governo como o de Jair Bolsonaro, com base parlamentar frágil, avaliou na entrevista. Na sua visão, mudanças “fortes”, como as reformas tributária, administrativa e a que altera a estrutura das transferências de recursos da União para Estados e municípios, só passariam no Congresso no início de governos eleitos com ampla maioria e com base parlamentar sólida.

Ary Oswaldo morreu na última segunda-feira (1º), aos 85 anos. Após deixar o governo, no início dos anos 1990, fundou um escritório que leva seu nome e que se tornou um dos maiores do país. Depois, dedicou-se de forma integral à Escola de Direito da FGV em São Paulo, que fundou e dirigiu.

De quando ele falou com a coluna, a grande mudança de cenário foi a aprovação da reforma tributária, em 2023. Não a sonhada, mas a “possível”, como definem seus formuladores. Ficou com mais exceções do que desejavam, o que reflete o tamanho da base parlamentar do governo.

O novo sistema entrará em fase de testes daqui a 31 dias e não tem base legal completa. Já foi aprovado pelo Senado Federal o Projeto de Lei Complementar (PLP) 108, que detalha a parte administrativa da reforma tributária. O texto ainda precisa, no entanto, ser votado pela Câmara dos Deputados. Os trabalhos parlamentares se encerram no dia 22.

O risco de o ano legislativo acabar sem votação do PLP 108 está no radar do governo.

A avaliação que Ary Oswaldo fez sobre as despesas, porém, não poderia ser mais atual. O crescimento dos gastos obrigatórios do governo segue como o principal desafio para as contas públicas, comprimindo o espaço para investimentos. No ano passado, a área econômica elaborou propostas para promover um ajuste pelo lado dos gastos. Essas foram desidratadas, em primeiro lugar, pelo próprio governo. O que restou seguiu para o Congresso, onde foram novamente podadas.

Agora, especialistas em contas públicas dizem ser inevitável ao próximo governo, qualquer que seja ele, promover um ajuste pelo lado das despesas. A dúvida, além do empenho do próprio governo, é o envolvimento do Congresso Nacional com essas pautas impopulares.

Em sua passagem por Brasília, Ary Oswaldo se dedicou a pautas voltadas à modernização da economia brasileira. Seu primeiro posto, em 1990, foi o de presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Assumiu quando o mercado acionário tentava se recuperar da crise provocada pelo investidor Naji Nahas, em 1989. Foram operações a descoberto e manipulação de mercado de tal monta que a bolsa do Rio de Janeiro, então sua base, não se recuperou.

Em seguida, Ary Oswaldo chefiou o grupo que elaborou a proposta de reforma tributária.

Ele contou à coluna que, após a renúncia de Collor, pediu audiência ao novo presidente, Itamar Franco. Foi ao Planalto acompanhado pelo economista Sergio Werlang, então integrante de sua equipe. Na conversa, expôs a proposta de reforma tributária e disse que faltava elaborar um levantamento sobre incentivos fiscais praticados por países concorrentes do Brasil.

Itamar ouviu e comentou com o ministro da Justiça, Maurício Corrêa, presente à reunião, que se orgulhava de não possuir um passaporte. Porque considerava besteira comparação com outros países.

Itamar era conhecido por sua personalidade geniosa. Corrêa integrava um grupo de assessores mais próximos, que na época ficou conhecido como “República do Pão de Queijo”.

Naquela conversa, ficou claro que a eliminação de incentivos fiscais ineficientes, que integraria a proposta, não teria apoio do presidente.

“Vamos embora de Brasília”, disse Mattos Filho a Werlang após a audiência. “Estamos na festa errada, na hora errada e com a roupa errada.”

 

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