DEU EM O GLOBO
ENTREVISTA /Mendonça de Barros
Para o economista José Roberto Mendonça de Barros, turbulência deu ao governo Lula a justificativa para intervir na economia
SÃO PAULO. A crise financeira foi uma bênção para o governo Lula, porque criou uma justificativa para o aumento do peso do Estado na economia. Essa é a avaliação do economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados.
Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1995 a 1998, no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso), ele diz que o governo promove manipulação política ao dizer que a maior intervenção estatal foi decisiva para tirar o país mais rápido da estagnação. Para ele, o aumento de gastos correntes vai limitar a capacidade de investimento público. “A crise financeira internacional foi uma bênção para os partidários do Estado gordo”, afirmou ele.
Aguinaldo Novo
O GLOBO: Estado forte ou Estado grande?
JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS: Estado eficiente, forte para realizar suas funções. A História mostra que o Estado grande, em geral, é ineficiente. Quanto maior seu tamanho, mais difícil manter padrões razoáveis de eficiência. Nessa situação, o Estado também perde a noção de clientela, de que existe para trabalhar para a população. Muitas vezes, a preocupação maior passa a ser a de defender os interesses da corporação.
Como o senhor vê essa discussão hoje no Brasil?
MENDONÇA DE BARROS: Há confusão e manipulação política também. Em parte, porque no Brasil o debate público costuma se situar nos extremos: ou é o Estado que faz tudo ou é o neoliberal, do Estado mínimo. Na verdade, nunca existiu Estado mínimo no Brasil. Da mesma forma como as experiências de controle estatal absoluto, em geral, não deixaram resultados positivos.
É para qual modelo de Estado que o país caminha?
MENDONÇA DE BARROS: O governo, cuja orientação é dada pelo presidente Lula e pela ministra Dilma, tem uma visão de crescer o Estado. Diz isso todos os dias, tem isso como proposta de continuidade. No fundo, a frase é: um pouco mais de Estado é a solução para todos. Isso é completamente falso. A verdade é que caminhamos para um Estado mais pesado e menos eficiente.
Mas a intervenção do governo não foi decisiva para impedir uma queda maior do PIB em 2009?
MENDONÇA DE BARROS: A crise financeira internacional foi uma bênção para os partidários do Estado gordo. A verdade, porém, é que essa crise foi antes de tudo provocada pela escassez de regulação dos mercados, que provocou movimentos especulativos muito fortes. Em circunstâncias de risco de recessão, o governo deve ter um papel mais ativo na sustentação de demanda. Mas essa intervenção tem de ser temporária. O que aconteceu no Brasil é que aquilo que seria uma solução keynesiana (referente a John M. Keynes, economista britânico que defendia um aumento dos gastos públicos em momentos de crise) bem vinda passou a ser usada como uma licença para assumir gastos permanentes e muito ligados a custeio. Se o custo (da crise) foi pequeno a curto prazo, será diferente a médio prazo. O país vai ter mais dificuldades para transitar para um crescimento sustentado de 6% ao ano sem gerar pressões inflacionárias, porque o peso dos gastos de custeio do Estado vai limitar por muito tempo a capacidade de investimento do governo. Caminhamos para um Estado mais pesado.
Apropriação indébita de Keynes?
MENDONÇA DE BARROS: O pobre deve estar se revirando agora na cova. Ele jamais pediu aumento de gastos permanentes.
O senhor desaprova o fortalecimento de empresas como a Petrobras e do Banco do Brasil e da Caixa Econômica?
MENDONÇA DE BARROS: Não tenho nada contra estatais, do ponto de vista conceitual ou ideológico. E nunca achei que Petrobras ou o BB devessem ser privatizados. Mas não faz sentido o BB continuar a correr mais riscos (ao aumentar sua carteira de empréstimos). No caso da Petrobras, o problema maior está no desmonte das agências reguladoras, que deu à empresa autonomia de voo que pode ser de interesse só da Petrobras, e não do país. Um exemplo: é crescente a produção de gás natural. De outro lado, as empresas se queixam de que a Petrobras se recusa a fazer contratos de longo prazo. O preço do gás natural no Brasil é um dos mais altos do mundo, e isso reduz a competitividade do nosso parque industrial. Uma agência independente teria papel relevante. Se bobear, a Petrobras pode virar uma nova PDVSA (petrolífera estatal venezuelana), no sentido de que seria um governo dentro do governo.
Esse será o legado do governo Lula?
MENDONÇA DE BARROS: Essa será uma herança que vai ficar e que será pesada. O professor Delfim Netto, numa entrevista recente, disse: está contratada uma encrenca do tamanho do Estado para a metade da década (com o aumento de gastos públicos e engessamento do orçamento).
Por que termos como privatização são quase palavrão no Brasil?
MENDONÇA DE BARROS: Há uma manipulação ideológica nessa questão. Do ponto de vista de resultados, é óbvio que a privatização produziu resultados extraordinários. As pessoas esquecem que a siderurgia foi 100% estatal. Entre os anos 80 e 90, o governo queimou cerca de US$ 20 bilhões no capital das siderúrgicas, algo que é tudo menos estratégico. O mesmo na mineração, nas telecomunicações. O que me decepciona é que a oposição (ao presidente Lula) não foi capaz de defender isso.
ENTREVISTA /Mendonça de Barros
Para o economista José Roberto Mendonça de Barros, turbulência deu ao governo Lula a justificativa para intervir na economia
SÃO PAULO. A crise financeira foi uma bênção para o governo Lula, porque criou uma justificativa para o aumento do peso do Estado na economia. Essa é a avaliação do economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados.
Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1995 a 1998, no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso), ele diz que o governo promove manipulação política ao dizer que a maior intervenção estatal foi decisiva para tirar o país mais rápido da estagnação. Para ele, o aumento de gastos correntes vai limitar a capacidade de investimento público. “A crise financeira internacional foi uma bênção para os partidários do Estado gordo”, afirmou ele.
Aguinaldo Novo
O GLOBO: Estado forte ou Estado grande?
JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS: Estado eficiente, forte para realizar suas funções. A História mostra que o Estado grande, em geral, é ineficiente. Quanto maior seu tamanho, mais difícil manter padrões razoáveis de eficiência. Nessa situação, o Estado também perde a noção de clientela, de que existe para trabalhar para a população. Muitas vezes, a preocupação maior passa a ser a de defender os interesses da corporação.
Como o senhor vê essa discussão hoje no Brasil?
MENDONÇA DE BARROS: Há confusão e manipulação política também. Em parte, porque no Brasil o debate público costuma se situar nos extremos: ou é o Estado que faz tudo ou é o neoliberal, do Estado mínimo. Na verdade, nunca existiu Estado mínimo no Brasil. Da mesma forma como as experiências de controle estatal absoluto, em geral, não deixaram resultados positivos.
É para qual modelo de Estado que o país caminha?
MENDONÇA DE BARROS: O governo, cuja orientação é dada pelo presidente Lula e pela ministra Dilma, tem uma visão de crescer o Estado. Diz isso todos os dias, tem isso como proposta de continuidade. No fundo, a frase é: um pouco mais de Estado é a solução para todos. Isso é completamente falso. A verdade é que caminhamos para um Estado mais pesado e menos eficiente.
Mas a intervenção do governo não foi decisiva para impedir uma queda maior do PIB em 2009?
MENDONÇA DE BARROS: A crise financeira internacional foi uma bênção para os partidários do Estado gordo. A verdade, porém, é que essa crise foi antes de tudo provocada pela escassez de regulação dos mercados, que provocou movimentos especulativos muito fortes. Em circunstâncias de risco de recessão, o governo deve ter um papel mais ativo na sustentação de demanda. Mas essa intervenção tem de ser temporária. O que aconteceu no Brasil é que aquilo que seria uma solução keynesiana (referente a John M. Keynes, economista britânico que defendia um aumento dos gastos públicos em momentos de crise) bem vinda passou a ser usada como uma licença para assumir gastos permanentes e muito ligados a custeio. Se o custo (da crise) foi pequeno a curto prazo, será diferente a médio prazo. O país vai ter mais dificuldades para transitar para um crescimento sustentado de 6% ao ano sem gerar pressões inflacionárias, porque o peso dos gastos de custeio do Estado vai limitar por muito tempo a capacidade de investimento do governo. Caminhamos para um Estado mais pesado.
Apropriação indébita de Keynes?
MENDONÇA DE BARROS: O pobre deve estar se revirando agora na cova. Ele jamais pediu aumento de gastos permanentes.
O senhor desaprova o fortalecimento de empresas como a Petrobras e do Banco do Brasil e da Caixa Econômica?
MENDONÇA DE BARROS: Não tenho nada contra estatais, do ponto de vista conceitual ou ideológico. E nunca achei que Petrobras ou o BB devessem ser privatizados. Mas não faz sentido o BB continuar a correr mais riscos (ao aumentar sua carteira de empréstimos). No caso da Petrobras, o problema maior está no desmonte das agências reguladoras, que deu à empresa autonomia de voo que pode ser de interesse só da Petrobras, e não do país. Um exemplo: é crescente a produção de gás natural. De outro lado, as empresas se queixam de que a Petrobras se recusa a fazer contratos de longo prazo. O preço do gás natural no Brasil é um dos mais altos do mundo, e isso reduz a competitividade do nosso parque industrial. Uma agência independente teria papel relevante. Se bobear, a Petrobras pode virar uma nova PDVSA (petrolífera estatal venezuelana), no sentido de que seria um governo dentro do governo.
Esse será o legado do governo Lula?
MENDONÇA DE BARROS: Essa será uma herança que vai ficar e que será pesada. O professor Delfim Netto, numa entrevista recente, disse: está contratada uma encrenca do tamanho do Estado para a metade da década (com o aumento de gastos públicos e engessamento do orçamento).
Por que termos como privatização são quase palavrão no Brasil?
MENDONÇA DE BARROS: Há uma manipulação ideológica nessa questão. Do ponto de vista de resultados, é óbvio que a privatização produziu resultados extraordinários. As pessoas esquecem que a siderurgia foi 100% estatal. Entre os anos 80 e 90, o governo queimou cerca de US$ 20 bilhões no capital das siderúrgicas, algo que é tudo menos estratégico. O mesmo na mineração, nas telecomunicações. O que me decepciona é que a oposição (ao presidente Lula) não foi capaz de defender isso.
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