sábado, 13 de março de 2010

Mudança descabida:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Se o presidente Lula não vetar a nova regra para a distribuição dos royalties do petróleo, ou se a base parlamentar do governo derrubar o veto presidencial com o mesmo ímpeto com que aprovou a mudança das normas, estará criada uma situação política de tensão entre o governo e um de seus mais importantes apoiadores, o governador do Rio, Sérgio Cabral.

Além do mais, estará instalada a divisão interna dentro do PMDB, pois os dois estados mais afetados, Rio e Espírito Santo, são governados pelo partido, e o autor da mudança, Ibsen Pinheiro, é do PMDB do Rio Grande do Sul.

Por uma dessas trapaças da política, também o ex-governador Garotinho, provável adversário de Cabral na corrida ao governo do estado, estará solidário no repúdio à nova lei, que levará seu município, Campos, a um prejuízo tão grande ou maior do que o que afetará o estado do Rio como um todo.

Os dois políticos fluminenses estarão impedidos de apoiar a candidatura oficial de Dilma Rousseff à Presidência da República. Foi o Gabinete Civil que não teve força suficiente, ou não quis se indispor com a maioria parlamentar, para barrar essa iniciativa, que reflete apenas uma ganância desmedida dos demais estados da federação sobre uma riqueza futura do país.

Mauro Osório, especialista em planejamento urbano e professor da UFRJ, diz que as novas regras “literalmente quebram diversos municípios fluminenses e trazem graves problemas para o governo do estado, pois, além de não vermos, basicamente, cor do dinheiro no présal, perderemos a quase totalidade dos royalties que já vêm sendo recebidos”.

O Rio de Janeiro, que produz 85% do petróleo brasileiro, fica com 45% do total das participações governamentais, que envolvem os royalties e as participações especiais.

O governo do estado do Rio de Janeiro deixaria de receber em torno de R$ 4,9 bilhões e receberia apenas R$ 100 milhões, ou seja, em torno de 2% do que recebemos atualmente.

A queda de receita do estado seria em torno de 13%, e os municípios teriam perda de receita dos royalties superior em até 99%. Municípios como São João da Barra e Campos têm mais de 70% de sua receita vinculada a royalties.

Para o professor da UFRJ, os pressupostos do debate dos defensores da emenda Ibsen são equivocados. Um primeiro ponto colocado é que o estado do Rio de Janeiro estaria sendo privilegiado.

Segundo Mauro Osório, “se efetivamente olharmos a relação receita pública/PIB nas unidades federativas, veremos que o Rio não está acima da média. Se perdermos os royalties, ficaremos em torno de 13% abaixo da média. Ou seja, não somos privilegiados atualmente e passaríamos a ser prejudicados”.

O segundo argumento apresentado também é absolutamente equivocado, segundo o especialista.

“Dizer que, como o petróleo é explorado em alto-mar, a compensação não seria devida, diferentemente no caso de hidrelétricas instaladas em algum território ou da mineração em Minas, por exemplo, não é correto”.

O pagamento de royalties foi incluído na Constituição de 1988 como maneira de compensar estados e municípios impactados pela produção de petróleo, para que esse dinheiro possa ajudá-los a prepararem seu futuro, quando o petróleo acabar.

Um estudo do secretário do governo do Rio Julio Bueno demonstra que o estado perde anualmente R$ 8,6 bilhões, porque o Imposto de Circulação de Mercadorias (ICMS) é cobrado no local de consumo, prejudicando os estados produtores de petróleo.

Mauro Osório lembra que a base de operação de exploração do petróleo em altomar está em terra, gerando diversos problemas e necessidades de recursos, como é o caso de Macaé, ou vazamentos de petroleiros, como ocorreu recentemente na Baía de Guanabara.

Os casos apontados pelos deputados defensores do novo projeto, no dia da votação, para demonstrar uma suposta injustiça na distribuição atual dos royalties, são na verdade exceções dentro dos 92 municípios fluminenses, analisa Osório.

Como Quissamã ter tido receita corrente líquida por habitante, no ano de 2008, de R$ 11.773,20, como se esse fato isolado significasse privilégios em todo o estado.

“Se por um lado temos Quissamã, no Norte Fluminense, com o valor citado, temos nas duas macrorregiões mais beneficiadas — Norte Fluminense e Baixadas Litorâneas —, municípios como Maricá que tem uma receita corrente líquida per capita de apenas R$ 962,90. Ou São Gonçalo com uma receita per capita de R$ 455, em 2008, inferior à existente na grande maioria dos municípios das regiões metropolitanas de São Paulo e Belo Horizonte”, lembra Osório.

A centralização da operação do pré-sal e de seus dividendos nas mãos do governo federal, com a mudança do sistema de concessão para o de partilha, já havia feito com que os estados produtores perdessem arrecadação com o fim das participações especiais e a redução dos royalties, concentrando os lucros da exploração do petróleo do pré-sal no governo federal, que reterá 80%.

Essa agora parece ser a melhor opção, o que pode significar que o próprio governo estaria interessado na aprovação de uma medida radical para conseguir aprovar o que era seu projeto original, que também prejudica os estados produtores, mas a esta altura parece um paliativo.

Mudar a regra do jogo com ele em andamento, redistribuindo todos os royalties, inclusive aqueles provenientes dos campos que já foram licitados pelo sistema anterior de concessão, cria, além de uma insegurança jurídica, um problema concreto para os estados produtores, que já incluíram em seus orçamentos a previsão de gastos dessa arrecadação.

Tudo indica que essa mudança não tem respaldo na Constituição, mas a briga jurídica que gerará pode retardar decisões administrativas e financeiras importantes em época de preparação para a Copa do Mundo e Olimpíadas.

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