DEU EM O GLOBO
As críticas dos comandantes das Forças Armadas e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) levaram o presidente Lula a recuar e determinar mudanças no Programa Nacional dos Direitos Humanos, que provoca polêmica desde que foi lançado, em dezembro. Será alterado um trecho do decreto que prevê a criação da Comissão Nacional da Verdade para investigar atos cometidos durante a ditadura. A versão original diz que a comissão vai apurar violações de direitos humanos "praticadas no contexto da repressão política", o que abriria caminho para punir torturadores. O texto passa a ser "praticadas no contexto de conflitos políticos". Lula também mandou excluir o trecho em que o governo apoia projeto de lei que descriminaliza o aborto. Mas outros pontos polêmicos, ainda não foram alterados, como os que tratam dos meios de comunicação e da reforma agrária. O presidente reclamou do ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, por ter criticado publicamente o item que muda normas de reintegração de posse em terras invadidas.
Lula recua e tenta conter crise
Para atender a militares, presidente manda alterar expressão no decreto da Comissão da Verdade
Gerson Camarotti BRASÍLIA
Para tentar encerrar a crise deflagrada no governo com o lançamento do novo Programa Nacional dos Direitos Humanos, que trata dos mais variados temas e defende aprovação de 27 novas leis, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve determinar uma alteração no texto do decreto que previa a criação da Comissão Nacional da Verdade para investigar atos cometidos durante a ditadura militar.
Atendendo a pedido do ministro da Defesa, Nelson Jobim, e dos comandantes militares, a frase que justificava a criação da comissão deve ser mudada. A versão original diz que a comissão vai apurar violações de direitos humanos “praticadas no contexto da repressão política”.
Na nova versão, entrará a expressão “praticadas no contexto de conflitos políticos”.
No jargão das Forças Armadas, a mudança de expressão significa que a Comissão da Verdade investigará não só militares, mas também militantes da esquerda armada durante a ditadura. Antes de anunciar a decisão, Lula informou a auxiliares, na primeira reunião de coordenação política do ano, que conversará com os ministros Paulo Vannuchi (Secretaria de Direitos Humanos) e Jobim. A conversa deve ocorrer até amanhã.
Lula deseja uma solução negociada, sem traumas.
Segundo integrantes do governo, ele determinara a Vannuchi a substituição da expressão antes de ir a Copenhague, em dezembro.
Lula também ordenará mudanças no trecho sobre aborto. Não se falou na reunião, porém, em alteração de outros pontos polêmicos: a criação de um grupo para discutir com o Congresso iniciativas propondo a revogação de leis remanescentes da ditadura e que tenham sustentado violações — ponto interpretado pelos militares como brecha para rever a Lei da Anistia — e a mudança nos critérios de concessão de rádios e TVs.
Lula teria pedido a mudança do texto sobre a Comissão da Verdade durante uma escala de voo que fez em Natal, no dia 15 de dezembro, depois de ter sido alertado por Jobim. Lula acionou seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, para falar com Vannuchi, mas este alegou que o texto já estava na gráfica e não dava mais para fazer a alteração. O episódio foi confirmado ao GLOBO pelo deputado Raul Jungmann (PPS-PE), que conversou com Vannuchi semana passada.
Mas, apesar da alegação de Vannuchi, o governo ainda poderia ter mudado o decreto, que só foi editado em 21 de dezembro. O texto acabou sendo publicado sem alteração, e os comandantes das Forças Armadas reagiram com um pedido de demissão coletiva.
Presidente se queixa das críticas de Stephanes
Após a reunião, integrantes do governo tentaram amenizar a dimensão da crise política. Mas o próprio presidente reconhece que houve divergência interna na formulação do programa. Para ministros, chegou a afirmar que não entende o motivo de o assunto ter virado uma crise. A expectativa é que o problema seja resolvido ainda esta semana, e que nem Jobim nem Vannuchi peçam demissão. Os dois chegaram a pôr os cargos à disposição. De todo jeito, Lula não pedirá a nenhum ministro para ficar no governo, caso haja um pedido formal para deixar a equipe.
— Ir embora é um direito de todo ministro que não quer ficar no governo — resumiu um auxiliar direto do presidente Lula.
Lula está especialmente chateado com o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, que criticou o Programa de Direitos Humanos semana passada. Ele é contra ministros discutirem divergências internas publicamente. Stephanes afirmou que as medidas aumentam a insegurança jurídica no campo, referindo-se ao trecho que trata da reintegração de posse de terras invadidas.
Para Lula, a intervenção de Stephanes foi um equívoco, por ter reforçado apenas o discurso da presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), senadora Kátia Abreu (DEMTO), que é da oposição. Na ocasião, Stephanes e o ministro Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário) também divergiram publicamente.
Há consenso no Planalto de que não haverá problema na substituição do texto, com a inclusão da expressão “conflito político”. Ontem, ministros disseram a que a Comissão da Verdade pode ouvir também integrantes da esquerda armada.
Um assessor disse que quem se esconde em relação a esse tema “é o pessoal do porão”, referência a militares acusados de tortura e assassinato.
E acrescentou que os militantes de esquerda têm orgulho de suas atuações. Também citou a atuação do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o DOI-Codi em São Paulo, de 1970 a 1974, período em que muitos militantes foram mortos e torturados.
Participaram da reunião o vice-presidente José Alencar, Dilma Rousseff (Casa Civil), Franklin Martins (Secretaria de Comunicação), Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Nelson Barbosa (secretário-executivo da Fazenda).
As críticas dos comandantes das Forças Armadas e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) levaram o presidente Lula a recuar e determinar mudanças no Programa Nacional dos Direitos Humanos, que provoca polêmica desde que foi lançado, em dezembro. Será alterado um trecho do decreto que prevê a criação da Comissão Nacional da Verdade para investigar atos cometidos durante a ditadura. A versão original diz que a comissão vai apurar violações de direitos humanos "praticadas no contexto da repressão política", o que abriria caminho para punir torturadores. O texto passa a ser "praticadas no contexto de conflitos políticos". Lula também mandou excluir o trecho em que o governo apoia projeto de lei que descriminaliza o aborto. Mas outros pontos polêmicos, ainda não foram alterados, como os que tratam dos meios de comunicação e da reforma agrária. O presidente reclamou do ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, por ter criticado publicamente o item que muda normas de reintegração de posse em terras invadidas.
Lula recua e tenta conter crise
Para atender a militares, presidente manda alterar expressão no decreto da Comissão da Verdade
Gerson Camarotti BRASÍLIA
Para tentar encerrar a crise deflagrada no governo com o lançamento do novo Programa Nacional dos Direitos Humanos, que trata dos mais variados temas e defende aprovação de 27 novas leis, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve determinar uma alteração no texto do decreto que previa a criação da Comissão Nacional da Verdade para investigar atos cometidos durante a ditadura militar.
Atendendo a pedido do ministro da Defesa, Nelson Jobim, e dos comandantes militares, a frase que justificava a criação da comissão deve ser mudada. A versão original diz que a comissão vai apurar violações de direitos humanos “praticadas no contexto da repressão política”.
Na nova versão, entrará a expressão “praticadas no contexto de conflitos políticos”.
No jargão das Forças Armadas, a mudança de expressão significa que a Comissão da Verdade investigará não só militares, mas também militantes da esquerda armada durante a ditadura. Antes de anunciar a decisão, Lula informou a auxiliares, na primeira reunião de coordenação política do ano, que conversará com os ministros Paulo Vannuchi (Secretaria de Direitos Humanos) e Jobim. A conversa deve ocorrer até amanhã.
Lula deseja uma solução negociada, sem traumas.
Segundo integrantes do governo, ele determinara a Vannuchi a substituição da expressão antes de ir a Copenhague, em dezembro.
Lula também ordenará mudanças no trecho sobre aborto. Não se falou na reunião, porém, em alteração de outros pontos polêmicos: a criação de um grupo para discutir com o Congresso iniciativas propondo a revogação de leis remanescentes da ditadura e que tenham sustentado violações — ponto interpretado pelos militares como brecha para rever a Lei da Anistia — e a mudança nos critérios de concessão de rádios e TVs.
Lula teria pedido a mudança do texto sobre a Comissão da Verdade durante uma escala de voo que fez em Natal, no dia 15 de dezembro, depois de ter sido alertado por Jobim. Lula acionou seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, para falar com Vannuchi, mas este alegou que o texto já estava na gráfica e não dava mais para fazer a alteração. O episódio foi confirmado ao GLOBO pelo deputado Raul Jungmann (PPS-PE), que conversou com Vannuchi semana passada.
Mas, apesar da alegação de Vannuchi, o governo ainda poderia ter mudado o decreto, que só foi editado em 21 de dezembro. O texto acabou sendo publicado sem alteração, e os comandantes das Forças Armadas reagiram com um pedido de demissão coletiva.
Presidente se queixa das críticas de Stephanes
Após a reunião, integrantes do governo tentaram amenizar a dimensão da crise política. Mas o próprio presidente reconhece que houve divergência interna na formulação do programa. Para ministros, chegou a afirmar que não entende o motivo de o assunto ter virado uma crise. A expectativa é que o problema seja resolvido ainda esta semana, e que nem Jobim nem Vannuchi peçam demissão. Os dois chegaram a pôr os cargos à disposição. De todo jeito, Lula não pedirá a nenhum ministro para ficar no governo, caso haja um pedido formal para deixar a equipe.
— Ir embora é um direito de todo ministro que não quer ficar no governo — resumiu um auxiliar direto do presidente Lula.
Lula está especialmente chateado com o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, que criticou o Programa de Direitos Humanos semana passada. Ele é contra ministros discutirem divergências internas publicamente. Stephanes afirmou que as medidas aumentam a insegurança jurídica no campo, referindo-se ao trecho que trata da reintegração de posse de terras invadidas.
Para Lula, a intervenção de Stephanes foi um equívoco, por ter reforçado apenas o discurso da presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), senadora Kátia Abreu (DEMTO), que é da oposição. Na ocasião, Stephanes e o ministro Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário) também divergiram publicamente.
Há consenso no Planalto de que não haverá problema na substituição do texto, com a inclusão da expressão “conflito político”. Ontem, ministros disseram a que a Comissão da Verdade pode ouvir também integrantes da esquerda armada.
Um assessor disse que quem se esconde em relação a esse tema “é o pessoal do porão”, referência a militares acusados de tortura e assassinato.
E acrescentou que os militantes de esquerda têm orgulho de suas atuações. Também citou a atuação do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o DOI-Codi em São Paulo, de 1970 a 1974, período em que muitos militantes foram mortos e torturados.
Participaram da reunião o vice-presidente José Alencar, Dilma Rousseff (Casa Civil), Franklin Martins (Secretaria de Comunicação), Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Nelson Barbosa (secretário-executivo da Fazenda).
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