Valor Econômico
Lula é o principal beneficiário do racha na
família Bolsonaro e, consequentemente, dentro no PL
Michelle Bolsonaro movimenta-se para obter,
como enumera um arguto observador da política nacional, o segundo de dois
requisitos para quem pretende concorrer à Presidência da República ou pelo
menos interferir nas discussões sobre a vaga de vice.
O primeiro requisito, uma base eleitoral robusta, em tese ela já possui. Segundo pesquisas de opinião, a ex-primeira-dama apresenta uma potencial massa de votos maior do que a dos enteados. Personifica, portanto, a maior probabilidade de a família Bolsonaro estar na chapa vitoriosa nas próximas eleições presidenciais.
Há meses a cúpula do PL tenta convencer o
ex-presidente Jair Bolsonaro de que Michelle seria a companheira de chapa ideal
para o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), na disputa
contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Dirigentes do partido
vinham mostrando a Bolsonaro as pesquisas internas encomendadas pela legenda,
as quais colocam a ex-primeira-dama em melhores condições do que os filhos do
ex-presidente.
É verdade que Michelle apresenta forte
rejeição no restante da população. Segundo a mais recente pesquisa
Genial/Quaest, por exemplo, 61% dos entrevistados dizem que conhecem e não
votariam nela - 1 ponto percentual a mais do que Jair Bolsonaro, mas 6 pontos
menos que o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). A pesquisa não incluiu o
senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) entre os presidenciáveis. Tarcísio de Freitas
apresentou uma rejeição de 40%, ante um índice de 53% do presidente Lula.
Mas a ex-primeira-dama tem ativos que a
diferenciam: maior potencial de galvanizar votos entre as mulheres e no público
evangélico, que mais uma vez devem ser cruciais para o desfecho das eleições.
Esses ativos, inclusive, já vinham sustentando a movimentação de Michelle país
afora, o que gera desconforto entre os filhos do ex-presidente. É grande a
disputa por quem será porta-voz e herdeiro do espólio político do chefe da
família durante o seu período de reclusão no sistema penitenciário. Como
presidente do PL Mulher, Michelle tem assegurado por lei um montante de
recursos partidários de dar inveja.
Já o segundo requisito para um candidato
presidencial é que ele controle os rumos de seu partido político.
O presidente Lula, do PT, é um exemplo.
Disputou e perdeu várias eleições, mas manteve seu nome nas urnas mesmo nos
momentos mais difíceis, até conseguir subir a rampa do Palácio do Planalto por
três vezes. Ele indicou os candidatos que quis quando não pôde concorrer.
Também influenciou pessoalmente e de forma determinante a definição dos últimos
presidentes do PT. O dirigente nacional é sempre o responsável pela negociação
dos palanques e alianças nos Estados.
Há exemplos em outros partidos também. No
PSDB, candidatou-se a presidente da República quem integrava o grupo que
controla a sigla. Com José Serra foi assim. Aécio Neves é outro caso. João
Doria venceu as prévias, mas renunciou à candidatura em maio de 2022,
argumentando justamente que tomava essa decisão após constatar que não era a
escolha da cúpula tucana.
O próprio Jair Bolsonaro tentou tomar o
controle do PSL, partido com o qual venceu as eleições de 2018. Acabou mudando
para o PL depois de não conseguir fundar sua própria agremiação. Como
presidente de honra do partido dirigido por Valdemar Costa Neto, passou a
influenciar as negociações de alianças, o processo de definição de candidatos
da legenda e também na destinação de recursos para campanhas de aliados.
É este o legado que está no pano de fundo das
recentes divergências na família Bolsonaro.
Como se viu, Michelle criticou publicamente e
chamou de “precipitada” a aliança das lideranças bolsonaristas no Ceará com
Ciro Gomes (PSDB). Ela estava no evento de lançamento da pré-candidatura ao
governo do senador Eduardo Girão (Novo), e foi prontamente rebatida pelos
irmãos Flávio, Carlos e Eduardo Bolsonaro.
O trio classificou a postura da madrasta de
autoritária. Acusou-a de atropelar as decisões do pai e as articulações do
deputado André Fernandes, presidente do PL do Ceará, sob as orientações do
próprio Bolsonaro. Nessa terça-feira (2), contudo, os dois lados buscaram
arrefecer a crise e o PL decidiu dar uma pausa nas articulações com Ciro Gomes.
As declarações de Michelle convergem com os bolsonaristas
mais radicais, que não se conformam com a aliança. Afinal, Ciro Gomes sempre
fez duras críticas a Bolsonaro e até pouco tempo atrás era filiado ao PDT - o
partido responsável pela ação que levou o ex-presidente à inelegibilidade antes
da sua condenação no processo da trama golpista.
No entanto, as falas não consideraram o fato
de que a parceria do PL com Ciro Gomes poderia, pelo menos em tese, reduzir a
vantagem de Lula no estratégico Estado nas próximas eleições. O Ceará é o
oitavo maior colégio eleitoral do país.
Em 2022, Lula recebeu 65,90% dos votos
válidos no primeiro turno no Ceará, ante 25,38% de Bolsonaro e 6,80% de Ciro
Gomes - números que, aliás, expressam também o espaço que o tucano precisa
recuperar em seu berço eleitoral. No segundo turno, Lula venceu Bolsonaro por
69,97% contra 30,03%. Ganhou em todos os 184 municípios cearenses.
Reduzir essa vantagem no Ceará e em outros
Estados do Nordeste é fundamental para a oposição em 2026. Lula é o principal
beneficiário do racha na família Bolsonaro e, consequentemente, dentro no PL.

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