quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Pastores no Senado, por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Apoiadores de Messias querem levar clérigos ao Congresso para pressionar por aprovação

Lógica religiosa, que opera com absolutos morais, não combina bem com lógica da política, que privilegia negociações

Deu na Folha que aliados de Jorge Messias pretendem abarrotar o Senado de pastores para pressionar os parlamentares a aprovarem seu nome para o STF.

Messias é evangélico e seus apoiadores imaginam que a assembleia de clérigos poderá amainar a resistência de senadores a seu nome, que é muito mais política do que religiosa, curricular ou pessoal.

Misturar religião com política é uma combinação complicada. O ideal, na democracia, seria separar inteiramente as duas esferas. Mas é impossível fazer isso pela simples razão de que ambas as atividades são exercidas por humanos. E todo humano tem uma identidade religiosa. Mesmo eu, ateu irredutível e desprovido de qualquer traço identificável de espiritualidade, ocupo um lugar no espectro da religiosidade, que vai da descrença absoluta à devoção compulsiva.

A relação entre fé e política no contexto da democracia é bastante assimétrica. Os direitos fundamentais fazem bem às religiões, desde que estas renunciem a eventuais pretensões hegemônicas. É só quando a liberdade de culto está assegurada que crenças minoritárias podem existir e prosperar.

Já a inversa não é verdadeira. A lógica religiosa não faz muito bem à política. A ideia básica por trás da política é pacificar conflitos por meio de negociações e concessões recíprocas.

Religiões, porém, costumam operar com absolutos morais. Se foi Deus que definiu desde o começo dos tempos o que é certo e o que é errado e não cabe a nenhum mortal questionar a autoridade divina, não sobra muito espaço para negociação.

A situação só não é impossível porque são poucos os fiéis que conduzem suas ações com total zelo religioso. Quando o fazem, se convertem nos Torquemadas que tanto sofrimento infligiram à humanidade. Paradoxalmente, para a religião funcionar para o bem, precisa ser abraçada sem convicção absoluta.

Congresso tomado por pastores não é uma imagem que me tranquilize muito.

 

 

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