Para ex-ministro da Fazenda, sistema de metas de inflação promove juros elevados de forma permanente
Ricardo Leopoldo, da Agência Estado
SÃO PAULO - Apesar de o Brasil ter a perspectiva de crescer entre 5% e 6% neste ano, com inflação ao redor de 4,5%, o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira não está otimista com as perspectivas da economia nacional no longo prazo. Para ele, há uma "expectativa péssima" em relação ao futuro próximo do País, pois o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) é "medíocre" em relação ao apurado pela China e Índia nos últimos quatro anos e há um problema estrutural: a forte expansão do déficit em contas correntes, que deve atingir US$ 40 bilhões neste ano, o equivalente a 2,1% do PIB, de acordo com previsão do Banco Central.
Para Bresser-Pereira, o Brasil adotou uma política econômica que precisa mudar, pois o sistema de metas de inflação promove juros elevados de forma permanente, ao mesmo tempo em que mantém o câmbio valorizado para gerar estabilidade dos preços, sobretudo porque facilita a compra de produtos importados. Contudo, destaca o ex-ministro, essa estratégia implementada desde 1999, no começo do segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, está agora levando o País a um endividamento perigoso, além de não permitir um avanço do PIB mais próximo ao registrado por outros mercados emergentes.
"Estamos voltando a uma situação ideal para os países ricos em relação aos seus competidores em desenvolvimento: mantê-los altamente endividados, o que os obriga a fazer as políticas que os países ricos querem", comentou. "A América Latina sempre foi vítima disso e a Ásia não. Muitos acreditam nessa invenção da hegemonia ideológica do norte, o que facilita muito para o Brasil se endividar", disse.
Ele destacou que o País cresceu bem mais nos anos 2000 do que na década anterior porque o período foi marcado por grandes superávits em contas correntes. Mesmo assim, diz o acadêmico, a combinação de juros nominais altos em níveis internacionais e câmbio valorizado (apreciação de 20% em termos reais tendo como base junho de 1994, como aponta o BC, com a moeda nacional comparada a uma cesta de 15 divisas) fez com que a economia nacional registrasse uma expansão bem modesta nos últimos quatro anos. Segundo ele, a taxa média de incremento do PIB no período da China e da Índia em relação ao Brasil foi 3 e 2,5 vezes superior, respectivamente.
Na opinião de Bresser-Pereira, a política de juros elevados e câmbio flutuante - "mas que só se valoriza" - não deverá ser alterada pelo governo no ano eleitoral. Ele tem a esperança de que o próximo presidente da República, que poderia ser o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), ou a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), poderia alterar gradualmente estes vetores na condução da economia.
Perguntado pela Agência Estado sobre sua avaliação das declarações do presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (CE), à revista Veja, segundo as quais Serra no Palácio do Planalto vai mexer no sistema de metas de inflação, na taxa de juros e de câmbio, o ex-ministro afirmou que concorda com tais ponderações. "Tudo o que eu sei em relação ao pensamento de José Serra é semelhante ao que eu penso. É claro que ele é político e tem de ir com mais cuidado.
Eu sou intelectual, não devo ter tanto cuidado, devo ser mais franco e objetivo. Não há dúvida nenhuma de que é preciso mudar a política de câmbio e de juros", afirmou.
Para o ex-ministro, que é professor da Fundação Getúlio Vargas, o problema dos juros reais ao redor de 5,6% é muito sério, mas o câmbio valorizado é ainda mais grave. Segundo ele, a Selic muito alta causa "um custo brutal ao Estado", pois impacta diretamente a dívida pública.
Contudo, o governo conseguiu equacionar esta questão de "uma forma perversa", com juros subsidiados, o que ele apoia. Segundo ele, isso "atende aos capitalistas rentistas" e não inviabiliza os investimentos das empresas, pois há taxas menores que a Selic nos financiamentos concedidos às indústrias pelo BNDES, através da TJLP, e aos agricultores, por intermédio dos empréstimos liberados pelo Banco do Brasil.
"A taxa de câmbio apreciada é absolutamente mortal para uma economia", disse Bresser-Pereira. Para ele, a melhor forma de atacar a apreciação do câmbio é o controle de capitais quando ingressam no País. Segundo o ex-ministro, de certa forma esta política começou a ser feita pelo governo pela instituição da taxa de 2% de IOF sobre investimentos que vêm do exterior em direção a títulos públicos e ações de empresas negociadas na BM&FBovespa.
Embora não tenha defendido outras medidas específicas, o ex-ministro afirmou que tal prática é bem mais eficiente e menos custosa ao governo do que aumentar as reservas internacionais, sobretudo com a compra de dólares no mercado à vista. "Entre 1930 e 1980, quando o Brasil se desenvolveu depressa, isso ocorreu com controle de capitais. A China cresce com controle de capitais", disse.
Para Bresser-Pereira, a mudança da política econômica também requer uma redução expressiva dos juros reais, que estão ao redor de 5,6% pelo critério ex-ante. Tal taxa é muito próxima de zero em vários países asiáticos e negativa no Japão, EUA e Inglaterra. Neste contexto, seria importante discutir o sistema de metas de inflação, pois, para ele, o sistema existe simplesmente para sustentar a âncora cambial de forma indireta e coibir uma expansão mais forte do crescimento do País, dado que a Selic precisa ser expressiva para levar o IPCA ao objetivo de 4,5%.
Ao final de seus comentários para um pequeno grupo de jornalistas no intervalo de um seminário internacional na FGV-SP, Bresser-Pereira, que se qualifica como heterodoxo e desenvolvimentista, foi mordaz contra os economistas ortodoxos. "Eu sempre fui a favor de déficit público em torno de zero e eles (ortodoxos) sempre foram a favor de déficit público em torno de 3% do PIB. Nós (heterodoxos) sempre fomos violentamente contra déficit em conta corrente. Eles são a favor. Eu tenho impressão que populistas são os nossos amigos ortodoxos, que falando em nome dos interesses dos países ricos promovem o déficit em conta corrente no Brasil", afirmou.
Ricardo Leopoldo, da Agência Estado
SÃO PAULO - Apesar de o Brasil ter a perspectiva de crescer entre 5% e 6% neste ano, com inflação ao redor de 4,5%, o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira não está otimista com as perspectivas da economia nacional no longo prazo. Para ele, há uma "expectativa péssima" em relação ao futuro próximo do País, pois o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) é "medíocre" em relação ao apurado pela China e Índia nos últimos quatro anos e há um problema estrutural: a forte expansão do déficit em contas correntes, que deve atingir US$ 40 bilhões neste ano, o equivalente a 2,1% do PIB, de acordo com previsão do Banco Central.
Para Bresser-Pereira, o Brasil adotou uma política econômica que precisa mudar, pois o sistema de metas de inflação promove juros elevados de forma permanente, ao mesmo tempo em que mantém o câmbio valorizado para gerar estabilidade dos preços, sobretudo porque facilita a compra de produtos importados. Contudo, destaca o ex-ministro, essa estratégia implementada desde 1999, no começo do segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, está agora levando o País a um endividamento perigoso, além de não permitir um avanço do PIB mais próximo ao registrado por outros mercados emergentes.
"Estamos voltando a uma situação ideal para os países ricos em relação aos seus competidores em desenvolvimento: mantê-los altamente endividados, o que os obriga a fazer as políticas que os países ricos querem", comentou. "A América Latina sempre foi vítima disso e a Ásia não. Muitos acreditam nessa invenção da hegemonia ideológica do norte, o que facilita muito para o Brasil se endividar", disse.
Ele destacou que o País cresceu bem mais nos anos 2000 do que na década anterior porque o período foi marcado por grandes superávits em contas correntes. Mesmo assim, diz o acadêmico, a combinação de juros nominais altos em níveis internacionais e câmbio valorizado (apreciação de 20% em termos reais tendo como base junho de 1994, como aponta o BC, com a moeda nacional comparada a uma cesta de 15 divisas) fez com que a economia nacional registrasse uma expansão bem modesta nos últimos quatro anos. Segundo ele, a taxa média de incremento do PIB no período da China e da Índia em relação ao Brasil foi 3 e 2,5 vezes superior, respectivamente.
Na opinião de Bresser-Pereira, a política de juros elevados e câmbio flutuante - "mas que só se valoriza" - não deverá ser alterada pelo governo no ano eleitoral. Ele tem a esperança de que o próximo presidente da República, que poderia ser o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), ou a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), poderia alterar gradualmente estes vetores na condução da economia.
Perguntado pela Agência Estado sobre sua avaliação das declarações do presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (CE), à revista Veja, segundo as quais Serra no Palácio do Planalto vai mexer no sistema de metas de inflação, na taxa de juros e de câmbio, o ex-ministro afirmou que concorda com tais ponderações. "Tudo o que eu sei em relação ao pensamento de José Serra é semelhante ao que eu penso. É claro que ele é político e tem de ir com mais cuidado.
Eu sou intelectual, não devo ter tanto cuidado, devo ser mais franco e objetivo. Não há dúvida nenhuma de que é preciso mudar a política de câmbio e de juros", afirmou.
Para o ex-ministro, que é professor da Fundação Getúlio Vargas, o problema dos juros reais ao redor de 5,6% é muito sério, mas o câmbio valorizado é ainda mais grave. Segundo ele, a Selic muito alta causa "um custo brutal ao Estado", pois impacta diretamente a dívida pública.
Contudo, o governo conseguiu equacionar esta questão de "uma forma perversa", com juros subsidiados, o que ele apoia. Segundo ele, isso "atende aos capitalistas rentistas" e não inviabiliza os investimentos das empresas, pois há taxas menores que a Selic nos financiamentos concedidos às indústrias pelo BNDES, através da TJLP, e aos agricultores, por intermédio dos empréstimos liberados pelo Banco do Brasil.
"A taxa de câmbio apreciada é absolutamente mortal para uma economia", disse Bresser-Pereira. Para ele, a melhor forma de atacar a apreciação do câmbio é o controle de capitais quando ingressam no País. Segundo o ex-ministro, de certa forma esta política começou a ser feita pelo governo pela instituição da taxa de 2% de IOF sobre investimentos que vêm do exterior em direção a títulos públicos e ações de empresas negociadas na BM&FBovespa.
Embora não tenha defendido outras medidas específicas, o ex-ministro afirmou que tal prática é bem mais eficiente e menos custosa ao governo do que aumentar as reservas internacionais, sobretudo com a compra de dólares no mercado à vista. "Entre 1930 e 1980, quando o Brasil se desenvolveu depressa, isso ocorreu com controle de capitais. A China cresce com controle de capitais", disse.
Para Bresser-Pereira, a mudança da política econômica também requer uma redução expressiva dos juros reais, que estão ao redor de 5,6% pelo critério ex-ante. Tal taxa é muito próxima de zero em vários países asiáticos e negativa no Japão, EUA e Inglaterra. Neste contexto, seria importante discutir o sistema de metas de inflação, pois, para ele, o sistema existe simplesmente para sustentar a âncora cambial de forma indireta e coibir uma expansão mais forte do crescimento do País, dado que a Selic precisa ser expressiva para levar o IPCA ao objetivo de 4,5%.
Ao final de seus comentários para um pequeno grupo de jornalistas no intervalo de um seminário internacional na FGV-SP, Bresser-Pereira, que se qualifica como heterodoxo e desenvolvimentista, foi mordaz contra os economistas ortodoxos. "Eu sempre fui a favor de déficit público em torno de zero e eles (ortodoxos) sempre foram a favor de déficit público em torno de 3% do PIB. Nós (heterodoxos) sempre fomos violentamente contra déficit em conta corrente. Eles são a favor. Eu tenho impressão que populistas são os nossos amigos ortodoxos, que falando em nome dos interesses dos países ricos promovem o déficit em conta corrente no Brasil", afirmou.
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