Por O Globo
Rigor é essencial ao regular uso de IA nas eleições
TSE precisa aumentar vigilância sobre
tecnologias que disseminam mentiras de forma cada vez mais verossímil
Os avanços e o barateamento das ferramentas de inteligência artificial (IA) despertam a cada dia mais preocupação. São impressionantes os vídeos, imagens e áudio sintéticos. Eles se tornaram perfeitamente verossímeis e estão ao alcance de qualquer um munido de ferramentas digitais simples. De tão bem feitos, fica difícil determinar se são mensagens fraudulentas ou fidedignas. É enorme o potencial para abuso, desinformação e crimes eleitorais, com dano evidente à democracia. À medida que a eleição se aproxima, a situação só tende a piorar. Por isso o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), órgão regulador das eleições, precisa aumentar a vigilância e o rigor.
A eleição argentina de 2023 foi a primeira a
tornar evidentes os riscos. Tanto a campanha do vencedor Javier Milei quanto a
do peronista derrotado Sergio Massa reconheceram ter usado ferramentas de IA
para propaganda, simulando declarações e imagens do adversário que não
existiram. No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente
Jair Bolsonaro são os principais alvos de conteúdos gerados por IA, segundo
levantamento feito pelo Observatório IA nas Eleições, parceria da Data Privacy
Brasil e do Aláfia Lab. Como mostrou
reportagem do GLOBO, foram registrados 285 usos de IA em conteúdo
sobre política de janeiro a novembro. Seis em dez tinham alegações ou cenas
falsas.
Depois da prisão de Bolsonaro, uma imagem
publicada numa rede social mostrava a Avenida Paulista, em São Paulo, tomada de
manifestantes com bandeiras do Brasil enfileiradas ao centro pedindo apoio ao
“capitão”. Em material produzido pelo PT, um homem parecido com o ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes colocava tornozeleira
eletrônica em Bolsonaro. Uma produção do PL mostrava uma caricatura digital do
presidente Lula com cara de ódio. Todas as produções foram feitas com IA — e
todas são mentirosas.
Nas eleições municipais de 2024, o TSE impôs
normas específicas destinadas a restringir o uso de IA e a desinformação nas
campanhas. Ficou definido que as plataformas digitais teriam de remover
conteúdos “sabidamente inverídicos”, mesmo sem decisão judicial prévia. Vídeos
e áudios atribuindo a candidatos o que não disseram ou não fizeram — conhecidos
como deepfake — também foram proibidos. O uso de robôs para intermediar contato
com eleitores foi banido. Passou a ser obrigatório informar os eleitores de forma
“explícita” quando houver conteúdo gerado por IA na propaganda eleitoral.
Pode, é verdade, haver usos justificáveis. Um
vídeo sobre a Amazônia pode contar com imagens aéreas artificiais da floresta
porque na região há milhares de árvores. Não é mentira e não há risco de
enganar o público. Mas a mesma tecnologia pode ser usada para falsificar a
quantidade de apoiadores ou seu nível de engajamento num comício. Por isso é
preferível que o TSE peque por excesso de rigor ao regular as ferramentas de
IA. Não se podem abrir brechas que permitam influenciar a intenção de milhões
de eleitores com mentiras. A preservação da democracia depende de uma disputa
justa, travada apenas com base na verdade.
Facilitar obtenção da CNH é medida positiva,
mas são necessários cuidados
Por O Globo
Não faz sentido manter reserva de mercado das
autoescolas. Efeito no trânsito deve ser monitorado
Foi positiva a decisão do Conselho Nacional
de Trânsito (Contran)
de facilitar a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Os altos
custos e a burocracia a tornaram inatingível para milhões de brasileiros. Com
as novas regras, aulas teóricas e práticas deixam de ser obrigatórias, e o
aluno terá liberdade para definir como e onde estudar. Todos os exames, no
entanto, serão mantidos — não apenas de direção, mas também médico e
psicológico, além do registro biométrico no Detran.
A CNH é documento essencial para muitos
brasileiros, especialmente motoristas que trabalham para aplicativos e
entregadores. O governo federal estima que 20 milhões de cidadãos dirigem sem
habilitação e que mais de 30 milhões poderiam tirá-la, mas não tiram porque é
caro. Seria um equívoco manter essa situação que os priva desse direito ou os
lança à informalidade.
A principal mudança introduzida pelo Contran
diz respeito às aulas práticas. A partir de agora, serão obrigatórias apenas
duas horas, em vez das 20 exigidas anteriormente. Não significa que o candidato
abrirá mão do aprendizado. Poderá obtê-lo com instrutores autônomos
credenciados pelos Detrans ou mesmo com já habilitados em veículo próprio. A
parte teórica poderá ser cursada gratuitamente em plataforma digital do Ministério
dos Transportes. Segundo o governo, as alterações deverão reduzir em 80% o
custo da CNH, que hoje varia de R$ 3 mil a R$ 5 mil.
Autoescolas protestaram com carreatas em
capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Seus representantes
argumentam que haverá impacto econômico significativo no setor, que emprega
cerca de 200 mil profissionais, com demissões em massa e fechamento de cursos.
Cogitam pressionar o Congresso e até recorrer ao Supremo Tribunal Federal para
sustar a decisão. Mas as autoescolas continuarão autorizadas a oferecer aulas
teóricas e práticas, apenas não terão mais monopólio. Não faz sentido manter
uma reserva de mercado injustificada.
Será necessário, contudo, monitorar o impacto das novas regras no trânsito e na segurança. Deve-se considerar que, com as facilidades para obter a carta, milhões de novos motoristas embarcarão no trânsito caótico das grandes cidades, gerando transtornos imprevisíveis. Será preciso observar ainda se esses novos condutores chegam às ruas suficientemente preparados. Da mesma forma, ignora-se o efeito nos índices de acidente, preocupação que deve nortear qualquer política pública na área. Além da perda de vidas, colisões, capotamentos e atropelamentos impõem gastos astronômicos ao SUS. É verdade que as provas, que continuarão obrigatórias, serão um bom filtro. Mas é importante buscar equilíbrio entre o barateamento da CNH e a realidade das ruas, ajustando o que for necessário no futuro.
Insistência de Lula nos Correios é crise sem
fim
Por Folha de S. Paulo
Tesouro emperra socorro financeiro à empresa
com juros escorchantes a ser bancado pelo contribuinte
Sem privatização, estatais deficitárias
contribuem para degradação fiscal; governo deveria cortar gastos, mas Lula se
recusa a fazê-lo
Ao que parece, a operação de socorro
aos Correios se
tornou um descalabro até para os padrões perdulários da área econômica do
governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT).
Como noticiou a Folha, o pretendido empréstimo de R$ 20 bilhões foi
suspenso nesta terça-feira (2) por resistência do Tesouro
Nacional.
Pudera. Para atrair a participação do Banco do
Brasil e de quatro instituições privadas, a administração
petista deseja que o crédito tenha o aval do Tesouro. Em bom português, na
hipótese muito provável de um calote dos Correios, que somente nos primeiros
nove meses deste ano acumulou prejuízo de R$ 6,1 bilhões, o contribuinte
brasileiro arcará com o pagamento da dívida.
Mesmo com a garantia, os bancos ainda cobram
taxa próxima de escorchantes 136% do CDI, o que agora emperra o entendimento.
Em tais condições, o governo Lula, que tanto bravateia contra rentistas quanto
contribui para juros nas
alturas, propiciaria um negócio de muito ganho e pouco ou nenhum risco para as
instituições financeiras.
Há mais, entretanto. Noticia-se que o
Planalto deverá reduzir a
meta de resultado das estatais federais para acomodar o impacto
do dinheiro a ser enterrado na estatal falimentar. Não há confirmação oficial
até o momento, mas é inteiramente verossímil que esteja em preparação mais um
erro na condução da crise da empresa.
A lógica por trás da ideia, afinal, é a mesma
de muitas outras levadas a cabo pela gestão petista para evadir-se do
imperativo de conter despesas orçamentárias —e que desmoralizaram o suposto
arcabouço fiscal em menos de dois anos de vigência.
O empréstimo aos Correios se transformará em
despesas e, portanto, mais déficit público. Em tais circunstâncias, o Executivo
deveria compensar esse rombo adicional cortando seus gastos em igual proporção.
Lula, contudo, não se anima a fazê-lo, muito menos no ano eleitoral de 2026.
Daí a saída aventada de simplesmente afrouxar
a meta fiscal das estatais no próximo ano, que, aliás, nada tem de austera
—déficit de R$ 6,75 bilhões, sem contar pagamento de juros nem R$ 5 bilhões em
investimentos do PAC.
De sua parte, a governo federal embute no
projeto de Orçamento para o próximo ano um déficit de mais de R$ 23,3 bilhões,
que, graças a uma pletora de exceções e regras especiais, será tratado como
superávit na contabilidade fantasiosa do Ministério da
Fazenda. Isso, claro, se as projeções tiverem fundamento.
Na conta que não pode ser manipulada com
invencionices, a dívida pública já saltou, neste terceiro governo Lula, de
71,7% para 78,6% do PIB, o equivalente
a astronômicos R$ 9,9 trilhões.
Até o final do mandato, os Correios ajudarão
a elevar essa cifra. É a consequência do erro original de, em nome do
corporativismo estatista e do loteamento político, retirar a
empresa do programa de privatizações e entregá-la a apetites do
PT e do centrão..
CNH acessível para mais brasileiros
Por Folha de S. Paulo
Ao acabar com exigência de aulas em
autoescolas, resolução do Contran reduz custo para obter a carteira
É preciso cuidar da segurança, mas as isso se
dá com provas rigorosas, além de ações em fiscalização, mobilidade urbana e
educação
Na segunda (1º), o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) eliminou
a obrigatoriedade de aulas teóricas e práticas em centros de
formação de condutores (CFCs), as autoescolas, para realizar as provas
destinadas à obtenção da carteira nacional de habilitação.
Dentre as mudanças, o curso prático pode ser
realizado em autoescolas ou com instrutores autônomos credenciados pelos
Detrans, e sua carga horária cai de 20 horas-aula para 2 horas-aula.
O teórico também pode se dar em CFCs, em
instituições autorizadas ou de forma independente com material didático
gratuito disponibilizado online pelo Ministério dos Transportes; a carga de 45
horas-aula fica extinta.
A medida é correta porque flexibiliza o
acesso ao documento ao reduzir custos, beneficiando estratos de baixa renda que
usam carros e motocicletas também como ferramentas de trabalho —estudo da pasta
dos Transportes estima que o gasto para conseguir a CNH gire em torno de R$
3.000, dependendo do estado, e que 77% desse
valor seja usado para pagar autoescolas.
O excesso de exigências, portanto, contribui
para perpetuar desigualdades e engessar a atividade econômica, além de
incentivar a ilegalidade. Segundo pesquisa encomendada pela Presidência, 53% da
população acima de 18 anos no país conduz veículos, mas 12% não têm CNH.
Quando se consideram apenas as motocicletas,
largamente usadas nos estratos mais pobres para locomoção e trabalho, a
situação é muito pior. Outro relatório do governo federal mostra que, em 2024,
dos 34,2 milhões de proprietários do veículo, 17,5 milhões (53,8%) não eram
habilitados.
Por óbvio, é preciso cuidar da segurança. Mas
isso se dá com provas rigorosas —além de ações integradas de fiscalização,
adaptações de vias públicas e educação para
o trânsito nas escolas.
A reação das
CFCs em busca da manutenção de sua reserva de mercado já
começou, com alegações de que o Contran não poderia instituir as mudanças. A
Federação Nacional das Autoescolas do Brasil e o Sindicato das Autoescolas de
São Paulo se mobilizam para acionar o Congresso
Nacional e até o Supremo Tribunal Federal (STF) para
sustar a resolução.
O Brasil não está tentando reinventar a roda,
mas seguindo modelos flexíveis de obtenção da habilitação para dirigir já
implantados com sucesso em países como Reino Unido, Japão e França.
Espera-se que Legislativo e Judiciário avaliem com equilíbrio a pressão corporativista, para que a CNH torne-se acessível a uma parcela maior de brasileiros.
Pirraça não é disputa política
Por O Estado de S. Paulo
Derrubada de vetos presidenciais pelo
Congresso semana passada resultou não de conflito programático, e sim da
contrariedade pela indicação de Messias ao STF. Isso é oposição irresponsável
Os últimos dias mostraram que o Congresso tem
feito mau uso da prerrogativa de divergir do Executivo quando acha que deve.
Com os ânimos acirrados por motivos bastante questionáveis, como a indicação do
ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, a uma vaga no
Supremo Tribunal Federal (STF), deputados e senadores confundiram disputa
política com pirraça e, mirando no governo de Luiz Inácio Lula da Silva,
acabaram por atingir a sociedade brasileira como um todo.
A derrubada indiscriminada de vetos
presidenciais na semana passada é o exemplo mais bem acabado de uma oposição
que, de tão irascível, perde seu sentido. Se a intenção era mostrar ao
presidente Lula que ele não pode prescindir do Congresso para governar,
deputados e senadores não poderiam ter escolhido temas piores que a Lei Geral
do Licenciamento Ambiental e o programa de renegociação das dívidas dos
Estados.
Em nenhum dos casos havia uma divergência de
agendas que opõem esquerda e direita, conservadores e progressistas ou governo,
oposição e Centrão. Manter a floresta de pé é uma condição necessária para que
o mundo não feche suas portas ao agronegócio brasileiro, enquanto impedir o
desastre fiscal é proteger a população dos efeitos danosos de uma recessão
econômica.
Há que perguntar, portanto, quem se beneficia
de atrozes retrocessos como a flexibilização da proteção de um bioma tão
devastado como a Mata Atlântica, que, depois de décadas, começou a se
regenerar. Há que perguntar por que não dificultar o acesso ao crédito de
devastadores contumazes e deixar clara a enorme distância que separa produtores
rurais que cumprem a lei daqueles que a descumprem. Há que questionar como
alguém pode ser favorável ao autolicenciamento para empreendimentos de médio impacto
ambiental, entre os quais barragens de rejeitos de mineração, depois dos
desastres de Mariana e Brumadinho.
Da mesma forma, o programa de renegociação
das dívidas estaduais não primava pela austeridade. Não apenas não se exigia
nenhuma medida de ajuste de gastos, como também se incentivava o aumento de
despesas em áreas tão amplas como educação, segurança e investimentos, a
depender do interesse mais imediato do governador. Mas ainda havia governadores
insatisfeitos, e o Congresso achou que era hora de dar uma lição ao governo
federal e ajudar os Estados – não os mais pobres e menos desenvolvidos, que
pagam suas contas em dia, mas os mais ricos e endividados do País, como Rio de
Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo.
Com a derrubada dos vetos, eles poderão
utilizar recursos que os Estados ainda nem receberam – e que deveriam
compensá-los pelas perdas que terão quando a reforma tributária entrar em
vigor, a partir de 2029 – para estender o prazo de pagamento e zerar os juros
de seus financiamentos.
Trata-se de manobra descarada de antecipação
de receitas. Por óbvio, isso vai esvaziar o caixa de seus sucessores, que
eventualmente podem vir a ser os mesmos deputados e senadores que apoiaram a
medida de maneira entusiasmada. Talvez alguns deles tenham de peregrinar até
Brasília em busca da enésima renegociação num futuro próximo.
Até 2015, contrariar o governo significava
ficar sem emendas parlamentares, o que fazia com que muitos deputados e
senadores apoiassem projetos do Executivo mesmo sem convicção. Isso começou a
mudar com o pagamento obrigatório das emendas individuais. A ascensão dessas
indicações a patamares bilionários nos últimos anos reequilibrou as relações
entre os Poderes e deu ao Legislativo a liberdade para divergir do Executivo
sem medo de punições.
Hoje, portanto, há plenas condições de
exercer essa independência de maneira coerente, e não inconsequente como foi
feito na semana passada. Até mesmo condições imorais – e inconstitucionais – de
aposentadoria para agentes comunitários de saúde foram aprovadas. Não se poderá
culpar o Executivo se decidir recorrer ao Judiciário em quaisquer desses casos,
ainda mais quando o motivo do levante é tão mesquinho quanto uma rotineira
indicação ao STF.
O solilóquio das universidades brasileiras
Por O Estado de S. Paulo
O Brasil tem vocação para o mundo – mas suas
universidades não aprenderam a exercê-la. Sem abertura acadêmica, o País
seguirá inovando menos e entendendo menos um mundo que avança sem ele
Universidade, no vocábulo e na vocação,
sempre implicou universalidade. Foi a primeira instituição verdadeiramente
internacional criada pelo Ocidente: professores itinerantes, alunos peregrinos,
saberes que cruzavam fronteiras antes mesmo de existirem Estados nacionais. No
Brasil, porém, a universidade renegou essa origem. Num país forjado pela
confluência de europeus, indígenas, africanos, árabes e asiáticos, o sistema
universitário opera como uma das estruturas mais fechadas entre as grandes
democracias.
Enquanto nas universidades brasileiras o
contingente de docentes estrangeiros não passa de 2%, em países da Europa
ocidental, por exemplo, ele oscila em torno de 20% – no Reino Unido e na Suíça,
é mais de um quarto. Os estudantes estrangeiros mal chegam a 1%, enquanto na
OCDE sobem de 5% na graduação para 25% no doutorado. Disciplinas em inglês são
raridade, convênios são prolíficos no papel e escassos na prática, a captação
de recursos externos é irrisória. Em publicações de impacto, o Brasil fica
atrás não só de países avançados, mas de outros em condições socioeconômicas
similares. Produz-se ciência majoritariamente doméstica, que fala sozinha e é
pouco ouvida.
Programas como o Ciência sem Fronteiras
dispersaram recursos em intercâmbios de curto prazo, sem forjar vínculos
duradouros entre grupos de pesquisa. O Brasil atrai poucos estudantes de países
desenvolvidos, quase nenhum professor de ponta, e não dispõe de uma “diplomacia
científica” consistente que use as universidades como porta giratória para o mundo.
Pesquisas menos relevantes, inovação limitada
e currículos que não dialogam com a fronteira científica comprometem a
reputação institucional e afastam talentos estrangeiros – e até brasileiros
expatriados. O déficit de internacionalização é o maior entrave ao desempenho
brasileiro em rankings globais. Sem universidades de classe mundial, o País
perde produtividade, capacidade tecnológica, inserção diplomática e soft power. Uma grande
democracia multiétnica (a segunda maior do Ocidente) segue alijada dos
circuitos globais de conhecimento, condenando-se a competir com instrumentos
rupestres numa economia movida a ciência. A conta chega em menos renda,
inovação, crescimento – e uma cultura provinciana.
A rigidez das regras públicas e pressões
sindicais obstruem a contratação de estrangeiros ou a oferta de salários
competitivos. O sistema vestibular é uma barreira de entrada a alunos. A
endogamia acadêmica – professores formados na própria casa – reduz a circulação
de ideias. A burocracia emperra convênios, compras e viagens. A expansão
universitária priorizou quantidade e inclusão, relegando a excelência a segundo
plano. Faltam financiamento condicionado a desempenho e uma estratégia nacional
para formar um núcleo de universidades de classe mundial.
O casulo acadêmico precisa de um choque de
cosmopolitismo. Investir no inglês como língua franca, perseguir contratos
internacionais, ampliar cotutelas, duplas titulações e intercâmbios. Recursos
devem ser vinculados a metas claras de internacionalização, com fundos
patrimoniais e parcerias público-privadas. A autonomia precisa vir acompanhada
da liberdade de recrutar estrangeiros, oferecer boas condições de trabalho e
premiar quem constrói redes globais. E o País deve selecionar um grupo de elite
de instituições para investimentos concentrados, como fazem China, Coreia do
Sul ou Alemanha, em vez de fingir que todas as universidades podem ser tudo
para todos.
Uma universidade isolada é uma contradição em
termos. Um país que renuncia à internacionalização renuncia à própria ideia de
universidade – e à possibilidade de desenvolvimento no século 21. Num mundo em
que o conhecimento circula em redes transnacionais, o Brasil continuará falando
sozinho se suas melhores instituições insistirem em permanecer monoglotas, endogâmicas
e dependentes de verbas cativas. O Brasil não será maior se continuar voltado
para dentro. Será maior quando suas universidades voltarem a olhar para fora e
a participar, de igual para igual, na grande conversa científica planetária.
Nossas universidades deveriam construir pontes para o futuro, mas ficarão cada
vez mais atoladas no passado se não reerguerem pontes para o mundo.
STF recobra o juízo
Por O Estado de S. Paulo
Após derrubar pilar da reforma trabalhista,
Corte impõe regras à contribuição assistencial
O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu
regras para a cobrança da contribuição assistencial imposta por sindicatos a
trabalhadores não sindicalizados, no mais novo desdobramento de ações
jurisprudenciais que subvertem a reforma trabalhista do governo Michel Temer.
Desta vez, ao menos, os ministros recobraram algum juízo. Os integrantes da
Corte decidiram que os sindicatos não podem cobrar retroativamente a taxa no
período em que ela era proibida, de 2017 a 2023, precisam estipular um valor
razoável e compatível com a capacidade econômica da categoria e têm de
assegurar o direito de oposição à contribuição – ou seja, o direito de o
trabalhador rejeitar o seu pagamento.
Essa é uma novela com uma reviravolta
incomum. Em 2017, a cobrança da contribuição assistencial de não sindicalizados
fora declarada inconstitucional pelo STF e, dois anos atrás, durante a análise
de embargos de declaração – um instrumento que visa a tirar dúvidas de uma decisão
de mérito –, a mesma Corte disse que ela era constitucional. Tamanha guinada
foi possível após o ministro Gilmar Mendes, relator da ação ajuizada por um
sindicato, mudar o seu posicionamento e seguir o então ministro Luís Roberto
Barroso, que estava preocupado, ora vejam, com as fontes de custeio das
entidades sindicais.
Com a reforma trabalhista, a lógica do
financiamento dos sindicatos mudou. E mudou para melhor e para o bem dos
próprios sindicatos, das empresas e dos trabalhadores. O imposto sindical
obrigatório, que representava o desconto automático de um dia de trabalho no
mês de março de cada ano, passou a ser facultativo. Para a contribuição ser
recolhida, o trabalhador tinha de manifestar espontaneamente sua vontade de
contribuir com a entidade – e não o contrário, como agora, em que ele deve
manifestar a vontade de não contribuir.
O que veio depois disso é história: os
sindicatos criados apenas para embolsar o dinheiro do imposto sindical
colapsaram. Até então, milhares deles existiam apenas para tungar uma parte dos
cerca de R$ 3 bilhões que eram recolhidos compulsoriamente dos trabalhadores
todos os anos. Com a escassez de recursos, as entidades recorreram à
contribuição assistencial, cobrada como uma forma de retribuição aos ganhos
obtidos na negociação coletiva, que, na prática, resulta num acordo coletivo ou
numa convenção coletiva.
Desde que o STF implodiu há dois anos um importante pilar da reforma trabalhista, abusos de toda sorte foram registrados. Houve sindicatos chantageando as empresas, ao exigir o pagamento retroativo das contribuições não recolhidas, e chantageando os trabalhadores, ao cobrar taxas exorbitantes ou ao dificultar o exercício do direito de oposição. A mais recente decisão do Supremo pretende corrigir esses excessos. Mas, após errar ao mudar sua jurisprudência, ignorar o espírito da reforma trabalhista e dificultar a vida de milhões de trabalhadores que rejeitam esse sindicalismo oportunista, oxalá a Corte seja agora respeitada e sua decisão tenha efeito prático, pois a fúria sindical por dinheiro parece não ter limite.
Investimento no exterior tem estoque recorde
de US$ 504 bi
Por Valor Econômico
Desde 2017, os investimentos no exterior já
são maiores que as reservas internacionais (US$ 336,2 bilhões)
Os investimentos diretos no país (IDP) têm
mantido sólida constância, apesar de todas as turbulências políticas e
econômicas. Têm por si só coberto ao longo dos anos, com raras exceções, o
buraco deixado por outras contas nas quais o Brasil é deficitário, como
serviços e turismo. Chegaram ao fim de 2024 a US$ 1,14 trilhão, ou 46,6% do
PIB. Menos falado, mas crescentemente importante, o estoque de investimentos de
empresas brasileiras no exterior (IDE) chegou a um valor recorde de US$ 504
bilhões no ano passado, no sexto ano consecutivo de expansão. Nas contas internacionais,
isso significa mais ativos em dólar, em contrapartida à dívida na moeda
americana, o passivo externo. Desde 2017, os investimentos no exterior já são
maiores que as reservas internacionais (US$ 336,2 bilhões).
O balanço dos investimentos externos no país
e os do Brasil no exterior auxiliam a compreensão dos movimentos de capitais,
que frequentemente parecem erráticos. Há duas componentes desses investimentos:
a participação no capital, interpretada como a que de fato provoca
investimentos produtivos, e as operações intercompanhias, em que remessas de
recursos podem ou não ser usadas em projetos em desenvolvimento. De maneira
geral, os primeiros são considerados investimentos puros, enquanto parte dos
analistas considera o segundo tipo especulativo, atraído pelos juros elevados
do país.
Os números mostram uma realidade diversa. Os
investimentos líquidos em participação no capital no Brasil, considerando
também os lucros reinvestidos, subiram de US$ 52,8 bilhões para US$ 64,4
bilhões entre 2023 e 2024, indicando confiança na economia a longo prazo. O
estoque de capital externo investido em 2023 e 2024 é também o maior da série
desde 2010. Curiosamente, as operações intercompanhias caíram nos dois
primeiros anos da gestão Lula, o que não parece se coadunar com a elevação
significativa dos juros no período, se o objetivo fosse aproveitar o
diferencial de taxas. Os ingressos líquidos nessa rubrica recuaram de US$ 9,9
bilhões em 2023 para US$ 9,5 bilhões em 2024 e são hoje quase a metade do que
foram no último ano do governo Bolsonaro (2022), de US$ 18,4 bilhões.
Uma distinção importante é entre o aporte
intercompanhias de empresas estrangeiras a filiais no Brasil e os das matrizes
brasileiras a filiais no exterior. O movimento de alta dos juros não parece ser
tão significativo no caso das empresas de fora nos empréstimos para afiliadas
aqui quanto o é no caso das brasileiras que enviam recursos para o exterior.
Enquanto as operações líquidas no primeiro caso diminuíram, no segundo
aumentaram, o que é incoerente se o movimento buscasse em primeiro lugar o
diferencial de juros.
Mesmo a queda no investimento em participação
do capital ocorrida entre o primeiro e o segundo anos do governo Lula é
relativa. Um fator determinante foi a paridade cambial, ou oscilações do dólar.
No governo Lula, foi negativa em US$ 229 bilhões, devido à desvalorização de
27,9% do real, em grande parte pelo descaso em relação às contas públicas.
Investidores brasileiros reinvestiram US$
20,6 bilhões dos US$ 26 bilhões aplicados no exterior em 2024. O fluxo líquido
(remessas versus ingressos) dessas operações caiu muito no último ano do
governo Bolsonaro em relação ao primeiro de Lula, sugerindo desconfiança sobre
os rumos futuros da economia. Mas estabilizou-se logo a seguir ao redor de US$
25 bilhões, os maiores valores desde 2017, excluindo os anos de pandemia, o
biênio 2020-2021.
O investimento de empresas brasileiras no
exterior tem compensado? Sim, só um pouco menos que de estrangeiros no Brasil,
na comparação pela renda recebida (lucros reinvestidos, lucros recebidos e
juros das operações intercompanhia). A renda dos investimentos externos do
Brasil foi recorde em 2024, US$ 86,9 bilhões, oitavo ano consecutivo de alta,
exceto o período da covid-19. Lucros e dividendos reinvestidos aumentaram
52,7%. A remessa de lucros ao exterior caiu.
Investimentos diretos de empresas brasileiras
no exterior tiveram bom resultado. A renda obtida foi a segunda maior desde
2010. Lucros reinvestidos no exterior aumentaram de 2023 a 2024, enquanto os
remetidos para o país caíram, mesmo com altos juros domésticos vigentes. A
lucratividade do investimento direto no Brasil subiu 7%, inferior ao recorde de
9,9% registrado em 2011, mas superior à média observada deste ano até 2024, de
6,3%. A lucratividade do investimento brasileiro lá fora cresceu 6,3%, um pouco
abaixo dos estrangeiros no Brasil, e superior aos 3,8% da média do período.
Os dados mostram que o Brasil consegue atrair investimentos externos suficientes para cobrir rombos no balanço de pagamentos, enquanto amplia seus ativos no exterior, outra fonte importante de obtenção de dólares além do saldo comercial. A internacionalização ajuda a reduzir a volatilidade do câmbio, o que seria potencializado por uma verdadeira abertura comercial relegada a segundo plano. O otimismo em relação ao país resiste à turbulência política, mas pode se romper diante do fracasso de o país conseguir manter um crescimento sustentado. Nesse sentido, as reformas são essenciais para manter o Brasil atrativo.
Olhos abertos para os riscos do rage bait
Por Correio Braziliense
O algoritmo das mídias sociais é moldado para
propagar aquilo que engaja, seja positiva ou negativamente. Na maior parte das
vezes, esse alcance tem como combustível a discordância, o ódio
Ao navegar nas mídias sociais, os usuários
facilmente se deparam com conteúdos que os convidam ao engajamento a partir do
absurdo. Uma opinião extremamente controversa ou um posicionamento ignorante é
isca perfeita para comentários em postagens incendiárias. A armadilha feita por
quem se passa por ignorante tem nome: rage bait, ou isca de raiva, na
tradução livre do inglês. De tão corriqueira, se transformou na palavra do ano
escolhida pela Universidade de Oxford.
"O fato de a expressão rage bait existir
e ter tido um aumento tão drástico no seu uso nos torna cada vez mais
conscientes das táticas de manipulação às quais podemos ser submetidos
on-line", escreveu Casper Grathwohl, presidente da Oxford Languages, no
comunicado de divulgação da escolha de 2025.
A decisão da instituição britânica é
certeira. O algoritmo das mídias sociais é moldado para propagar aquilo que
engaja, seja positiva, seja negativamente. Na maior parte das vezes, esse
alcance tem como combustível a discordância, o ódio. A fórmula de funcionamento
dessas linhas de código, apesar de secreta, é facilmente entendida por quem
trabalha pautado pelas más intenções: trata-se de um jeito fácil de ganhar
dinheiro e exposição a partir do famoso bait.
Esse exemplo se encaixa perfeitamente no X, o
antigo Twitter. Na aba "para você", a mídia social abastece o usuário
com conteúdos adaptados ao que ele mais consome na linha do tempo. Parte desses
posts, no entanto, convida a reações explosivas, a partir de opiniões
claramente moldadas para incentivar críticas. Seria como se o torcedor de um
time que acaba de vencer um campeonato de grande repercussão começasse a
receber um conteúdo, na tela do seu smartphone, criticando o desempenho dos
jogadores.
A armadilha não se limita, porém, a
banalidades. A menos de um ano da eleição presidencial, o eleitor precisa ficar
de olho em quem surfa nessa onda nas mídias sociais com fins ainda mais
questionáveis. Em um contexto polarizado, o campo das redes se torna
extremamente fértil para aqueles que buscam dinheiro e engajamento fácil a
partir dos vícios contidos nos algoritmos, sem se preocupar com os
desdobramentos do estímulo ao ódio dentro e fora das telas.
Neste sentido, é fundamental que as
instituições promovam iniciativas de letramento digital para o cidadão — diante
do potencial de influência que as mídias têm no processo democrático. Trata-se
de uma obrigação na ordem do dia dos partidos políticos, dos atores políticos e,
sobretudo, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e seus braços nos estados. E
também do jornalismo profissional.
A reflexão trazida pela Oxford não deve se
limitar aos mais jovens, a chamada geração Z, parcela da população mais
acostumada aos neologismos herdados do inglês. "O objetivo da palavra do
ano é incentivar as pessoas a refletirem sobre onde estamos como cultura, quem
somos no momento, por meio da lente das palavras que usamos", afirmou
Cásper Grathwohl. "O objetivo principal é gerar conversa", acrescentou.

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