quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Desaforo fiscal, por Fábio Alves

O Estado de S. Paulo

Se todos os gastos previstos saírem do papel, o ajuste exigido a partir de 2027 terá de ser muito maior

O cenário para o risco fiscal do Brasil em 2026, ano da eleição presidencial, é o seguinte: os investidores vão seguir aceitando desaforos nas contas públicas, com o governo jogando “lixo” para debaixo do tapete, ou seja, manobrando para colocar gastos extras para fora dos limites fixados no arcabouço fiscal, enquanto sonham com um robusto ajuste a partir de 2027.

É o que se deduz dos juros reais de 7,3% que o governo está pagando pelos títulos públicos com prazo de dez anos. Nessa taxa, já está precificada pelos investidores muita notícia ruim na área fiscal, com a expectativa de aceleração na trajetória da dívida pública. O problema é que há um risco concreto para surpresas negativas, o que poderá fazer com que os juros reais de dez anos retornem, em 2026, aos patamares exorbitantes do início deste ano, quando a taxa desses papéis chegou perto de 8%.

E o que está precificado para 2026? Uma continuação do que se viu neste ano. O governo deve atingir o limite inferior de tolerância da meta fiscal, fazendo de tudo para aumentar a arrecadação de impostos e, ao mesmo tempo, conseguindo a permissão do Congresso ou do Judiciário para novas exceções de despesas extras aos limites da regra fiscal. Neste ano, foi assim com gastos das Forças Armadas, do ressarcimento das fraudes com o INSS e das medidas de socorro às empresas afetadas pelo tarifaço dos EUA. Sem falar da fatura com os precatórios.

Em 2025, a meta permite um déficit de até 0,25% do

PIB, mas os analistas projetam um rombo de 0,5%. Em 2026, a meta é de superávit primário de 0,25%, com uma banda inferior de resultado zero, mas o mercado prevê déficit de 0,6%. Ao seguir colocando qualquer despesa extra fora dos limites de gastos, o governo não precisaria mudar a meta de 2026, o que seria um trauma no ano de eleição. No pior dos cenários, a meta seria simplesmente descumprida, o que acionaria gatilhos previstos no arcabouço, mas essas restrições serão problemas de quem estiver no governo em 2027.

Esse cenário mudou de figura quando o Senado aprovou o projeto de lei que permite a aposentadoria diferenciada para agentes comunitários de saúde e de combate às endemias, num custo de, pelo menos, R$ 20 bilhões em dez anos. O texto agora vai para a Câmara. Há também a intenção do presidente Lula de aprovar a tarifa zero para o transporte público. Se tudo isso passar, o ajuste exigido a partir de 2027 será muito maior do que o estimado hoje. Não é só mais um gasto extra e temporário. Não vai dar para fazer vista grossa. O juro real precisará subir.

 

Nenhum comentário: