Quais os grandes momentos de transformação no país nesses 80 anos? O primeiro choque, o senhor lembrou, foi dado por um Estado forte; não há uma contradição aí?
FH: Não, naquele momento não tinha alternativa. E até hoje o Estado é fundamental. Não gosto é da ideia de um projeto (imposto). Mas claro que foi, o Estado é fundamental, e até hoje. E, curiosamente, as grandes transformações econômicas do Getúlio, ele tentou não fazer pelo Estado. Volta Redonda, ele tentou fazer pela iniciativa privada, mas não tinha como ser. Quem fez a Embraer foi a Aeronáutica. E certamente haverá hoje muitas coisa que ou o Estado faz ou ninguém faz. A ideia de pensar que é só o mercado, não! O Estado tem um papel importante. Agora, o que não pode é ter autoritarismo.
Mas quais os momentos de grande transformação?
FH: Para mim, primeiro, a Segunda Guerra Mundial. Meu pai era militar, nós mudamos de novo para o Rio, Copacabana tinha blecaute, ensaios de bombardeios. Então, na época da guerra, o Brasil deu um salto porque fizeram a chamada substituição de importações forçada. Não podia importar, começou a se produzir aqui. Foi um boom da indústria têxtil e urbanizou mais. Mais tarde, Getúlio se beneficiou disso. Depois você tem um período bastante difícil que é o final do presidente JK. Ele fez o endividamento e fez a abertura também, não a abertura da economia, mas trouxe o capital estrangeiro para cá. Internacionalizou a produção daqui, não internacionalizou a economia brasileira, e fez Brasília, deu um certo otimismo. E, daí por diante, os anos 60 foram muito difíceis, veio o golpe e foi muito complicado. Em 70, houve crescimento econômico, mas os indicadores sociais não melhoraram tanto. Como houve uma explosão urbana, a administração pública entrou em colapso. Aumentou a desigualdade. Aí, quando chegou nos anos 80, isso ficou mais sensível, inflação, e não sei o quê... Nos anos mais recentes, para mim, o grande marco é a Constituinte, a Constituição, que assegura as liberdades, dá voz ao povo, permite organização, isso é consequência das Diretas já, das greves do passado. Daí por diante, não tem governo que não tenha que olhar para o povo, porque o povo taí, ele pode gritar, pode ir ao tribunal , ele reclama, não faz mais greve. No meu governo, acabou (greve).
Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e ex-presidente. Entrevista Especial. O Globo, 18/6/2011.
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