DEU NO JORNAL DO BRASIL
Desde que se decidiu a bancar a eleição do seu sucessor menos por ela, Dilma Rousseff, do que por ele próprio o presidente Lula parece outro, sem deixar de ser o mesmo. Vive de olho no futuro imediato e, da maneira como fala, dá a impressão de já se ver projetado nas páginas da História do Brasil, reinstalado no poder virtual com que sonha à sombra da candidata que tirou do nada.
Até aqui, onde quer que se apresentem em dupla, o presidente tem sobressaído mais do que a candidata. O fato com peso a ser considerado tanto pelo próprio Lula quanto pelos que querem vê-lo pelas costas é que eleger sucessor equivale praticamente a voltar ao poder por interposta pessoa. Nada impede que o eleitor possa mentir às pesquisas e guardar a preferência para as urnas. Acontece sempre que parece menos provável. Desde que o voto direto veio para ficar, em 1945, não há exemplo de presidente que se tenha comprometido em fazer o sucessor. A candidata Dilma é a sombra de Lula no ocaso. Considerando que ela representa, antes de tudo, a preferência dele, conviria ao próprio alguma discrição em embolsar o poder virtual sobre a candidatura dela, para assegurar o poder real na volta em 2014 (se tudo transcorrer de acordo).
O primeiro presidente eleito por voto direto mesmo foi o general Eurico Gaspar Dutra, sempre referido, por picardia, como o condestável do Estado Novo. Dutra deixou o Ministério da Guerra para ser candidato da máquina montada pelos governadores do Estado Novo e garantir normalidade na transição. O candidato da oposição, o brigadeiro Eduardo Gomes, pela mesma razão. No auge da expectativa de que algo estava sendo tramado, os dois se entenderam e acertaram, com a participação do Exército, a deposição do ditador Getulio Vargas, dia 30 de outubro de 1945: por fomentar surpresas por fora das urnas. Não saiu da sombra a versão de que a eleição do presidente Dutra se deveu à recomendação de Getulio Vargas, naqueles trinta e poucos dias apertados entre a deposição e a eleição. Por toda parte, lia-se apenas: Ele disse: vote em Dutra. A concisão telegráfica dispensou a necessidade de citar o nome. Todos sabiam. Era Getulio Vargas.
Foi este o único exemplo de participação direta de um presidente que, embora arrancado do poder um mês e alguns dias antes, interferiu decisivamente na campanha. Lula não ouviu falar das palavras do general Dutra ao anunciar, no discurso de posse, que seria no governo o presidente de todos os brasileiros. Lula deixa por menos. O aspecto desagradável e acintoso no procedimento do presidente Lula é que, por trás do empenho pessoal em eleger sua candidata, o objetivo se confunde com a ideia subjacente em tudo que faz em nome da sucessão presidencial: voltar ao poder e, enquanto espera 2014, dispor virtualmente do mandato alheio.
A situação não melhorou enquanto a candidata e o padrinho apareceram juntos. Separados foi pior. E agora? A primeira tentativa de seguir cada um por um lado também não melhorou nas pesquisas de opinião. Na República Velha, que durou de 1889 a 1930 e evitou a reeleição, um único presidente se reelegeu anos depois de cumprir o primeiro mandato. Mas Rodrigues Alves morreu antes da posse.
Nem mesmo os generais presidentes conheceram êxito no encaminhamento do sucessor porque, antes de irem ao Colégio Eleitoral, e pela própria natureza do regime, os candidatos eram objeto de silenciosa e minuciosa avaliação na cúpula das Forças Armadas. Não estava nas considerações do general Castello Branco ser sucedido pelo seu ministro da Guerra, mas foi Costa e Silva quem representou a média de opiniões militares. Que, por sinal, foi substituído pelo general Emílio Garratazu Médici, por sua vez forçado pelas circunstâncias militares a aceitar a contragosto a candidatura do general Ernesto Geisel, que tentava ver, no fim do túnel, o que se pudesse entender por saída segura. Por último, exceção histórica, a vontade de Geisel prevaleceu no encaminhamento do general João Batista de Figueiredo.
Mas às exceções cabe apenas confirmarem a regra. E, na sequência, a tortuosa e caprichosa volta à legalidade, com suas consequências e inconsequências. Nossa democracia dispensa o voluntarismo, que não se nutre de boas intenções e nada tem a oferecer ao aperfeiçoamento dos costumes políticos.
Desde que se decidiu a bancar a eleição do seu sucessor menos por ela, Dilma Rousseff, do que por ele próprio o presidente Lula parece outro, sem deixar de ser o mesmo. Vive de olho no futuro imediato e, da maneira como fala, dá a impressão de já se ver projetado nas páginas da História do Brasil, reinstalado no poder virtual com que sonha à sombra da candidata que tirou do nada.
Até aqui, onde quer que se apresentem em dupla, o presidente tem sobressaído mais do que a candidata. O fato com peso a ser considerado tanto pelo próprio Lula quanto pelos que querem vê-lo pelas costas é que eleger sucessor equivale praticamente a voltar ao poder por interposta pessoa. Nada impede que o eleitor possa mentir às pesquisas e guardar a preferência para as urnas. Acontece sempre que parece menos provável. Desde que o voto direto veio para ficar, em 1945, não há exemplo de presidente que se tenha comprometido em fazer o sucessor. A candidata Dilma é a sombra de Lula no ocaso. Considerando que ela representa, antes de tudo, a preferência dele, conviria ao próprio alguma discrição em embolsar o poder virtual sobre a candidatura dela, para assegurar o poder real na volta em 2014 (se tudo transcorrer de acordo).
O primeiro presidente eleito por voto direto mesmo foi o general Eurico Gaspar Dutra, sempre referido, por picardia, como o condestável do Estado Novo. Dutra deixou o Ministério da Guerra para ser candidato da máquina montada pelos governadores do Estado Novo e garantir normalidade na transição. O candidato da oposição, o brigadeiro Eduardo Gomes, pela mesma razão. No auge da expectativa de que algo estava sendo tramado, os dois se entenderam e acertaram, com a participação do Exército, a deposição do ditador Getulio Vargas, dia 30 de outubro de 1945: por fomentar surpresas por fora das urnas. Não saiu da sombra a versão de que a eleição do presidente Dutra se deveu à recomendação de Getulio Vargas, naqueles trinta e poucos dias apertados entre a deposição e a eleição. Por toda parte, lia-se apenas: Ele disse: vote em Dutra. A concisão telegráfica dispensou a necessidade de citar o nome. Todos sabiam. Era Getulio Vargas.
Foi este o único exemplo de participação direta de um presidente que, embora arrancado do poder um mês e alguns dias antes, interferiu decisivamente na campanha. Lula não ouviu falar das palavras do general Dutra ao anunciar, no discurso de posse, que seria no governo o presidente de todos os brasileiros. Lula deixa por menos. O aspecto desagradável e acintoso no procedimento do presidente Lula é que, por trás do empenho pessoal em eleger sua candidata, o objetivo se confunde com a ideia subjacente em tudo que faz em nome da sucessão presidencial: voltar ao poder e, enquanto espera 2014, dispor virtualmente do mandato alheio.
A situação não melhorou enquanto a candidata e o padrinho apareceram juntos. Separados foi pior. E agora? A primeira tentativa de seguir cada um por um lado também não melhorou nas pesquisas de opinião. Na República Velha, que durou de 1889 a 1930 e evitou a reeleição, um único presidente se reelegeu anos depois de cumprir o primeiro mandato. Mas Rodrigues Alves morreu antes da posse.
Nem mesmo os generais presidentes conheceram êxito no encaminhamento do sucessor porque, antes de irem ao Colégio Eleitoral, e pela própria natureza do regime, os candidatos eram objeto de silenciosa e minuciosa avaliação na cúpula das Forças Armadas. Não estava nas considerações do general Castello Branco ser sucedido pelo seu ministro da Guerra, mas foi Costa e Silva quem representou a média de opiniões militares. Que, por sinal, foi substituído pelo general Emílio Garratazu Médici, por sua vez forçado pelas circunstâncias militares a aceitar a contragosto a candidatura do general Ernesto Geisel, que tentava ver, no fim do túnel, o que se pudesse entender por saída segura. Por último, exceção histórica, a vontade de Geisel prevaleceu no encaminhamento do general João Batista de Figueiredo.
Mas às exceções cabe apenas confirmarem a regra. E, na sequência, a tortuosa e caprichosa volta à legalidade, com suas consequências e inconsequências. Nossa democracia dispensa o voluntarismo, que não se nutre de boas intenções e nada tem a oferecer ao aperfeiçoamento dos costumes políticos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário