DEU NO VALOR ECONÔMICO
"O princípio da independência dos Bancos Centrais, o pilar da ortodoxia econômica por duas décadas, recebeu um duro golpe na última semana. Os investidores devem ficar atentos."
E ste desabafo de um articulista em função dos últimos acontecimentos na Europa mostra a gravidade da crise porque está passando o Velho Continente. O nome de seu artigo - Os Bancos Centrais devem ficar livre da influência política - recoloca o conflito entre a política e a gestão monetária de forma explícita e nos obriga a refletir sobre ele, mesmo estando o Brasil fora da confusão europeia.
O articulista citado demonstrava sua amargura ao ver o BCE - paradigma do Banco Central independente - obrigado a comprar títulos emitidos por vários governos e que estão sendo rejeitados pelos investidores. "Como pode o BCE, de forma equilibrada, garantir a estabilidade financeira e a de preços", pergunta ele em algum momento de suas reflexões.
Mais adiante abre sua alma para o leitor ao dizer que a decisão de comprar títulos dos chamados PIIGS "pode aumentar os riscos de moral hazard, diminuindo os estímulos dos governos endividados de ajustar suas contas fiscais." Esse é o discurso padrão dos que defendem a independência absoluta do Banco Central na busca de um único objetivo que é o de manter a estabilidade de preços.
Mas os acontecimentos recentes nos Estados Unidos e que levaram à quebra do banco Lehman Brothers mostram a limitação desta postura rígida em relação à independência do Banco Central, principalmente em momentos de descontinuidade. A decisão de deixar quebrar essa instituição para não criar o que se chama de moral hazard levou a maior economia do mundo à beira do precipício. Somente o fato de ter o FED um duplo mandato em seus estatutos - e de seu presidente ser um acadêmico com conhecimentos profundos da depressão dos anos 30 do século passado - permitiu ao governo Obama a coordenação de políticas fiscal e monetária para lutar contra o pânico e trazer de volta o que nosso articulista chama de estabilidade financeira.
Uma primeira observação que gostaria de fazer ao leitor do Valor é que a situação do BCE é especial. Ele é o Banco Central de um grupo heterogêneo de países que dividem uma mesma moeda. Apesar disto, a dinâmica fiscal de cada um é nacional e, por isto, segue objetivos que podem ser divergentes. Em função desse conflito que a falta de uma política fiscal comum pode criar precisamos ter cuidado em usá-lo como referência de nossas reflexões. O BCE enfrenta dificuldades extremas derivadas desse arranjo institucional único e que somente agora está sendo testado de fato.
Mas a questão de que o BCE deve manter-se limitado ao seu mandato único de estabilidade monetária é comum a outros Bancos Centrais. E o que está acontecendo agora com o BCE pode servir de referência para nós. Mesmo no Brasil do real já testamos esse conflito no caso do Proer. E a decisão do governo FHC foi a de autorizar o Banco Central do Brasil a agir no sentido de restabelecer a confiança em nosso sistema bancário.
Mas o teste mais importante para a tese do mandato único de um Banco Central ocorre hoje nos Estados Unidos. Tivesse o FED um mandato único de estabilidade de preços e fosse ele presidido por um burocrata linha dura, o que teria acontecido com todos nós?
Sempre entendi que a independência dos Bancos Centrais precisa ser qualificada, colocando em algum grau a questão da estabilidade financeira e do crescimento econômico. Esta qualificação é importante inclusive para defender sua autonomia no controle da inflação. Nas condições limites de crises financeiras e de crescimento o poder político de qualquer sociedade democrática vai prevalecer e criar mecanismos de intervenção na Autoridade Monetária com amplo apoio da opinião pública.
Os defensores do modelo puro de independência dos BCs, para justificar seu radicalismo, dizem que não é possível servir a mais de um senhor. Isto não é verdade e espero que o sucesso do presidente atual do FED em sua missão de reparar os danos causados pela tese do moral hazard no governo Bush e ao mesmo tempo recolocar a economia em uma trajetória de crescimento sem inflação mostre isso. Por isso sempre defendi a tese de que um mandato de Banco Central deve - como no caso do FED - permitir alguma flexibilidade na execução da política monetária.
A utilização ou não deste maior grau de liberdade deve ficar a critério dos diretores da autoridade monetária e do julgamento dos mercados financeiros. Em um arranjo institucional como existe hoje - mercados futuros de cambio e juros - é muito fácil ler o julgamento médio de profissionais da economia sobre a condução da política monetária. Por isso, a margem de erro da autoridade monetária é muito menor do que a que ocorria no passado ou nas economias que não tem mercados futuros eficientes.
A Europa hoje é uma prova de que vale a pena uma rigidez menor no mandato de um banco central para evitar uma intervenção política externa.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.
"O princípio da independência dos Bancos Centrais, o pilar da ortodoxia econômica por duas décadas, recebeu um duro golpe na última semana. Os investidores devem ficar atentos."
E ste desabafo de um articulista em função dos últimos acontecimentos na Europa mostra a gravidade da crise porque está passando o Velho Continente. O nome de seu artigo - Os Bancos Centrais devem ficar livre da influência política - recoloca o conflito entre a política e a gestão monetária de forma explícita e nos obriga a refletir sobre ele, mesmo estando o Brasil fora da confusão europeia.
O articulista citado demonstrava sua amargura ao ver o BCE - paradigma do Banco Central independente - obrigado a comprar títulos emitidos por vários governos e que estão sendo rejeitados pelos investidores. "Como pode o BCE, de forma equilibrada, garantir a estabilidade financeira e a de preços", pergunta ele em algum momento de suas reflexões.
Mais adiante abre sua alma para o leitor ao dizer que a decisão de comprar títulos dos chamados PIIGS "pode aumentar os riscos de moral hazard, diminuindo os estímulos dos governos endividados de ajustar suas contas fiscais." Esse é o discurso padrão dos que defendem a independência absoluta do Banco Central na busca de um único objetivo que é o de manter a estabilidade de preços.
Mas os acontecimentos recentes nos Estados Unidos e que levaram à quebra do banco Lehman Brothers mostram a limitação desta postura rígida em relação à independência do Banco Central, principalmente em momentos de descontinuidade. A decisão de deixar quebrar essa instituição para não criar o que se chama de moral hazard levou a maior economia do mundo à beira do precipício. Somente o fato de ter o FED um duplo mandato em seus estatutos - e de seu presidente ser um acadêmico com conhecimentos profundos da depressão dos anos 30 do século passado - permitiu ao governo Obama a coordenação de políticas fiscal e monetária para lutar contra o pânico e trazer de volta o que nosso articulista chama de estabilidade financeira.
Uma primeira observação que gostaria de fazer ao leitor do Valor é que a situação do BCE é especial. Ele é o Banco Central de um grupo heterogêneo de países que dividem uma mesma moeda. Apesar disto, a dinâmica fiscal de cada um é nacional e, por isto, segue objetivos que podem ser divergentes. Em função desse conflito que a falta de uma política fiscal comum pode criar precisamos ter cuidado em usá-lo como referência de nossas reflexões. O BCE enfrenta dificuldades extremas derivadas desse arranjo institucional único e que somente agora está sendo testado de fato.
Mas a questão de que o BCE deve manter-se limitado ao seu mandato único de estabilidade monetária é comum a outros Bancos Centrais. E o que está acontecendo agora com o BCE pode servir de referência para nós. Mesmo no Brasil do real já testamos esse conflito no caso do Proer. E a decisão do governo FHC foi a de autorizar o Banco Central do Brasil a agir no sentido de restabelecer a confiança em nosso sistema bancário.
Mas o teste mais importante para a tese do mandato único de um Banco Central ocorre hoje nos Estados Unidos. Tivesse o FED um mandato único de estabilidade de preços e fosse ele presidido por um burocrata linha dura, o que teria acontecido com todos nós?
Sempre entendi que a independência dos Bancos Centrais precisa ser qualificada, colocando em algum grau a questão da estabilidade financeira e do crescimento econômico. Esta qualificação é importante inclusive para defender sua autonomia no controle da inflação. Nas condições limites de crises financeiras e de crescimento o poder político de qualquer sociedade democrática vai prevalecer e criar mecanismos de intervenção na Autoridade Monetária com amplo apoio da opinião pública.
Os defensores do modelo puro de independência dos BCs, para justificar seu radicalismo, dizem que não é possível servir a mais de um senhor. Isto não é verdade e espero que o sucesso do presidente atual do FED em sua missão de reparar os danos causados pela tese do moral hazard no governo Bush e ao mesmo tempo recolocar a economia em uma trajetória de crescimento sem inflação mostre isso. Por isso sempre defendi a tese de que um mandato de Banco Central deve - como no caso do FED - permitir alguma flexibilidade na execução da política monetária.
A utilização ou não deste maior grau de liberdade deve ficar a critério dos diretores da autoridade monetária e do julgamento dos mercados financeiros. Em um arranjo institucional como existe hoje - mercados futuros de cambio e juros - é muito fácil ler o julgamento médio de profissionais da economia sobre a condução da política monetária. Por isso, a margem de erro da autoridade monetária é muito menor do que a que ocorria no passado ou nas economias que não tem mercados futuros eficientes.
A Europa hoje é uma prova de que vale a pena uma rigidez menor no mandato de um banco central para evitar uma intervenção política externa.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.
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