A entrevista do (ainda) ministro Antonio Palocci ao "Jornal Nacional" ontem não melhorou sua situação e esgotou sua capacidade de dar explicações à opinião pública, coisa que, aliás, ele acha que não precisa fazer.
Ele se declarou mais preocupado com as eventuais consequências para as empresas a que prestou "consultoria" do que com os prejuízos para o governo brasileiro que sua atividade dupla como político e "consultor" poderia ter causado.
A insistência em não apresentar as empresas atendidas por sua empresa mostra que ele se considera dispensado de revelar ao público a que serve como membro do governo os detalhes de sua atividade.
Alegou Palocci que todas as informações detalhadas foram encaminhadas aos órgãos públicos controladores, como a Procuradoria-Geral da República ou o Conselho de Ética do governo.
E a decisão que eles tomarem deve ser acatada pela opinião pública, sem mais discussões.
Não passa pela cabeça do (ainda) ministro que, sem que seja revelado exatamente para que tipo de empresas ele trabalhou, e que "consultas" deu, não se pode ter certeza de que não houve tráfico de influência.
Quando diz que é preciso ter boa-fé na discussão política, Palocci pede que o cidadão comum se convença de que não existe tráfico de influência no governo, em qualquer governo, e que servidores públicos de posse de informações privilegiadas não têm que ser vigiados pela opinião pública porque, em princípio, todos são sérios e honestos.
Infelizmente, a nossa História recente registra inúmeros exemplos de uso de informações privilegiadas que não justificam uma atitude de boa-fé cega.
Ainda mais com tantos milhões envolvidos em tão poucos anos.
Não é razoável que o (ainda) ministro Palocci peça à opinião pública que confie em suas palavras e não se impressione com o formidável faturamento de sua empresa de "consultoria", que supera o de outras empresas muito mais tradicionais no ramo.
A insistência de Palocci quanto à legalidade das atuações de sua empresa de "consultoria" parece uma tentativa de desviar a atenção das acusações mais graves, pois em nenhum momento discutiu-se alguma ilegalidade fiscal, e nem mesmo ilegalidade formal de sua atividade dupla de "consultor" e deputado, permitida por uma legislação que só não é revogada porque é dos interesses dos parlamentares que fique como está.
O que se discute na atividade de Palocci é que ele precisa provar que não usou as informações internas que tinha, sobretudo quando já era coordenador da campanha da candidata oficial Dilma Rousseff, para orientar seus clientes.
Por mais que tenha se destacado como ministro da Fazenda, o médico Antonio Palocci não tem conhecimento técnico suficiente para dar conselhos sobre investimentos ou fusões e aquisições.
Ou pelo menos teria competidores mais bem aparelhados tecnicamente para essa tarefa.
Sua farta remuneração, incluída aí uma "taxa de sucesso" que parece altamente discutível, parece muito mais consequência das suas relações dentro do governo, mesmo depois de ter saído do Ministério da Fazenda, do que de seus conhecimentos econômicos.
Palocci alegar que, quando estava na campanha de Dilma Rousseff, exercia um papel político, e não na área econômica, é puro diversionismo.
Também na campanha de Lula em 2002, sua função nada tinha a ver com a economia até ser indicado como ministro da Fazenda.
Ele era o que sempre foi, um articulador político altamente competente e eficiente por seu relacionamento pessoal com Lula e sua história dentro do PT.
Sua indicação para a área econômica, portanto, foi uma decisão política de Lula para indicar que um homem de sua confiança estaria à frente da economia, garantindo a continuidade da política de controle da inflação e equilíbrio fiscal.
Foi na prática que ele foi aprendendo os segredos do ofício e teve a sensatez de ouvir pessoas adequadas, como o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga e o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, e convocar para sua equipe técnicos competentes, mesmo que ligados historicamente a governos tucanos.
No governo Dilma, o fato de ele estar no comando da chefia do Gabinete Civil nunca o impediu de dar sugestões na área econômica, e seria risível afirmar que o governo abriria mão de sua "consultoria" na área econômica, tão valorizada pelo setor privado.
O (ainda) ministro Palocci revelou, desta vez à "Folha de S. Paulo", que não entrou em detalhes com a presidente Dilma sobre sua empresa de "consultoria" e, portanto, não revelou a ela quais seus clientes e que tipo de "consultas" produziu tanto dinheiro.
Fica a sensação de que ele não teve a exata noção do risco político que sua atividade privada poderia produzir, ou não quis entrar em detalhes justamente porque sabia o grau de periculosidade política.
Dizer, como cansou de repetir, que a ética é regulada por decisões burocráticas que ele seguiu à risca chega a parecer um deboche.
Não há alguém que pense que um político experiente como Antonio Palocci atuasse no ramo de "consultoria" à margem da lei explicitamente.
O que está em discussão é a obrigação de um político, especialmente poderoso como Palocci, de exibir comportamento idôneo e evitar conflitos de interesse mesmo que eles não sejam previstos pela legislação.
É o caso, por exemplo, do período em que ficou trabalhando como "consultor" e ao mesmo tempo coordenador da campanha da candidata oficial.
De quantas reuniões de trabalho Palocci não terá participado em que se discutiram medidas econômicas futuras que poderiam ter impacto nas empresas que o contrataram?
FONTE: O GLOBO
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