A vitória iminente dos conservadores hoje na Espanha inquieta intelectuais, que prevêem retrocesso em conquistas sociais e mais protestos por conta do arrocho econômico.
Priscila Guilayn
Intelectuais expõem inquietude frente à vitória prevista do PP
Espanhóis vão hoje às urnas em meio a insatisfação e poucas dúvidas sobre resultado
MADRI - Os espanhóis viram nos últimos três anos seus níveis de riqueza e perspectivas de futuro despencarem. Entre o pessimismo de muitos, o inconformismo de uns e a apatia de outros, os eleitores sabem que o pleito de hoje não se traduzirá em cinco milhões de postos de trabalho, o atual número de desempregados, o maior patamar da União Europeia. Mas sabem também que o precipício apareceu em pleno governo socialista e que o timoneiro deste, José Luis Rodríguez Zapatero, tentou colocar panos quentes, negando por meses uma crise que já existia.
A insatisfação do povo custou caro à esquerda espanhola, desenhando um quadro eleitoral passível de poucas surpresas nessas eleições gerais. Todas as pesquisas apontam para uma vitória esmagadora do Partido Popular (PP). E seu líder, Mariano Rajoy, já avisou que, uma vez na Presidência do Governo, a tesoura dos conservadores cortará de tudo, exceto as aposentadorias. A contenção das despesas públicas, no entanto, não é a única coisa que vai mudar na Espanha que emerge das urnas hoje.
Apesar de se declarar contente com o triunfo do PP, por "contar com a melhor equipe de economistas e as ideias mais claras para realizar as reformas radicais necessárias", o prêmio Nobel de Literatura, Mario Vargas Llosa, declarou publicamente que não votará em Rajoy. Num polêmico artigo publicado no "El País", o peruano naturalizado espanhol se disse desconfiado de $"maiorias absolutas" como a que o PP está prestes a obter: entre 185 a 195 das cadeiras do Congresso de 350, segundo as pesquisas.
"Preocupa-me que sua ala mais conservadora, impulsionada por motivos religiosos, empurre o governo Rajoy a desfazer as reformas sociais mais avançadas aprovadas pelo governo de Rodríguez Zapatero e que, a meu juízo, fizeram progredir a cultura da liberdade na Espanha, como a lei que autoriza os casamentos gays, a ampliação da lei de aborto e os direitos da mulher, temas nos quais, hoje, a Espanha está na vanguarda", escreveu Vargas Llosa.
A polêmica veio quando, no mesmo artigo, o escritor declarou seu voto no partido minoritário União Progresso e Democracia (UPyD), fundado em 2007 pela ex-socialista Rosa Díez e pelo filósofo Fernando Savater. Contra os nacionalismos e a favor de um modelo federalista, a UPyD tem apenas uma deputada (Rosa Díez), mas pode ganhar pelo menos mais um assento se as urnas confirmarem as pesquisas.
O panorama eleitoral que se desenha dará aos conservadores poder suficiente para aprovar as leis que quiserem, diz o catedrático de Ciências Políticas Cesario Rodríguez Aguilera, autor de livros como "A crise do Estado socialista" e "Antecedentes, estratégias políticas e resultados eleitorais". Segundo ele, dessas eleições emergirá uma Espanha extremamente conservadora, que reforçará seus vínculos com a Igreja Católica.
— O PP terá as mãos livres para entregar cargos a pessoas alinhadas ao partido em diferentes instituições como o Tribunal Constitucional, o Conselho Geral do Poder Judicial e à empresa pública de comunicação Rádio e Televisão Espanhola. Assim, quando os socialistas voltarem ao poder, encontrarão uma predominância de conservadores em várias esferas. Esta será a herança — afirma Rodríguez Aguilera, que acrescenta: — Não podemos esquecer que o PP está em perfeita sintonia com a Igreja e, portanto, reforçará o caráter não laico de nosso sistema.
No âmbito socioeconômico, no entanto, o PP terá que seguir as políticas que a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu exigem. Ou seja, mais austeridade, mais ajustes. Saúde e educação, que têm sido alvo de crescente privatização em regiões governadas pelo PP, são apontadas como os primeiros alvos dos cortes orçamentários.
Preocupação com liderança tecnocrata
O filósofo Emilio Lledó, autor de livros como "A origem do diálogo e da ética", posicionou-se publicamente sobre o que considera um erro, o de apenas olhar pela economia, entregando sua salvação a tecnocratas que, muitas vezes, estão ou estiveram ligados a grandes empresas e cuja única meta seria perseguir o poder econômico. Aí, segundo Lledó, só restará uma saída para a Espanha: a cultura.
— Em "A República" e "A Política", Platão e Aristóteles dizem que a salvação dos Estados, dos povos e das nações se consegue através da decência e da cultura. Esta não é uma frase antiga. Vale para hoje. Como alguém que só pensa no que é privado pode defender o que é público? — indaga Lledó, para quem a Espanha melhorou em cultura e em decência.
O intelectual alerta, no entanto, que, apesar de estar em baixa, ideias franquistas ainda encontram força entre alguns políticos como defesa da educação privada, descrédito do que é público e desprezo pela igualdade de oportunidades.
O escritor Carlos Bardem, irmão do oscarizado ator Javier Bardem, é outro a declarar seu voto. Um dos maiores entusiastas dos Indignados, apostará no minoritário Esquerda Unida (IU), que deve passar de 2 para 11 deputados como reflexo do castigo aos socialistas.
— É preciso pressionar os socialistas a se posicionarem como uma força de esquerda. Nessas eleições está em jogo algo bem maior do que um presidente de Governo. Queremos uma mudança de modelo político e social.
Rodríguez Aguilera concorda que, governada pelo PP, a Espanha "relançará" o Movimento 15-M, que foi qualificado pelo ex-presidente de Governo, o conservador José María Aznar, como "extrema esquerda marginal anti-sistema". Segundo ele, o PP sairá desta eleição com uma oposição institucional muito fraca, mas vai se deparar com uma forte contestação nas ruas.
— Este movimento é muito inquietante para a direita. O PP será um governo forte, mas terá que contar com greves gerais, muitas manifestações e muitas ocupações das praças. A direita sempre fica muito nervosa com a desordem pública, mas terá que enfrentar esta realidade — prevê o cientista político.
Previsão é de que ruas reajam mais ao governo
Nem todos os integrantes da esquerda espanhola estão decepcionados com o Partido Socialista. O cineasta Agustín Díaz Yanes, que dirigiu Penélope Cruz, Victoria Abril e Gael García Bernal no filme "Sem notícias de Deus", apoia sem ressalvas Alfredo Pérez Rubalcaba, líder do PSOE, seu amigo desde os tempos de faculdade. Diz ainda não ter medo de uma vitória do PP.
— A democracia também é alternância e se o PP ganhar é porque os espanhóis votaram nele. Continuaremos mantendo o nosso direito de protestar. Minha previsão é: mais ajustes e mais contestação social.
Mas, mesmo com o apoio de boa parte dos eleitores, o que permitirá a manutenção de 115 das 169 cadeiras que hoje detém, o partido de Zapatero deverá ficar na geladeira, no mínimo, durante dois mandatos, segundo as previsões de analistas políticos. Ou seja, dificilmente, a primazia do Partido Popular, se as urnas confirmarem o favoritismo, vai durar menos de oito anos.
FONTE: O GLOBO.
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