sábado, 7 de maio de 2011

No teto e subindo :: Míriam Leitão

Riscou na trave e saiu. O teto da meta é 6,5%, a inflação em 12 meses terminados em abril ficou 0,01 ponto percentual acima disso. Vai piorar no acumulado nos próximos meses, melhorar no número mensal. Deve cair no fim do ano, para virar uma incógnita no ano que vem. A inflação está dando sustos e não tolera avaliações simplistas. É problema complexo.

Eu explico se estiver confundido você neste parágrafo inicial. Ontem, saiu o número da inflação de abril, o IPCA, que ficou em 0,77%. Isso é um tiquinho menor que março, que foi 0,79%. O problema é que saiu ligeiramente do teto de tolerância permitido pelo regime de metas de inflação.

No mês de maio, o IPCA vai subir menos. As safras vão ajudar a baixar os preços dos alimentos. O etanol também vai refrescar a pressão nos combustíveis. A gasolina da gasolina - que é 75% da mistura - não ficou mais cara para as distribuidoras e é uma grande dúvida. Principalmente depois de quinta-feira, quando o preço do petróleo teve uma queda forte de 10%. Mas o preço que a Petrobras cobra é um mistério político. Não está no terreno da economia.

Quando chegar o dado do mês de maio mostrando desaceleração da inflação, o acumulado em 12 meses pode ficar na mesma. Em maio passado, foi 0,43%. Nos meses seguintes, o mensal pode ficar baixo, alegrando o governo; o acumulado vai subir, bater em 7%, preocupando todo mundo. Essa dispersão de números vai acontecer porque nos meses de junho, julho e agosto de 2010 a inflação ficou perto de zero. Qualquer taxa acima de zero elevará o índice em 12 meses. E é para este número que olharão as categorias fortes que vão negociar salários em setembro.

No final do ano, o acumulado deve ceder porque foi forte o impacto do La Niña no último trimestre de 2010. Aí começará o ano que vem, que tem uma trombada inicial. O salário mínimo vai subir por volta de 14% e pode ter impacto em serviços e outros custos.

Os preços administrados subiram fortemente nos últimos meses. São preços como tarifas públicas, que têm fórmulas de correção de acordo com a inflação passada. O IGP-M terminou 2010 em 11,32%, o IPCA, em 5,91%. Em abril, os preços administrados subiram 1,29%. A indexação traz o passado para o presente. Os empresários, para decidir seus preços, fazem três perguntas: quanto os custos aumentaram? Qual será a inflação no futuro? O consumidor aceitará meu preço?

Os custos aumentaram, a inflação no futuro é incerta, o consumidor pagará se tiver dinheiro ou nenhuma outra opção. No cenário, há muita coisa mudando. As compras do Dia das Mães serão mais fortes que em 2010, mas o ritmo de crescimento é menor. As famílias já estão bem endividadas. Esta semana, o presidente do Banco Central avisou à imprensa e ao Congresso que, se precisar, continuará subindo os juros. O risco é o governo achar que a queda do índice mensal prova que é só esperar que a inflação vai cair por gravidade.

No mundo inteiro ela está subindo, só que a nossa é mais tinhosa, aprendeu manhas específicas com o longo passado inflacionário, como o de se reproduzir; nascendo de novo de si mesma, com a indexação. Quanto mais alta for e mais incerto o cenário, mais se fortalecem os músculos indexados.

O vasto mundo que nos cerca por todos os lados é de uma incerteza só. Do nada, os preços do petróleo caíram 10% na quinta-feira, e despencaram várias outras commodities. O bom da economia é que tudo tem explicação. O ruim é que elas surgem normalmente depois dos fatos.

Commodities caírem ajudam a inflação por um lado, mas se a queda atingir fortemente as que o Brasil exporta, é menos entrada de dólares. Aliás, o dólar andou subindo. Bom para os exportadores; mas deixa de ser um fator que puxa a inflação para baixo. Não tem muito fôlego para continuar subindo. Com a "nuvem de liquidez" - expressão de Tombini - que anda sobre o mundo, o dólar ficará mais fraco. Essa nuvem também provoca sobe e desce nas commodities, preços dos ativos, e contorna os obstáculos que o BC tem posto sobre a entrada de capitais.

Na hora do susto, essa nuvem corre para os títulos do governo americano, apesar de ser lá a capital da crise que começou em 2008. Na hora calma, esses capitais especulam em todos os mercados, provocando altas abruptas, pressionando a inflação. Essa é parte da confusão atual. Mas como explicou Tombini, uma das razões pelas quais os eventos inesperados do ano não desaguaram em crise é exatamente a existência dessa nuvem de liquidez mundial.

O Brasil conhece bem a inflação e o arsenal que nunca funcionou. Não dá certo apelo a empresário para que não reajuste seus preços, como foi feito esta semana pelo ministro Guido Mantega. A inflação nunca tem uma causa só, portanto, dizer que o vilão foi o combustível só aumenta a preocupação, porque indica que o governo não está vendo todas as conexões que estão se formando.

As razões econômicas para a inflação estar no ponto superior da meta são muitas. A consequência política é sempre a mesma: governo que permite que o índice suba, corroendo o poder de compra e trazendo velhos desconfortos de volta, acaba perdendo popularidade.

FONTE: O GLOBO

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