sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Meirelles convidado :: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, foi convidado para permanecer no cargo. Segundo fontes do governo, o convite não foi feito em caráter provisório, de ficar só alguns meses. A conversa está em andamento, ele está inclusive fora do país, mas Meirelles só permanecerá se tiver garantias de ter a mesma autonomia que teve nos oito anos do governo Lula.

Logo no início do novo governo, o Banco Central pode ter que subir juros: a inflação está subindo aqui dentro e está aumentando muito os preços das commodities no mundo, indicando que pode estar se formando uma bolha. O Copom teria que elevar os juros para garantir o cumprimento da meta de inflação. Isso será um teste para o compromisso da presidente eleita, Dilma Rousseff, de defender a estabilidade como tem dito.

Fontes que acompanham a formação do novo governo garantem que o convite feito a Henrique Meirelles não foi por um tempo determinado. Mesmo se a intenção da presidente eleita for a de mantê-lo apenas pelo tempo de transição, o convite não foi feito nesses termos. Foi convidado a permanecer. O que está sendo conversado é que tipo de organização a presidente quer dar à área econômica. Há pressões para que Dilma mude a forma de atuação da equipe que vigorou até agora e que o Banco Central e o Ministério da Fazenda passem a atuar de forma conjunta na tomada de decisões. Se for isso, é o mesmo que decretar o fim da autonomia. Não existe meia autonomia, nem conciliação de posições no combate à inflação.

O assunto ficou em suspenso para conversas futuras, até porque Meirelles viajou para Frankfurt onde participou ontem de uma reunião de um grupo restrito de banqueiros centrais para discutir a crise mundial. Estão no encontro o presidente do Fed, Ben Bernanke, o presidente do Banco Central Europeu, Jean Claude Trichet, e o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Khan, além do presidente do Banco Central do Brasil. Durante a crise financeira que atingiu o mundo em 2008, o BC brasileiro ganhou mais projeção por ter sido apontado como um exemplo na administração de crises. Até o episódio Banco PanAmericano está sendo considerado no exterior um exemplo de como lidar com as incertezas do mercado financeiro, ainda que o problema não tenha derivado da crise.

O Banco Central no governo Lula enfrentou momentos de teste de autonomia várias vezes. Uma delas foi logo no início do primeiro mandato quando os juros foram elevados por duas reuniões seguidas, em uma delas a taxa subiu um ponto percentual. Outro momento decisivo foi no lançamento do PAC, anunciado como a garantia de aumento do ritmo de crescimento no segundo mandato. Na primeira reunião após o lançamento do PAC, o Banco Central subiu novamente os juros. Mesmo com todas as pressões e críticas, o presidente Lula não desautorizou o BC.

Será assim no governo Dilma? Não se sabe. O pensamento da presidente eleita é desconhecido nessa área, como de resto em várias outras áreas. A campanha não ajudou a esclarecer o que a presidente pensa a respeito de temas como política monetária, política cambial, relação de política fiscal com taxa de juros. Até agora ela tem feito as declarações previsíveis, do tipo: "vou manter o tripé macroeconômico", referindo-se ao trio superávit primário, metas de inflação e câmbio flutuante. Ou do tipo: "meu compromisso é com a manutenção da estabilidade", que não ajuda em nada porque ninguém em sã consciência diria que não manteria a estabilidade da moeda.

A confirmação do ministro Guido Mantega na Fazenda aumenta a incerteza em relação a esses compromissos. Se no Banco Central o governo Lula manteve a coerência de respeito à autonomia, no Ministério da Fazenda houve três fases. A primeira foi a de Antonio Palocci, de rigor fiscal e reformas microeconômicas. A segunda fase foi a do começo de Guido Mantega com afrouxamento fiscal e alguns retrocessos. A terceira é a iniciada na crise de 2008/2009 de aumento mais acelerado dos gastos, benefícios a setores escolhidos, perda de consistência e credibilidade dos indicadores fiscais com as manobras contábeis no superávit primário, e incentivo ao aumento da participação dos bancos estatais no mercado bancário e de crédito.

O fato de Meirelles ter sido convidado não significa que ele ficará. Fontes que participam das conversas de preparação do novo governo dizem que dificilmente ele aceitaria retroceder a uma situação em que o Banco Central teria que receber orientações sobre como conduzir a política monetária ou como perseguir a meta de inflação.

A situação internacional está se complicando visivelmente. Ontem, houve uma rara boa notícia: o sucesso da oferta inicial de ações (IPO) da General Motors, empresa estatizada durante a crise americana. Mas na Europa os sinais são de agravamento da crise. No front irlandês os bancos estão enfrentando uma corrida e é por isso que o governo admitiu precisar de socorro.

O dólar em queda livre, muita liquidez, uma crise de confiança em relação a bancos de alguns países europeus e a formação de bolha no mercado de commodities são confusão suficiente. Se não houver melhora a tempo, é com este pano de fundo que a nova presidente assumirá.

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