terça-feira, 31 de julho de 2018

Merval Pereira: Sobre inelegibilidade

- O Globo

O mais provável é que a candidatura de Lula a presidente nem mesmo seja registrada pelo Tribunal Eleitoral

C om a decisão da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, de orientar o Ministério Público Eleitoral a atuar no sentido de que sejam respeitadas as condições de elegibilidade definidas em leis como a da Ficha Limpa, a movimentação da militância petista (ou será lulista?) para pressionar o Judiciário está preocupando os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), alguns deles também membros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Depois que vândalos atacaram o prédio do STF, estão programadas diversas manifestações para o último prazo legal, dia 15 de agosto, quando o pedido de registro da candidatura do ex-presidente deve ser requerido ao TSE. Prometem levar milhares de pessoas para a frente do tribunal, como se manifestações assim ainda fossem possíveis em defesa de Lula ou, mais incompreensível ainda, pretender que os ministros se sentirão obrigados a aceitar uma candidatura de alguém que está claramente incluído entre os que são inelegíveis.

Diz a Lei Complementar 135, de 2010, que são inelegíveis, entre outros, “os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena pelos crimes (...) de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores”. É o caso de Lula, condenado a 12 anos por lavagem de dinheiro e corrupção, por unanimidade, pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que confirmou a condenação definida pelo juiz Sergio Moro, e ainda aumentou a pena.

As reações dos militantes são desesperadas diante da evidência de que não haverá condições de Lula participar da disputa presidencial. Há também a proposta de que militantes façam greve de fome em solidariedade a Lula, já que o próprio ex-presidente não aderiu à ideia de que ele mesmo fizesse uma greve de fome em protesto. Os que tiveram a ideia não sabem que essa questão sempre foi problemática para Lula.

Quando foi preso em 1980 durante a ditadura militar, devido à greve dos metalúrgicos, os sindicalistas resolveram fazer uma greve de fome. Já contei aqui que o líder Zé Maria, um dos fundadores do PT e hoje candidato permanente à Presidência da República pelo PSTU, relatou, em declaração publicada no blog do sociólogo Ricarte Almeida Santos, nunca desmentida, que houve “uma grande decepção” quando descobriram que “Lula estava furando a greve de fome, recebendo barras de chocolate e comendo às escondidas”.

Ainda presidente, Lula fez uma visita oficial a Cuba em meio a uma greve de fome de um preso político conhecido por Zapata. Lula deu declarações dizendo que “(...) Temos de respeitar a determinação da Justiça e do governo cubanos. A greve de fome não pode ser um pretexto de direitos humanos para liberar as pessoas. Imagine se todos os bandidos presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade”. Zapata morreu com Lula ainda em solo cubano, e a comparação de presos políticos com presos comuns levou a críticas severas contra ele.

Mas, de qualquer maneira, a questão é jurídica, não política, como querem os militantes petistas. O mais provável é que a candidatura de Lula nem mesmo seja registrada pelo Tribunal Eleitoral. É como, comparou um ministro do próprio tribunal, se um americano quisesse se registrar para disputar a Presidência da República. Somente brasileiros natos podem se candidatar, assim como apenas os que não foram condenados em segunda instância ou não tiveram a condenação transitada em julgado.

A procuradora-geral, Raquel Dodge, que é também a procuradora-geral eleitoral, admitiu em sua fala que há casos em que o candidato pode concorrer sub judice, como define o artigo 16 A da Lei Eleitoral, e é nisso que se fiam os advogados de Lula. Para acabar com as dúvidas, porém, pode ser que o próprio Ministério Público Federal, ou um partido, faça uma consulta ao STF sobre o alcance do artigo 16 A.

O registro da candidatura de Lula deve ser negado pelo TSE e, mesmo que ele recorra ao Supremo Tribunal Federal, não estará sub judice, mas lutando para poder se inscrever como candidato. A única chance de Lula poder participar da eleição é o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anular a condenação por um erro de fato no julgamento do TRF-4, ou o ex-presidente conseguir uma liminar no STF.

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