quarta-feira, 9 de março de 2011

O voto distrital e o senador biônico:: Rosângela Bittar

Tal qual a reforma tributária, não há um só especialista em Congresso que aposte na reforma política para este ano, apesar do barulho com que foram formadas duas enormes comissões especiais para tratar do assunto no Senado e na Câmara. Não teria chance agora como não teve no passado e não terá no futuro. Os arranjos em vigor favorecem os encarregados de alterá-los.

O debate começa fazendo o arrastão, desde já, a título de modernização, de algumas anomalias novas, como a criação do "distritão" (os mais votados são eleitos, eliminando-se a distribuição das vagas pelo quociente eleitoral) proposto por ninguém menos que o vice-presidente da República e ex-presidente do PMDB e da Câmara, Michel Temer. Não por isso, certamente, o "distritão" só favorece o seu partido e está longe de resolver um dos principais problemas do sistema político, o da representatividade.

Os parlamentares ainda não se deram ao trabalho de dizer o que querem realmente da reforma. As teses vão sendo jogadas para o alto mas não se percebe onde e se querem chegar a algum lugar: modernizar a política? Aproximar representante e representado? Fortalecer as instituições ou abalá-las de vez?

Em matéria de questões básicas que devem merecer atenção nos debates o mais objetivo projeto é o do ex-presidente da República, o senador Itamar Franco. Ele, que vem apresentando um notável início de mandato, defende o fim da reeleição, a candidatura avulsa (um mecanismo que assenta-lhe, e também à ex-senadora Marina Silva, como uma luva), e o voto facultativo, para apontar apenas três de suas propostas mais afinadas com a opinião pública. "Quando está de terno, o sujeito é governante, se tira o paletó, é candidato, mas a caneta continua no bolso", tem dito o senador para condenar a reeleição. A reeleição, para ele, torna a disputa desequilibrada, injusta.

A possibilidade de haver candidatura avulsa, segundo Itamar, tem também a vantagem de superar injustiças: os partidos, no Brasil, na sua opinião, são dominados por grupos, que vetam nomes "por simples antipatia". Itamar, nas duas vezes em que saiu do PMDB (foi para o PL e depois PPS) a razão foi por lhe negado a legenda para disputar. Esta é uma das principais razões da migração partidária. Além disso, diz, a candidatura avulsa favorece o surgimento de novos nomes que não se sujeitam à ditadura partidária, resultando em uma boa renovação na política. Os partidos, no Brasil, são, na opinião do senador, estruturas viciadas, em que três ou quatro dirigentes mandam. "Se eles não vão com a sua cara"... Quanto ao voto obrigatório, acredita o senador que a sociedade está bastante madura para decidir.

Um dos políticos mais dedicados ao tema da reforma política, hoje, está sem mandato. É o ex-deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP) que, fora do Parlamento desde fevereiro deste ano, dedica-se a fazer uma mobilização em torno do voto distrital (cada distrito em que se divide o país elege um representante). Pessoalmente, Madeira defende o voto distrital puro, mas concorda que o distrital misto (que combina o distrital e o atual modelo), tem mais apoio no Parlamento.

Madeira não vê obstáculo, por exemplo, para as propostas de candidatura avulsa e voto facultativo. "O voto obrigatório, na América Latina, é exceção no mundo, voto é direito e não dever". A candidatura avulsa, também, não teria problema em apoiar. O ex-deputado diverge radicalmente, porém, da proposta do fim da reeleição.

É um retrocesso acabar com a reeleição, assinala. "Estamos apenas na quarta ou quinta reeleição, os resultados são bons, há pesquisas mostrando que os prefeitos são muito mais responsáveis no primeiro mandato para não criar uma bomba para eles próprios". Na argumentação de Madeira, a reeleição é quase automática. "O sujeito é eleito, na verdade, para 8 anos, com um referendo no meio para saber se deve continuar ou não. Isso dá estabilidade à administração".

Madeira desmonta o argumento de que o uso da máquina anula os benefícios da reeleição: "Dizer isso é ignorar o que Lula fez na última campanha. Ele não usou tanto a máquina para ele, na reeleição, quanto usou para Dilma. O sujeito tem mais cara de pau e segurança em cometer abusos para eleger seu preferido do que para si próprio. É um argumento de quem ignora também como Orestes Quércia elegeu Fleury e como Paulo Maluf elegeu o Pita.

Ampliando sua análise para além dos pontos destacados na proposta Itamar Franco, Madeira avalia que os debates carecem de um foco, não atingem o problema central do sistema político brasileiro hoje: "Temos eleição para deputado estadual, federal e vereador, mas não temos representação. A população não se sente representada, e só o distrito resolve".

Arnaldo Madeira está na liderança de um movimento a favor do voto distrital. Tem feito reuniões, recebido adesões. De início, havia pensado em uma Ong, mas desistiu de formalizar juridicamente a iniciativa, talvez, mais à frente, faça algo mais articulado pela Internet. "Temos eleição direta para tudo, tempo de televisão, financiamento público, privado, são questões mais ou menos equacionadas. O problema que não está resolvido é como aproximar o representante do representado".

Há, ainda, para Madeira, uma segunda questão inaceitável no sistema atual: o senador biônico, "mais biônico hoje do que na época do autoritarismo, quando se examinava o currículo do indicado na Assembleia". O ex-deputado está falando do suplente de senador - o financiador da campanha, a mulher, o filho, o irmão do eleito - que assume o mandato e fica anos na função sem ter recebido um voto.

O cargo de senador é o mais importante do sistema, na opinião de Madeira. "Se quer ser ministro, secretário de Estado, renuncie ao mandato, como Hillary Clinton fez nos Estados Unidos. Aqui, o suplente assume, um senador biônico que, como esse de Brasília, o Gim Argelo, suplente de Joaquim Roriz, ganhou sete anos e meio de mandato sem ter recebido um voto.

Se não der foco à reforma política, o Parlamento estará trabalhando para deixar tudo como está, diz Madeira. À semelhança das mudanças feitas, pelo casuísmo ou pela Justiça, todos os últimos anos.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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