O Senado deu o primeiro passo para a aprovação da mais importante matéria em tramitação no Congresso Nacional: a reforma do rito das medidas provisórias.
Ao longo dos anos e dos governos, o Legislativo tem aceitado passivamente o papel quase homologatório das iniciativas e decisões do Poder Executivo. Os governos são efêmeros, passam, mas esta subordinação vem se tornando uma doença crônica da democracia brasileira.
O instituto da MP foi criado na Constituinte de 88 para substituir o malfadado decreto-lei e ser utilizado excepcionalmente, só nos casos em que a relevância e a urgência do tema assim o justificassem.
A prática, porém, desvirtuou a lei e a edição de MPs tornou-se rotina. Até 2001, eram reeditadas indefinidamente pelo Executivo, ficando o Congresso absolutamente à margem de suas discussões.
Naquele ano, quando eu presidia a Câmara, uma ampla articulação envolvendo governo e oposição tornou obrigatória a aprovação das MPs pelos parlamentares, sob o risco da perda de seus efeitos. Um avanço extraordinário. Mas a verdade é que o abuso na edição de MPs não diminuiu.
Na semana passada, após negociação que mais uma vez reuniu situação e oposição, o Senado aprovou, com surpreendente e inédita unanimidade, o texto que relatei a partir da proposta do presidente José Sarney e que avança de forma substantiva para corrigir algumas dessas distorções.
Aprovamos que, a partir de agora, as MPs terão prazo definido de tramitação: 80 dias na Câmara e 30 dias no Senado, que, em alguns casos, não tem tido sequer 48 horas para examiná-las. Havendo modificação no Senado, conta-se um novo prazo de dez dias para a deliberação da Câmara.
Além disso, pela primeira vez, cumprindo o que prevê a Constituição, a admissibilidade da medida será discutida em um fórum específico -as comissões de Constituição e Justiça das duas Casas.
Outra correção é a vedação, agora constitucional, de que uma MP incorpore, ao longo da sua tramitação, temas a ela estranhos e não correlatos -o famoso contrabando.
Se ainda não é o texto ideal, foi o possível. E, como sabemos, política é, quase sempre, a construção do possível.
A matéria chega agora à Câmara em meio a expectativas que a apontam como uma oportunidade única de iniciarmos o resgate das prerrogativas e da própria dignidade do Congresso Nacional.
Acredito que as prerrogativas do Congresso não nos pertencem, mas sim à população, que nos delegou a responsabilidade de defendê-las. Esta é, portanto, uma oportunidade histórica para fazer valer um princípio básico do regime democrático e do Estado de Direito.
Aécio neves, senador (PSDB-MG).
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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