DEU EM O GLOBO
Não faz muito tempo e éramos nós, os brasileiros, que estávamos com a integridade física ameaçada por um regime ditatorial. Muitos dos que estão no governo não podem ter se esquecido de como era importante para quem sofria, e para seus familiares, saber que havia solidariedade internacional.
Saber que a verdade podia sair no “Le Monde” ou algum governante lembrar de nós.
Não faz muito tempo que aos brasileiros presos por motivos políticos havia apenas o recurso de medidas extremas, na falta do direito de defesa. Quem fez uma greve de fome, ou viveu a aflição de ter uma pessoa querida neste ato desesperado, deve se lembrar: o que os levava a isso era a impossibilidade de chamar a atenção para a sua situação por qualquer outro meio; a imprensa censurada, o Judiciário amordaçado, o Congresso ameaçado.
O gesto era um grito de urgência. Às vezes era pelo direito de sair do confinamento, ou uma forma de não enlouquecer.
Não faz muito tempo que o único canal que vinha em socorro dos dissidentes brasileiros era o externo.
Governos democráticos se pronunciavam, cobravam, incomodavam os ditadores brasileiros para o alívio de quem sabia que essa pressão faria, em algum momento, um efeito. Até Henry Kissinger, o secretário americano de Estado durante a Guerra do Vietnã, tão odiado pela esquerda, recebeu a carta de Zuzu Angel sobre o filho morto. As informações que saiam daqui, de forma clandestina, contrariavam a versão oficial e alimentavam ONGs que defendiam os encarcerados ou perseguidos, como a preciosa Anistia Internacional.
Hoje os dissidentes daquele tempo espalharam-se e divergem entre si em vários partidos, grupos políticos, correntes de pensamento.
Mas certamente todos se lembram de como foi importante haver uma janela para o mar, para olhar o mundo à espera de algum reforço. Foram muitos os governantes estrangeiros que perguntaram pelos nossos dissidentes, quiseram saber das torturas e desaparecidos, defenderam princípios democráticos, constrangendo os generais. Jimmy Carter, por exemplo. As notícias dessas pressões circulavam como uma válvula de escape, uma esperança.
Fico pensando no que cada um dos dissidentes brasileiros sentiria se um governante democrático viesse ao Brasil e nos comparasse a criminosos comuns e dissesse que estávamos sendo julgados pelas leis brasileiras. Diríamos: que leis, cara pálida? O AI-5? Tribunais militares? Lei de Segurança Nacional? Diríamos que existem leis ilegítimas, e as da ditadura eram assim.
Os que estão no governo não podem ter se esquecido.
Foi há pouco tempo.
Afinal, se toda lei de cada país tivesse que ser respeitada, então a lei nazista que mandava prender, confinar e matar judeus, teria que ter sido respeitada pelo mundo, com o argumento de ser um assunto interno alemão.
O apartheid foi lei na África do Sul. A segregação foi lei nos Estados Unidos. A escravidão foi lei no Brasil.
Em todos esses casos houve condenações internacionais valiosas, para se somar a quem internamente combatia os crimes.
Há leis em Cuba que ferem todos os princípios do Direito, e penas extravagantes para supostos crimes.
Lei que dá pena de prisão para quem tem a intenção de cometer crime, entendendo por crime o ato de criar um sindicato independente, como o que o presidente Lula fundou no ABC. A acusação que recaiu sobre Orlando Zapata Tamayo era de “desacato”, e ele estava preso por oito anos, quando morreu.
O ministro Celso Amorim tentou defender as declarações do presidente Lula, esbofeteando os fatos. “Quando tem que falar alguma coisa, você fala de outra forma, discretamente, não pela mídia.
Nós temos experiência de que essas condenações que são feitas habitualmente não têm efeito prático”, disse o ministro.
Aos fatos: primeiro, o presidente Lula usou a mídia, mas para culpar o morto, defender o regime e pedir respeito às leis cubanas. Segundo, nossa experiência nos diz, sim, que as condenações feitas à ditadura militar brasileira tiveram o efeito prático de se somar às forças internas. Foram parte da vitória.
Até o general João Figueiredo fez melhor que isso.
Nos seus discursos — e dos do seu chanceler, Ramiro Guerreiro — nas visitas a outros regimes militares aparecia sempre a defesa da abertura política, e um aviso aos governantes, com alguma variante da frase: “ventos de mudança sopram sobre a região.” A ministra Dilma Rousseff, eternamente grata ao presidente Lula, por bons motivos, deve ter feito algum esforço para apagar registros da memória antes de dizer o que disse: “Acho que são presos. Não são presos maus ou bons. São presos.” Quando ela esteve presa, certamente achava que havia presos “bons” e não se sentia uma criminosa comum.
A candidata, ao ser perguntada sobre o assunto, disse que compartilha “integralmente” a posição do presidente Lula e explicou: “Não somos submissos e não estamos com o pires nas mãos pedindo US$ 14 bilhões de empréstimo ao FMI, mas estamos emprestando.” Diante da insistência dos jornalistas que queriam entender a relação de uma coisa e outra, ela continuou se distanciando da pergunta: “Não somos aqueles que vão invadir países. Sou completamente favorável ao que diz e faz o presidente Lula, que nos deu orgulho de ser brasileiros.
Nós não somos agressivos. O presidente Lula tem grande respeito por Cuba e é contra a segregação das pessoas.” Procurar nexo na declaração da ministra é esforço inútil. É desprovida de sequência lógica. Parece ter sido um ataque de nonsequitur serial.
Não faz muito tempo e éramos nós, os brasileiros, que estávamos com a integridade física ameaçada por um regime ditatorial. Muitos dos que estão no governo não podem ter se esquecido de como era importante para quem sofria, e para seus familiares, saber que havia solidariedade internacional.
Saber que a verdade podia sair no “Le Monde” ou algum governante lembrar de nós.
Não faz muito tempo que aos brasileiros presos por motivos políticos havia apenas o recurso de medidas extremas, na falta do direito de defesa. Quem fez uma greve de fome, ou viveu a aflição de ter uma pessoa querida neste ato desesperado, deve se lembrar: o que os levava a isso era a impossibilidade de chamar a atenção para a sua situação por qualquer outro meio; a imprensa censurada, o Judiciário amordaçado, o Congresso ameaçado.
O gesto era um grito de urgência. Às vezes era pelo direito de sair do confinamento, ou uma forma de não enlouquecer.
Não faz muito tempo que o único canal que vinha em socorro dos dissidentes brasileiros era o externo.
Governos democráticos se pronunciavam, cobravam, incomodavam os ditadores brasileiros para o alívio de quem sabia que essa pressão faria, em algum momento, um efeito. Até Henry Kissinger, o secretário americano de Estado durante a Guerra do Vietnã, tão odiado pela esquerda, recebeu a carta de Zuzu Angel sobre o filho morto. As informações que saiam daqui, de forma clandestina, contrariavam a versão oficial e alimentavam ONGs que defendiam os encarcerados ou perseguidos, como a preciosa Anistia Internacional.
Hoje os dissidentes daquele tempo espalharam-se e divergem entre si em vários partidos, grupos políticos, correntes de pensamento.
Mas certamente todos se lembram de como foi importante haver uma janela para o mar, para olhar o mundo à espera de algum reforço. Foram muitos os governantes estrangeiros que perguntaram pelos nossos dissidentes, quiseram saber das torturas e desaparecidos, defenderam princípios democráticos, constrangendo os generais. Jimmy Carter, por exemplo. As notícias dessas pressões circulavam como uma válvula de escape, uma esperança.
Fico pensando no que cada um dos dissidentes brasileiros sentiria se um governante democrático viesse ao Brasil e nos comparasse a criminosos comuns e dissesse que estávamos sendo julgados pelas leis brasileiras. Diríamos: que leis, cara pálida? O AI-5? Tribunais militares? Lei de Segurança Nacional? Diríamos que existem leis ilegítimas, e as da ditadura eram assim.
Os que estão no governo não podem ter se esquecido.
Foi há pouco tempo.
Afinal, se toda lei de cada país tivesse que ser respeitada, então a lei nazista que mandava prender, confinar e matar judeus, teria que ter sido respeitada pelo mundo, com o argumento de ser um assunto interno alemão.
O apartheid foi lei na África do Sul. A segregação foi lei nos Estados Unidos. A escravidão foi lei no Brasil.
Em todos esses casos houve condenações internacionais valiosas, para se somar a quem internamente combatia os crimes.
Há leis em Cuba que ferem todos os princípios do Direito, e penas extravagantes para supostos crimes.
Lei que dá pena de prisão para quem tem a intenção de cometer crime, entendendo por crime o ato de criar um sindicato independente, como o que o presidente Lula fundou no ABC. A acusação que recaiu sobre Orlando Zapata Tamayo era de “desacato”, e ele estava preso por oito anos, quando morreu.
O ministro Celso Amorim tentou defender as declarações do presidente Lula, esbofeteando os fatos. “Quando tem que falar alguma coisa, você fala de outra forma, discretamente, não pela mídia.
Nós temos experiência de que essas condenações que são feitas habitualmente não têm efeito prático”, disse o ministro.
Aos fatos: primeiro, o presidente Lula usou a mídia, mas para culpar o morto, defender o regime e pedir respeito às leis cubanas. Segundo, nossa experiência nos diz, sim, que as condenações feitas à ditadura militar brasileira tiveram o efeito prático de se somar às forças internas. Foram parte da vitória.
Até o general João Figueiredo fez melhor que isso.
Nos seus discursos — e dos do seu chanceler, Ramiro Guerreiro — nas visitas a outros regimes militares aparecia sempre a defesa da abertura política, e um aviso aos governantes, com alguma variante da frase: “ventos de mudança sopram sobre a região.” A ministra Dilma Rousseff, eternamente grata ao presidente Lula, por bons motivos, deve ter feito algum esforço para apagar registros da memória antes de dizer o que disse: “Acho que são presos. Não são presos maus ou bons. São presos.” Quando ela esteve presa, certamente achava que havia presos “bons” e não se sentia uma criminosa comum.
A candidata, ao ser perguntada sobre o assunto, disse que compartilha “integralmente” a posição do presidente Lula e explicou: “Não somos submissos e não estamos com o pires nas mãos pedindo US$ 14 bilhões de empréstimo ao FMI, mas estamos emprestando.” Diante da insistência dos jornalistas que queriam entender a relação de uma coisa e outra, ela continuou se distanciando da pergunta: “Não somos aqueles que vão invadir países. Sou completamente favorável ao que diz e faz o presidente Lula, que nos deu orgulho de ser brasileiros.
Nós não somos agressivos. O presidente Lula tem grande respeito por Cuba e é contra a segregação das pessoas.” Procurar nexo na declaração da ministra é esforço inútil. É desprovida de sequência lógica. Parece ter sido um ataque de nonsequitur serial.
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