DEU EM O GLOBO
"Saio do governo para viver a vida das ruas. Homem do povo que sempre fui, serei mais povo do que nunca" – Lula
Na próxima sexta-feira sairá de cena o governo de um único protagonista! Entrará o governo dos coadjuvantes do governo passado. O período de oito anos de Lula foi construído sob medida para que ele, Lula, brilhasse sozinho. Deu certo. Nada indica que a história se repetirá no período de quatro ou de oito anos da presidente Dilma Rousseff.
Talvez seja melhor assim. O presidencialismo entre nós concentra poderes excessivos nas mãos de uma só pessoa. E isso não é bom para uma democracia que atravessa pela primeira vez dentro da normalidade três sucessões consecutivas. Fernando Henrique recebeu a faixa presidencial de Itamar e a repassou a Lula, que a repassará a Dilma.
O primeiro momento de Lula como presidente da República foi de natural perplexidade. Seria possível a um ex-pau de arara e ex-favelado, que passara fome e sequer completara os estudos, acabar eleito para governar seu país? Depois de ter sido derrotado três vezes, Lula custou a acreditar.
O segundo momento foi de pavor. Coincidiu com o escândalo do mensalão, que levou Lula, em julho de 2005, deprimido por uns tragos tomados a mais, a falar em renúncia ao mandato. Soubera que o publicitário Marcos Valério, um dos operadores do pagamento de propinas a deputados, ameaçava contar tudo.
O então ministro José Dirceu, chefe da Casa Civil, foi acionado para negociar o silêncio de Valério e assim sossegar Lula. Teve êxito. Mas dali a mais um mês ou dois, obrigado a pedir demissão, reassumiu a vaga de deputado federal para ser cassado. Enfim, era preciso entregar alguma cabeça coroada para que Lula preservasse a sua.
O terceiro momento de Lula na Presidência foi de esplendor. E de puro encantamento com ele mesmo. Reeleito em 2006, amparado por uma economia em expansão e idolatrado pela clientela dos programas sociais, passou a se comportar como um enviado de Deus. Ninguém mais do que ele alimentou o culto à própria imagem.
Por pouco não caiu na tentação de gastar parte de sua popularidade para vencer no Congresso a batalha por mais um mandato. Sondou a respeito governadores do PT e de outros partidos, além de auxiliares próximos. E aborreceu-se com alguns que se opuseram à ideia com veemência. Alô, alô, governador Jaques Wagner, da Bahia!
Está de saída porque não tem outro jeito. Mas deixa em seu lugar uma aliada fiel. Que a ele, unicamente a ele, deve sua eleição. E que ele espera que lhe seja fiel até o último dos seus dias na Presidência. Que dia será esse? Por ora, Dilma não faz ideia. Lula deve fazer, mas não conta a ninguém. Até porque pode mudar de ideia.
Lula abusa da credulidade dos brasileiros quando reescreve a história do país como se ela pudesse ser dividida em duas fases: antes dele e depois dele. Os desafetos de Lula incorrem no mesmo erro quando defendem a tese de que ele se limitou a dar continuidade à política herdada dos seus antecessores – além de ter tido muita sorte.
Nenhum presidente fez tanto pelos brasileiros mais pobres do que Lula – e esse será seu grande legado. Em oito anos de governo, o número de pobres foi reduzido a menos da metade. O programa Bolsa Família é uma invenção do governo anterior, eu sei. Mas foi com Lula que se expandiu e hoje atende a quase 13 milhões de famílias.
Quem elege os governantes numa democracia é o povo. Quem tem mais autoridade para julgá-los é ele. Lula foi tolerante e cúmplice com o desrespeito à moralidade pública? Foi. Mas nem isso o impediu de chegar ao fim do governo com a aprovação de 83% dos seus conterrâneos. Tamanho grau de aprovação é um equívoco? Bobagem!
É fato que o povo, só por deter a autoridade suprema numa democracia, não é necessariamente sábio. Mas aonde um regime de sábios, respeitando os direitos do povo, foi capaz de conduzi-lo a uma situação melhor? Recolha-se a São Bernardo do Campo, Lula! Tome uma por mim. E deixe Dilma acertar ou errar em paz.
"Saio do governo para viver a vida das ruas. Homem do povo que sempre fui, serei mais povo do que nunca" – Lula
Na próxima sexta-feira sairá de cena o governo de um único protagonista! Entrará o governo dos coadjuvantes do governo passado. O período de oito anos de Lula foi construído sob medida para que ele, Lula, brilhasse sozinho. Deu certo. Nada indica que a história se repetirá no período de quatro ou de oito anos da presidente Dilma Rousseff.
Talvez seja melhor assim. O presidencialismo entre nós concentra poderes excessivos nas mãos de uma só pessoa. E isso não é bom para uma democracia que atravessa pela primeira vez dentro da normalidade três sucessões consecutivas. Fernando Henrique recebeu a faixa presidencial de Itamar e a repassou a Lula, que a repassará a Dilma.
O primeiro momento de Lula como presidente da República foi de natural perplexidade. Seria possível a um ex-pau de arara e ex-favelado, que passara fome e sequer completara os estudos, acabar eleito para governar seu país? Depois de ter sido derrotado três vezes, Lula custou a acreditar.
O segundo momento foi de pavor. Coincidiu com o escândalo do mensalão, que levou Lula, em julho de 2005, deprimido por uns tragos tomados a mais, a falar em renúncia ao mandato. Soubera que o publicitário Marcos Valério, um dos operadores do pagamento de propinas a deputados, ameaçava contar tudo.
O então ministro José Dirceu, chefe da Casa Civil, foi acionado para negociar o silêncio de Valério e assim sossegar Lula. Teve êxito. Mas dali a mais um mês ou dois, obrigado a pedir demissão, reassumiu a vaga de deputado federal para ser cassado. Enfim, era preciso entregar alguma cabeça coroada para que Lula preservasse a sua.
O terceiro momento de Lula na Presidência foi de esplendor. E de puro encantamento com ele mesmo. Reeleito em 2006, amparado por uma economia em expansão e idolatrado pela clientela dos programas sociais, passou a se comportar como um enviado de Deus. Ninguém mais do que ele alimentou o culto à própria imagem.
Por pouco não caiu na tentação de gastar parte de sua popularidade para vencer no Congresso a batalha por mais um mandato. Sondou a respeito governadores do PT e de outros partidos, além de auxiliares próximos. E aborreceu-se com alguns que se opuseram à ideia com veemência. Alô, alô, governador Jaques Wagner, da Bahia!
Está de saída porque não tem outro jeito. Mas deixa em seu lugar uma aliada fiel. Que a ele, unicamente a ele, deve sua eleição. E que ele espera que lhe seja fiel até o último dos seus dias na Presidência. Que dia será esse? Por ora, Dilma não faz ideia. Lula deve fazer, mas não conta a ninguém. Até porque pode mudar de ideia.
Lula abusa da credulidade dos brasileiros quando reescreve a história do país como se ela pudesse ser dividida em duas fases: antes dele e depois dele. Os desafetos de Lula incorrem no mesmo erro quando defendem a tese de que ele se limitou a dar continuidade à política herdada dos seus antecessores – além de ter tido muita sorte.
Nenhum presidente fez tanto pelos brasileiros mais pobres do que Lula – e esse será seu grande legado. Em oito anos de governo, o número de pobres foi reduzido a menos da metade. O programa Bolsa Família é uma invenção do governo anterior, eu sei. Mas foi com Lula que se expandiu e hoje atende a quase 13 milhões de famílias.
Quem elege os governantes numa democracia é o povo. Quem tem mais autoridade para julgá-los é ele. Lula foi tolerante e cúmplice com o desrespeito à moralidade pública? Foi. Mas nem isso o impediu de chegar ao fim do governo com a aprovação de 83% dos seus conterrâneos. Tamanho grau de aprovação é um equívoco? Bobagem!
É fato que o povo, só por deter a autoridade suprema numa democracia, não é necessariamente sábio. Mas aonde um regime de sábios, respeitando os direitos do povo, foi capaz de conduzi-lo a uma situação melhor? Recolha-se a São Bernardo do Campo, Lula! Tome uma por mim. E deixe Dilma acertar ou errar em paz.
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