O Globo
O domínio de tecnologias críticas é decisivo para reduzir a dependência externa em setores estratégicos
O conceito de soberania evolui
historicamente. Frequentemente, está associado ao controle do território, à
capacidade militar e à autodeterminação política. Entretanto, no século XXI, a
soberania não é garantida apenas com fronteiras bem protegidas, nem com a
afirmação da personalidade independente do Estado, de sua autoridade plena e
governo próprio. Em tempos de interdependência global e rápidas transformações
científicas, a verdadeira soberania de uma nação depende, cada vez mais,
da educação,
da ciência, da tecnologia e da inovação.
O domínio de tecnologias críticas é decisivo para reduzir a dependência externa em setores estratégicos como saúde, energia, defesa e agricultura. Durante a pandemia de Covid-19, o mundo presenciou episódios que demonstraram de maneira cabal essa vulnerabilidade.
Na saúde, a dependência de insumos
farmacêuticos ativos (IFAs) — fundamentais para a produção de imunizantes e
medicamentos — mostrou quanto o país precisa fortalecer sua base científica e
produtiva. Nesse contexto, instituições como a Fiocruz e
o Instituto
Butantan cumprem papel crucial para a soberania sanitária e
tecnológica do Brasil. A vacina da
dengue do Butantan, a primeira do mundo em dose única, é um claro exemplo do
que a ciência brasileira pode produzir.
A defesa nacional também passa pela ciência.
Dessa forma, o monitoramento por satélite da Amazônia e do Atlântico Sul, as
questões de cibersegurança e o domínio da inteligência artificial são
expressões modernas de proteção e autonomia. Além disso, a exploração de
petróleo em águas profundas e ultraprofundas feita pela Petrobras, em
parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e outros centros
de pesquisa, é outro exemplo de como o conhecimento científico garante
independência e desenvolvimento.
A inovação é o motor da soberania e do
crescimento econômico. A trajetória da Embrapa transformou o Brasil em potência
agrícola ao adaptar tecnologias às condições tropicais — um feito da
inteligência nacional. E há um vasto campo de oportunidades: o país abriga a
maior biodiversidade do planeta e possui reservas minerais e energéticas
estratégicas. Usar esses recursos de forma soberana e sustentável exige
pesquisa avançada em bioeconomia, biotecnologia e energias renováveis, além do
combate à biopirataria.
Nenhum país será soberano se não formar seu
próprio capital humano. A soberania intelectual depende da educação e da
pesquisa. Atualmente, as universidades e os institutos públicos respondem por
mais de 90% da ciência produzida no Brasil. São eles que, além de gerar e
difundir conhecimento, formam cidadãos críticos e constroem a identidade
científica e cultural do país.
A soberania brasileira no século XXI não se
mensura somente por fronteiras ou exércitos, mas pela capacidade de produzir
conhecimento e inovação. Experiências como as da Embrapa, da Petrobras, da
Fiocruz e do Instituto Butantan demonstram que investir em educação, ciência,
tecnologia e inovação é investir na soberania nacional. Um país que não domine
o conhecimento ficará dependente do saber de outrem. Jamais será plenamente
livre.
*Roberto Medronho é reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro

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