TRÍPOLI - Com o regime perto do fim após a entrada de rebeldes em Trípoli, forças leais a Muamar Kadafi continuam a lutar na capital e ainda controlam de 15% a 20% da cidade, admitiu nesta segunda-feira um porta-voz rebelde à rede de televisão al-Jazeera. Pesados confrontos acontecem nesta segunda-feira perto do complexo residencial do ditador na capital. De manhã, tanques saíram do complexo, conhecido como Bab al-Aziziya, e abriram fogo contra os opositores do regime. O paradeiro de Kadafi ainda é desconhecido, e não se sabe se o ditador se encontra no local.
Um repórter de uma agência de notícias próximo ao Rixos Hotel, onde estão hospedados jornalistas estrangeiros, ouviu tiros e explosões por mais de 30 minutos. Abdel-Rahman afirmou que as tropas de Kadafi ainda são uma ameaça para os rebeldes que avançaram na cidade no domingo.
Em um avanço frenético e sem resistência forte, as tropas rebeldes contrárias ao Kadafi percorreram mais de 50 quilômetros no domingo até a Praça Verde, no centro de Trípoli, fechando o cerco contra o regime do ditador, há 42 anos no poder. Em sua marcha, apoiada por bombardeios da Otan, os rebeldes prenderam dois dos filhos do ditador, Saif al-Islam e al-Saadi - um terceiro, Mohammad, se rendeu.
O Conselho Nacional de Transição (CNT) informou que a guarda presidencial se rendeu e que a TV e a rádio estatais estão sob controle rebelde. No entanto, líderes oposicionistas continuam em alerta e temem o reagrupamento de tropas fiéis ao ditador.
O avanço rebelde obrigou o governo líbio a declarar que o ditador estava disposto a negociar diretamente com o CNT, órgão fundado pelos insurgentes. Este, por sua vez, ofereceu a Kadafi e seus filhos uma passagem segura para fora do país, caso o ditador se disponha a deixar o poder, e pediu no fim da noite para a Otan parar com os bombardeios.
Informações da rede al-Jazeera dão conta de que a União Africana ofereceu Angola ou Zimbábue como destino de exílio para Kadafi, e dois aviões da África do Sul teriam pousado em Trípoli. O ministro das Relações Exteriores sul-africano, Maite Nkoana-Mashabane, negou a informação sobre o envio de aeronaves para a Líbia.
A investida rebelde foi comemorada em todo o percurso até Trípoli. A população, que havia sido conclamada pelo ditador a defender a cidade, gritava desafios para ele e atirava em suas fotografias na Praça Verde, a principal da capital, agora rebatizada de Praça dos Mártires, o nome original.
A tomada da praça é significativa: era lá que o regime promovia as manifestações a favor de Kadafi e onde ele discursava. Mas no fim da noite, a multidão deixou a praça às pressas, diante de rumores de que as forças do regime estariam se reagrupando para um confronto final.
Kadafi falou, mas não apareceu
Ainda na tarde de domingo, o ditador fez um pronunciamento na TV estatal - o segundo em menos de 24 horas, e, mais uma vez, apenas em áudio. Em tom irado, ele conclamou a população a reagir, garantindo que estaria com eles até o fim.
- Estou dando a ordem para abrir os estoques de armas - revelou, no que parecia ser uma ligação telefônica. - Chamo todos os líbios para a luta. Aqueles que tiverem medo, deem as armas para suas mães ou irmãs. Se não reagirmos, eles vão queimar Trípoli.
Mas, à noite, o tom abrandou. O porta-voz do governo, Mussa Ibrahim, anunciou que Kadafi estava pronto a participar pessoalmente de negociações com o chefe do CNT. Ibrahim também apelou para que a Otan convencesse os insurgentes a interromper o ataque à capital. De acordo com ele, em menos de 11 horas, e apenas em Trípoli, os confrontos deixaram 1.300 mortos e mais de 5 mil feridos.
Em comunicado divulgado na noite de domingo, o secretário-geral da Otan, Andres Fogh Ramussen, afirmou que o regime de Kadafi "claramente está se desmoronando", e que chegou a hora de criar uma nova Líbia democrática. Para ele, quanto antes o ditador "se der conta de que não pode ganhar a batalha contra o próprio povo, melhor".
- O povo líbio sofreu tremendamente sob o regime de Kadafi por mais de quatro décadas. Agora tem a oportunidade de um novo começo.
Nos últimos cinco meses, os aviões de combate da Otan fizeram cerca de 7.500 incursões contra as forças do ditador líbio, e ontem ajudaram no avanço rebelde, com bombardeios à cidade de Maia e mesmo ao complexo de Kadafi, em Trípoli. Segundo fontes na organização e no governo dos EUA, a coordenação entre a Otan e os rebeldes se tornou mais sofisticada e letal nas últimas semanas - colaborando para destruir a infraestrutura militar.
Operação era planejada há meses
A operação que levou o confronto, na madrugada de domingo, às ruas do centro de Trípoli já era planejada há meses pelos opositores e pela Otan. O primeiro grupo a atacar a cidade chegou pelo mar, em rebocadores, a Misurata, a 200 quilômetros da capital, ainda no sábado. O reforço veio de todas as direções. Do oeste, onde tomaram Zawiya; do leste, cuja base era Zlitan; e do sul, a partir de Guaryan.
Numa base militar, 300 prisioneiros foram soltos. Os detentos, muitos deles rebeldes capturados, mostravam cicatrizes, sinais de que haviam sido espancados, e choravam de alegria.
- Não sabíamos o que estava acontecendo, quando de repente vimos rebeldes correndo e gritando: "Estamos do lado de vocês". E nos deixaram sair - contou Majid al-Hodeiri, de 23 anos, capturado quatro meses atrás.
Reação tímida dentro da cidade
À noite, veio a notícia da prisão de Saif al-Islam, o herdeiro político de Kadafi. O Tribunal Penal Internacional, que emitira uma ordem de captura contra ele, pedirá sua extradição. Mohammed, por sua vez, que é responsável pela principal empresa de telecomunicações do país, disse por telefone à al-Jazeera que estava sob prisão domiciliar. Mas a ligação foi cortada depois de ele dizer que tiros haviam atingido a casa. E rebeldes confirmaram a detenção de al-Saadi.
Dentro da cidade, rebeldes e forças leais ao ditador disputavam terraços de prédios, que seriam usados à noite para disparar contra o inimigo.
- As forças de Kadafi estão procurando reforços para garantir a capital - disse um oposicionista por telefone. - Os moradores estão chorando e procurando ajuda.
Logo após atingirem a capital, os rebeldes tomaram controle do distrito de Ghot Shaal, na zona oeste da cidade. Mais de dez caminhões com opositores e armas entraram por ali. De lá, partiram para Girgash, a 2,5 quilômetros da Praça Verde. A reação pró-Kadafi, porém, era tímida. Centenas de rebeldes comemoraram nas ruas.
- Esta é a riqueza do povo líbio que estava sendo usada contra nós - afirmou Ahmed al-Ajdal, apontando para uma arma. - Agora vamos usá-la contra ele ou qualquer outro ditador que queira ficar contra nós.
Em entrevista à TV Al Jazeera por telefone, o filho mais velho de Kadafi, Mohammed, confirmou ter sido detido e disse que estava mantido em prisão domiciliar. A entrevista foi interrompida quando a Casa de Mohammed, cercada pelos rebeldes, foi alvejada:
- Homens armados cercaram minha casa. Eles disseram que vão garantir minha segurança. Eles agora estão dentro da minha casa - disse Mohammed, enquanto se ouvia o som de tiros sendo disparados, até que a linha de comunicação foi interrompida.
O ex-braço direito de Muamar Kadafi, Abdel Salam Jalloud, que aderiu aos rebeldes da Líbia, disse no domingo não esperar que Kadafi fuja para outro país porque todas as estradas que dão acesso a Trípoli estão bloqueadas. O ex-colaborador de Kadafi disse também duvidar que o ditador líbio se entregue ou cometa suicídio:
- Mas do jeito que a situação está evoluindo, ele não será capaz de sobreviver - disse.
Há especulações de que ele poderia ser recebido como refugiado em Angola, Argélia ou Zimbábue.
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