José de Souza Martins*
DEU EM O SÃO PAULO
É destes dias a constatação, por meio de pesquisa, da precocidade da iniciação sexual de meninas e meninos da classe média. Uma pesquisa com mais de 6 mil alunos de escolas particulares, entre 13 e 16 anos de idade, mostrou que 22% já haviam tido a primeira relação. Nesse grupo, 72% dos adolescentes tinham tido mais de uma parceira; e 44% das adolescentes tinham tido mais de um parceiro. Embora a pesquisa se circunscreva à classe média, as indicações indiretas sugerem que o cenário se repete em relação às outras categorias sociais, ainda que com intensidades diferentes.
A implicação imediata desses resultados é a de que a cultura da sexualidade está mudando rápida e intensamente. Mas é, também, a de que a concepção de casamento e família está sendo profundamente afetada, bem como a de procriação. As muitas evidências de procriação irresponsável, não raro precoce, sugerem um problema social fora de controle, com tendência a agravar-se. Há um número provavelmente crescente de crianças que nascem condenadas a uma socialização mutilada, seja por falta de maturidade social e econômica dos pais, seja pela ausência do pai ou mesmo da mãe.
Estamos em face de um claro processo de desagregação do grupo social tradicional de referência para o nascimento e a primeira socialização das crianças, que é a família. Esse processo pode, eventualmente, ser contido, mas não há como revertê-lo em relação ao já ocorrido, ainda que muitos jovens enfrentem madura e corajosamente as conseqüências da sexualidade antecipada.
Um dos principais fatores dessas mudanças está no amadurecimento desigual das novas gerações: mais cedo na sexualidade e mais tarde no plano econômico e produtivo. O abismo é preenchido por uma sociabilidade nova e improvisada, até criativa, que discrepa da fundada na família. O jovem, hoje, flutua nessa cultura intermediária e indefinida, sem uma base institucional própria de apoio. No passado recente, amadurecia-se por igual, de modo que o amadurecimento sexual acompanhava o amadurecimento econômico (e a autonomia) e a constituição de família própria. A sociedade se desenvolvia, em termos pessoais e sociais, em ritmos iguais, nos seus vários planos. O desencontro dos planos e dos ritmos da mudança social responde por comportamentos que se tornam problemáticos porque ocorrem fora do contexto apropriado e de apropriadas relações sociais, como é o caso de ser mãe ou pai sem ter condições de constituir família.
*José de Souza Martins, professor de Sociologia da Faculdade de Filosofia da USP, é autor de O Sujeito Oculto (Ordem e transgressão na reforma agrária), Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2003;A Sociabilidade do Homem Simples (2ª edição revista e ampliada, Contexto, 2008) e A Aparição do Demônio na Fábrica (Editora 34, 2008).
DEU EM O SÃO PAULO
É destes dias a constatação, por meio de pesquisa, da precocidade da iniciação sexual de meninas e meninos da classe média. Uma pesquisa com mais de 6 mil alunos de escolas particulares, entre 13 e 16 anos de idade, mostrou que 22% já haviam tido a primeira relação. Nesse grupo, 72% dos adolescentes tinham tido mais de uma parceira; e 44% das adolescentes tinham tido mais de um parceiro. Embora a pesquisa se circunscreva à classe média, as indicações indiretas sugerem que o cenário se repete em relação às outras categorias sociais, ainda que com intensidades diferentes.
A implicação imediata desses resultados é a de que a cultura da sexualidade está mudando rápida e intensamente. Mas é, também, a de que a concepção de casamento e família está sendo profundamente afetada, bem como a de procriação. As muitas evidências de procriação irresponsável, não raro precoce, sugerem um problema social fora de controle, com tendência a agravar-se. Há um número provavelmente crescente de crianças que nascem condenadas a uma socialização mutilada, seja por falta de maturidade social e econômica dos pais, seja pela ausência do pai ou mesmo da mãe.
Estamos em face de um claro processo de desagregação do grupo social tradicional de referência para o nascimento e a primeira socialização das crianças, que é a família. Esse processo pode, eventualmente, ser contido, mas não há como revertê-lo em relação ao já ocorrido, ainda que muitos jovens enfrentem madura e corajosamente as conseqüências da sexualidade antecipada.
Um dos principais fatores dessas mudanças está no amadurecimento desigual das novas gerações: mais cedo na sexualidade e mais tarde no plano econômico e produtivo. O abismo é preenchido por uma sociabilidade nova e improvisada, até criativa, que discrepa da fundada na família. O jovem, hoje, flutua nessa cultura intermediária e indefinida, sem uma base institucional própria de apoio. No passado recente, amadurecia-se por igual, de modo que o amadurecimento sexual acompanhava o amadurecimento econômico (e a autonomia) e a constituição de família própria. A sociedade se desenvolvia, em termos pessoais e sociais, em ritmos iguais, nos seus vários planos. O desencontro dos planos e dos ritmos da mudança social responde por comportamentos que se tornam problemáticos porque ocorrem fora do contexto apropriado e de apropriadas relações sociais, como é o caso de ser mãe ou pai sem ter condições de constituir família.
*José de Souza Martins, professor de Sociologia da Faculdade de Filosofia da USP, é autor de O Sujeito Oculto (Ordem e transgressão na reforma agrária), Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2003;A Sociabilidade do Homem Simples (2ª edição revista e ampliada, Contexto, 2008) e A Aparição do Demônio na Fábrica (Editora 34, 2008).
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