Os gregos criaram a democracia quando substituíram a força e a violência pelos argumentos como meio para lidar com os conflitos e tomar decisões políticas e sociais, eles fundaram assim as bases da civilização que definiram, mundo afora, as estruturas do Estado moderno, refinadas e aprimoradas para sociedades de grande escala e complexidade. As ditaduras, ao contrário, eliminam os espaços de manifestação dos argumentos que permitem organizar e negociar as divergências na sociedade. Recorrendo à violência e à opressão, as ditaduras impedem as oposições de utilizarem seus argumentos, obrigando-as, muitas vezes, ao recurso de meios duros de enfrentamento, desta forma, dão legitimidade política a atos violentos de parte dos seus adversários políticos. O que delimita a fronteira entre o ato político - violento ou não - e o crime comum, não é a natureza da ação, mas sim o ambiente sócio-político em que é praticada. O recurso à luta armada da esquerda brasileira na ditadura era legítimo porque não existiam espaços para manifestação das divergências e de projetos diferenciados de desenvolvimento do Brasil. Esta estratégia pode ser criticada politicamente, e foi por vários outros grupos de esquerda na época, mas não se pode questionar a sua legitimidade política no momento e nas circunstâncias do país. Por uma combinação de medo e lucidez (talvez mais medo que lucidez), vários militantes de esquerda não nos envolvemos na luta armada, mas reconhecíamos a sua legitimidade política, mesmo rejeitando alguns dos eventos irresponsáveis de puro terror, como a bomba do Aeroporto dos Guararapes em 1966.
A diferença no ambiente político distingue, clara e radicalmente, a luta armada da esquerda brasileira durante a ditadura da onda de violência praticada na Itália dos anos setenta por Cesare Battisti e o seu PAC-Proletários Armados pelo Comunismo. Desde aquela época, a Itália já era uma democracia consolidada com liberdade de imprensa e instituições democráticas sólidas, incluindo o judiciário que o condenou à prisão perpétua, o Partido Comunista e outros partidos de esquerda atuavam legalmente e já exerciam o poder local em várias cidades. Neste ambiente político, nada confere legitimidade política aos atos de violência praticados pelo aventureiro que foi libertado recentemente no Brasil. Os motivos utilizados pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva para não extraditar Battisti, como o suposto risco de perseguição política na Itália, não têm o menor fundamento na medida em que ele está condenado, em julgamento publico com direito de defesa, à prisão perpétua por quatro crimes com infundada motivação política pela natureza da sociedade democrática. A decisão de Lula e do STF terminam questionando, sem qualquer fundamento, a estabilidade legal das instituições jurídicas da Itália, mais democrática que o Brasil e, provavelmente, com tratamento mais digno para os seus prisioneiros que o praticado no nosso país. O mais grave, contudo, na classificação de Battisti como um perseguido político joga, injustamente, na mesma vala do seu aventureirismo irresponsável os muitos militantes brasileiros que mergulharam na luta armada contra a ditadura dos anos 60/70, entre os quais a presidente Dilma Roussef.
Sérgio C. Buarque é cronista e consultor
FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (1/7/2011)
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