quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Ninguém fala para o eleitor não polarizado, por Vera Magalhães

O Globo

Derrapadas do bolsonarismo e de Lula têm tudo para afugentar o contingente decisivo de eleitores ainda em disputa

Falta menos de um ano para a eleição presidencial, e um livro lançado nesta terça-feira mostra que existem mais matizes no eleitorado brasileiro do que o termo polarização permite enxergar — e nenhum dos dois lados hegemônicos da política brasileira tem sido eficaz em falar com os grupos ainda não fidelizados. Pelo contrário: as recentes derrapadas de Lula e do bolsonarismo, a maioria delas provocada por barbeiragens próprias, têm tudo para afugentar o decisivo contingente de eleitores ainda em disputa.

Em “Brasil no espelho”, livro do cientista político Felipe Nunes que reúne as conclusões da maior pesquisa já feita pela Quaest para entender as ideias, os valores e as crenças dos brasileiros, fica mais nítida a divisão social do país — e, com isso, também a inclinação política de cada um dos grupos mais expressivos. A pesquisa classifica os brasileiros em conservadores cristãos (27% do total), dependentes do Estado (23%), ligados ao agro (13%), progressistas (11%), militantes de esquerda (7%), empresários (6%), liberais sociais (5%), empreendedores individuais (5%) e a extrema direita (3%).

São mais propensos a votar em candidatos bolsonaristas, ou de direita, os conservadores cristãos, os que atuam no agro, a extrema direita e a maior parte do grupo dos empresários. Na outra ponta, Lula tem de largada o voto dos dependentes do Estado, dos militantes de esquerda e dos progressistas. Estão em disputa os votos dos liberais sociais, dos empreendedores individuais e, a meu ver, dos empresários, devido a fatores recentes.

E o que os dois lados têm falado para captar a atenção, a confiança e, em seguida, o voto desses segmentos menos ruidosos e cristalizados? Ultimamente, não só não apresentam nada consistente, como têm procedido de forma a só causar confusão e angariar rejeição.

Lula tinha em mente atrair os empreendedores individuais, grupo que inclui entregadores, motoristas de aplicativos e donos de pequenos empreendimentos, como salões de beleza na garagem de casa, comércios on-line ou informais, por meio da nomeação de Guilherme Boulos para uma pasta no Palácio do Planalto. Demorou meses para efetivar a escolha, e o ano vai terminando sem que nada de palpável tenha sido mostrado.

Com a escolha de Jorge Messias para o STF sem consultar o Senado, Lula mergulhou numa crise congressual justamente quando a Casa precisaria votar o Projeto de Lei antifacções, a bandeira que teria para mostrar estar atento ao tema da segurança pública, muito importante para esse eleitor ainda em disputa, que tem como característica importante viver nos grandes centros urbanos.

Nem sua bem-sucedida ação para desarmar a bomba do tarifaço, provocada por Eduardo Bolsonaro, Lula vem conseguindo usar para conquistar uma fatia do empresariado que claramente se assustou com a bagunça no campo da direita demonstrada pelo furdunço da família Bolsonaro e pela tresloucada investida de Jair contra a tornozeleira eletrônica — para não falar na falta de definição sobre o candidato que empunhará a bandeira da direita, se é que será apenas um.

Ao se perder numa guerra infindável com Câmara e Senado, Lula vai queimando o pequeno capital político que parecia ter angariado com a aprovação da reforma do Imposto de Renda e com a aproximação antes improvável de Donald Trump.

Falta foco ao presidente, que apostou numa cozinha do Planalto 100% petista, sem interlocução com o Congresso, o que é um fator de desânimo aos grupos não-polarizados da pesquisa, principalmente os sociais-liberais, que foram essenciais para a vitória por pequena margem de Lula sobre Bolsonaro em 2022 e agora não se sentem representados no governo.

A sorte de Lula não está em seus acertos, mas no completo desmantelamento do bolsonarismo tão logo o capitão saiu de cena, mostrando que o movimento é mais fraco do que se supunha. Essa tibieza fica evidente nos movimentos primários dos filhos e da mulher do ex-presidente, antes apontados até como possíveis presidenciáveis — o que, por si só, já mostra a falta de noção de realidade.

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