No comando das próximas eleições, o presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE), Nametala Machado Jorge, já se reuniu com a Secretaria de Segurança Pública e com a Polícia Federal para mapear as áreas conflagradas no estado. O alvo é a atuação política de milicianos, traficantes e bicheiros e a formação de currais eleitorais - uma das prioridades de sua gestão, iniciada em novembro. Aos eleitores, um apelo: que digam "basta, não me venham com com milícia, bicheiros, abuso de poder econômico".
Um basta à milícia e ao tráfico
Novo presidente do TRE pretende combater influência de criminosos na política
ENTREVISTA
Nametala Machado Jorge
A atuação política de milicianos, traficantes e bicheiros será um dos principais alvos do presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE), Nametala Machado Jorge, nas eleições de outubro.
Empossado em novembro do ano passado, o desembargador concedeu sua primeira entrevista no novo cargo e adiantou ao GLOBO as decisões que pretende tomar na corrida eleitoral deste ano. De olho nos chamados currais eleitorais, já fez uma reunião com representantes da cúpula da Secretaria de Segurança Pública do estado e da Polícia Federal. Em conjunto com o setor de inteligência da secretaria, está montando um mapa com todos os pontos conflagrados do estado.
Nascido em Cambuci, no Norte Fluminense, de ascendência libanesa e católico praticante, o presidente não dará prosseguimento à campanha contra os candidatos com fichas sujas: “Não vou me insurgir contra a decisão do Supremo”.
Sobre as investigações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra os dois últimos presidentes do TRE-RJ (Roberto Wider e Alberto Motta Moraes), iniciadas após uma série de reportagens do GLOBO, Nametala diz que não pode fazer juízo de valor, mas lamenta que isso aconteça: “Uma decisão eventualmente equivocada de apenas um de seus componentes não pode comprometer o órgão”, afirma, completando com uma promessa: “Andaram falando em blindagem (de políticos).
Não sei se existiu, mas o eleitor pode estar confiante: não haverá dois pesos e duas medidas
Flávio Tabak
O GLOBO: Os currais eleitorais tiveram grande destaque nas eleições de 2008. Como o senhor vai combater esse problema e o uso da máquina pública?
NAMETALA JORGE: Quero que o resultado das urnas expresse a vontade popular. Estamos trabalhando para que haja um equilíbrio de forças entre os concorrentes e, para que isso aconteça, é preciso que todos habitem um terreno livre. Fizemos uma reunião com a cúpula da segurança e tratamos da questão da milícia, dos bicheiros e traficantes, sabendo que, desgraçadamente, há gente influente apoiada por eles, inclusive policiais. Há também parentes de traficantes com manguinhas de fora dizendo que são candidatos. Temos que primeiro mapear os pontos conflagrados. Teremos também uma reunião com o secretário estadual Regis Fichtner (Casa Civil) para tratar do apoio que o governo deve dar ao TRE e, sobretudo, estabelecer regras de comportamento. Se eles (governo) precisarem, nós temos, de forma gratuita, pessoas qualificadas para orientá-los sobre a campanha. Quero que o eleitor fluminense diga: “Basta. Não me venham com milícia, bicheiros, abuso de poder econômico, da máquina administrativa. Vou votar no fulano porque acho que ele é bom ou o menos pior”.
Com o mapa em mãos, o senhor chamaria as Forças Armadas para combater os currais, como ocorreu em 2008?
NAMETALA: O Exército não funciona (em eleições). Na Operação Guanabara (quando militares ocuparam favelas do Rio às vésperas das eleições de 2008), era tudo muito bonito, mas quem dá respaldo é a velha Polícia Militar. Se houver necessidade, traremos (o Exército), não vamos abrir mão de uma força tão importante, mas, a princípio, está descartada. O Exército fica três dias num lugar e depois aparece um vácuo. Já a polícia está lá constantemente. Se tivermos uma polícia militar atuante, com comando firme, vamos garantir nesses currais uma liberdade de discurso eleitoral. Não estou com medo, tenho certeza de que posso contar com a segurança pública do estado.
O CNJ investiga os dois últimos presidentes do TRE. Um deles, Roberto Wider, foi afastado de suas funções como desembargador no TJ do Rio por suspeitas de ter favorecido um lobista. Depois disso, como fica a imagem do TRE para os eleitores?
NAMETALA: Como juiz, só emito juízo de valor olhando as provas. Não as conheço. Lamento que isso aconteça, não é bom que haja razões para a instauração desses procedimentos. No fundo chega na gente, toca todo mundo. Os próprios parentes falam: “aquele seu colega, o fulano...”. Temos aí uma decisão do CNJ afastando até um colega de suas funções normais e também a notícia de investigação de outro colega. Vou aguardar a decisão. Qualquer fato que tenha conotação com um ex-integrante do órgão não pode afetar o órgão, que vive de suas decisões. Podemos cometer pecados, mas só os veniais, não os capitais. O eleitor pode ficar absolutamente certo de que o TRE terá uma atuação tranquila, correta e séria. Andaram falando em blindagem (de políticos). Não sei se existiu, mas o eleitor pode estar confiante: não haverá dois pesos e duas medidas. Aqui o político só será absolvido se a prova dos autos autorizar sua absolvição.
E o combate aos fichas-sujas? Mesmo com o Supremo permitindo candidaturas de pessoas com anotações criminais que não transitaram em julgado, o senhor impugnará e divulgará os nomes?
NAMETALA: O TRE está sendo rígido nessas questões, mas temos limites, que são a lei e as decisões do STF. A lei em vigor estabelece que a inelegibilidade dos fichas-sujas decorre apenas de uma sentença condenatória transitada em julgado. Enquanto não houver uma lei editada pelo Congresso, esses candidatos com passivo criminal são elegíveis. Para um leigo soa muito esquisito, mas nós, juízes, temos que entender que é assim que funciona a democracia. Não vou me insurgir contra a decisão do Supremo. As impugnações virão, e os eleitores podem vêlas no site do TRE, mas não haverá uma campanha aberta, não vou fazer aquele carimbo. Temos que contar com a consciência do eleitor porque ele (ficha-suja) não está impedido de concorrer, mas, moralmente, não deve receber o voto. O eleitor tem de ser o grande juiz dessa causa.
Como o senhor disciplinará a propaganda eleitoral irregular?
NAMETALA: Sou do interior. A compra de voto existe embora nem sempre haja prova efetiva disso. O eleitor está tão viciado que ele já pede a vantagem ao político. Um não dá, outro dá. Aquele que infringe a lei acaba eleito. Quero atuar no sentido de obstar essa prática com fiscalização e conscientização. Vou chamar os partidos políticos para uma reunião depois do carnaval, para tratar dessas questões. Temos que conscientizálos para que policiem seus filiados e, assim, tenhamos uma campanha limpa e livre de irregularidades e maus costumes.
Que mensagem o senhor daria aos políticos?
NAMETALA: Que sejam bem-vindos, desde que no campo da paz e da obediência às regras legais, porque o TRE não vai refrescar. Não importa quem seja. Se alguém pensa que o TRE poderá, em razão de circunstâncias, privilegiar um em detrimento do outro, está redondamente errado. Não venham porque será uma grande decepção para eles e uma grande alegria para nós. Não estaremos aqui fazendo caça às bruxas, mas se aparecer alguma, vamos ter que providenciá-la (a caça). Não podemos permitir que o ingresso no poder estatal seja feito a qualquer preço.
O senhor já foi procurado por algum político?
NAMETALA: Ninguém me procurou. A esta altura da minha vida, quase chegando aos 67 anos, 35 para 36 anos de magistratura, 48 de serviço público, já sei dizer sim e não. Se você começa a administrar com dois pesos e duas medidas, só porque alguém se sente muito importante, você acaba se perdendo, não cumpre a finalidade de seu cargo. Quebra os princípios de seu berço e se autodesmoraliza. Fizemos uma reunião com a cúpula da segurança e tratamos da questão da milícia, dos bicheiros e traficantes. Há gente influente apoiada por eles, inclusive policiais. Não estou com medo, tenho certeza de que posso contar com a segurança pública do estado. Não haverá dois pesos e duas medidas. O político só será absolvido se a prova dos autos autorizar sua absolvição. Se alguém pensa que o TRE poderá, em razão de circunstâncias, privilegiar um em detrimento do outro, está redondamente errado.
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