domingo, 20 de novembro de 2011

Tira, põe, deixa ficar:: Dora Kramer

O processo de tomada de decisão da presidente Dilma Rousseff é de difícil compreensão, mas exibe uma característica visível a olho nu: não é, recorrendo a Fernando Pessoa, um poema em linha reta.

Desde as primeiras decisões bem no início do governo até suas atitudes nessa obra inacabada de escândalos em série na Esplanada dos Ministérios, Dilma se notabiliza pelo vaivém.

Com a mesma assertividade com que sinaliza numa direção, em seguida segue no rumo oposto.

Numa versão otimista, isso revela personalidade maleável, embora não seja esse traço de seu perfil o que seus próprios auxiliares ressaltam quando relatam episódios da mais absoluta intransigência no trato cotidiano.

Os fatos mostram uma realidade diferente, alvo de críticas por parte de aliados: pressionada, Dilma avança ou recua nem sempre tomando a resolução que seria a mais adequada, mas sim aquela que as circunstâncias a obrigam a tomar.

Ocorreu quando da votação do Código Florestal na Câmara, obrigando a liderança do governo a desfazer um acordo na última hora em plenário.

Aconteceu no caso da prorrogação do prazo para pagamento de emendas parlamentares de 2009: primeiro anunciou de maneira peremptória que não prorrogaria, mas dois dias depois foi obrigada a mandar dizer o contrário ante a reação negativa dos partidos aliados.

Em maio, foi a vez da lei de acesso à informação. Dilma declarou-se contra o sigilo eterno, mudou de opinião - tendo como porta-voz a ministra Ideli Salvatti - para agradar aos senadores Fernando Collor e José Sarney, mas, diante da posição favorável à liberação dos militares e do Itamaraty, voltou a defender o texto que, afinal, sancionou na sexta-feira pondo fim ao sigilo eterno.

Depois disso, tomaram conta da cena as idas e as vindas nos casos dos ministros envolvidos em escândalos. A todos eles emprestou apoio num primeiro momento para terminar por demiti-los pelas mesmas razões que os levaram à berlinda, alongando o tempo de desgaste.

Seria Dilma uma pessoa indecisa? Não parece. O problema talvez esteja na ausência de um "entorno" experiente, na falta de um conselheiro como Lula teve em Márcio Thomaz Bastos e no temor que impõe à equipe, que, intimidada, prefere deixar a presidente errar sozinha a correr o risco da humilhação.

Apesar dos pesares. Marta Suplicy é antipática? Sabe ser. Arrogante? Como ninguém. Inadequada com as palavras? Às raias da inconveniência.

Diga-se o que for, goste-se dela ou não, uma coisa é certa: a senadora é das raras pessoas no PT que não segue a cartilha do Amém. Tem tutano.

Mas escorrega onde outros colegas de vários partidos também tropeçam: ao sobrevalorizar o cargo executivo em detrimento do mandato parlamentar.

Marta enfrentou uma eleição difícil, quase perde para um adversário de coalizão de nível (político) sofrível, e poderia muito bem dar-se por orgulhosa de ter sido escolhida para representar São Paulo no Senado.

Sem precisar entrar em atrito inútil no partido ou diminuir-se por nomeação em ministério.

Bipartidarismo. Em longa entrevista - que ainda merece novos comentários - à repórter Raquel Ulhôa, do jornal Valor Econômico, Ciro Gomes afirmou ter ouvido de Lula a ideia de formar um só partido açambarcando as legendas hoje sob área de influência do PT: "A intenção é aniquilar essas frações", disse.

Testemunhas de que Ciro não exagera são diversos jornalistas que no início do primeiro mandato tiveram dois encontros com o então presidente em que ele disse o mesmo.

Defendeu a volta do bipartidarismo durante café da manhã no Palácio do Planalto e reafirmou simpatia à tese em jantar meses depois. Lula nunca mais voltou a falar do assunto em público, o que não significa que tenha abandonado a ideia.

O papel lateral que os partidos da base tiveram nos dois governos de Lula e continuam tendo com Dilma, sem participação efetiva no núcleo de poder, indica apreço ao projeto.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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