quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Objetivos e consequências da estratégia de Michelle, por Fernando Exman

Valor Econômico

Lula é o principal beneficiário do racha na família Bolsonaro e, consequentemente, dentro no PL

Michelle Bolsonaro movimenta-se para obter, como enumera um arguto observador da política nacional, o segundo de dois requisitos para quem pretende concorrer à Presidência da República ou pelo menos interferir nas discussões sobre a vaga de vice.

O primeiro requisito, uma base eleitoral robusta, em tese ela já possui. Segundo pesquisas de opinião, a ex-primeira-dama apresenta uma potencial massa de votos maior do que a dos enteados. Personifica, portanto, a maior probabilidade de a família Bolsonaro estar na chapa vitoriosa nas próximas eleições presidenciais.

Há meses a cúpula do PL tenta convencer o ex-presidente Jair Bolsonaro de que Michelle seria a companheira de chapa ideal para o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), na disputa contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Dirigentes do partido vinham mostrando a Bolsonaro as pesquisas internas encomendadas pela legenda, as quais colocam a ex-primeira-dama em melhores condições do que os filhos do ex-presidente.

É verdade que Michelle apresenta forte rejeição no restante da população. Segundo a mais recente pesquisa Genial/Quaest, por exemplo, 61% dos entrevistados dizem que conhecem e não votariam nela - 1 ponto percentual a mais do que Jair Bolsonaro, mas 6 pontos menos que o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). A pesquisa não incluiu o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) entre os presidenciáveis. Tarcísio de Freitas apresentou uma rejeição de 40%, ante um índice de 53% do presidente Lula.

Mas a ex-primeira-dama tem ativos que a diferenciam: maior potencial de galvanizar votos entre as mulheres e no público evangélico, que mais uma vez devem ser cruciais para o desfecho das eleições. Esses ativos, inclusive, já vinham sustentando a movimentação de Michelle país afora, o que gera desconforto entre os filhos do ex-presidente. É grande a disputa por quem será porta-voz e herdeiro do espólio político do chefe da família durante o seu período de reclusão no sistema penitenciário. Como presidente do PL Mulher, Michelle tem assegurado por lei um montante de recursos partidários de dar inveja.

Já o segundo requisito para um candidato presidencial é que ele controle os rumos de seu partido político.

O presidente Lula, do PT, é um exemplo. Disputou e perdeu várias eleições, mas manteve seu nome nas urnas mesmo nos momentos mais difíceis, até conseguir subir a rampa do Palácio do Planalto por três vezes. Ele indicou os candidatos que quis quando não pôde concorrer. Também influenciou pessoalmente e de forma determinante a definição dos últimos presidentes do PT. O dirigente nacional é sempre o responsável pela negociação dos palanques e alianças nos Estados.

Há exemplos em outros partidos também. No PSDB, candidatou-se a presidente da República quem integrava o grupo que controla a sigla. Com José Serra foi assim. Aécio Neves é outro caso. João Doria venceu as prévias, mas renunciou à candidatura em maio de 2022, argumentando justamente que tomava essa decisão após constatar que não era a escolha da cúpula tucana.

O próprio Jair Bolsonaro tentou tomar o controle do PSL, partido com o qual venceu as eleições de 2018. Acabou mudando para o PL depois de não conseguir fundar sua própria agremiação. Como presidente de honra do partido dirigido por Valdemar Costa Neto, passou a influenciar as negociações de alianças, o processo de definição de candidatos da legenda e também na destinação de recursos para campanhas de aliados.

É este o legado que está no pano de fundo das recentes divergências na família Bolsonaro.

Como se viu, Michelle criticou publicamente e chamou de “precipitada” a aliança das lideranças bolsonaristas no Ceará com Ciro Gomes (PSDB). Ela estava no evento de lançamento da pré-candidatura ao governo do senador Eduardo Girão (Novo), e foi prontamente rebatida pelos irmãos Flávio, Carlos e Eduardo Bolsonaro.

O trio classificou a postura da madrasta de autoritária. Acusou-a de atropelar as decisões do pai e as articulações do deputado André Fernandes, presidente do PL do Ceará, sob as orientações do próprio Bolsonaro. Nessa terça-feira (2), contudo, os dois lados buscaram arrefecer a crise e o PL decidiu dar uma pausa nas articulações com Ciro Gomes.

As declarações de Michelle convergem com os bolsonaristas mais radicais, que não se conformam com a aliança. Afinal, Ciro Gomes sempre fez duras críticas a Bolsonaro e até pouco tempo atrás era filiado ao PDT - o partido responsável pela ação que levou o ex-presidente à inelegibilidade antes da sua condenação no processo da trama golpista.

No entanto, as falas não consideraram o fato de que a parceria do PL com Ciro Gomes poderia, pelo menos em tese, reduzir a vantagem de Lula no estratégico Estado nas próximas eleições. O Ceará é o oitavo maior colégio eleitoral do país.

Em 2022, Lula recebeu 65,90% dos votos válidos no primeiro turno no Ceará, ante 25,38% de Bolsonaro e 6,80% de Ciro Gomes - números que, aliás, expressam também o espaço que o tucano precisa recuperar em seu berço eleitoral. No segundo turno, Lula venceu Bolsonaro por 69,97% contra 30,03%. Ganhou em todos os 184 municípios cearenses.

Reduzir essa vantagem no Ceará e em outros Estados do Nordeste é fundamental para a oposição em 2026. Lula é o principal beneficiário do racha na família Bolsonaro e, consequentemente, dentro no PL.

 

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