Senado argentino aprova lei que dá ao Estado o controle sobre matéria-prima de jornais
Janaína Figueiredo
A história da disputa entre o governo Cristina Kirchner e os meios de comunicação privados viveu ontem um de seus capítulos mais dramáticos. O Senado - desde 10 de dezembro controlado por kirchneristas e aliados da Casa Rosada - aprovou o projeto de lei que declara de interesse público a produção, comercialização e distribuição de papel-jornal para a imprensa. E com um placar folgado: 41 votos a favor, 26 contrários e apenas uma abstenção. No mesmo dia, um dos veículos que mais poderia ser prejudicado pela nova legislação, o diário "La Nación", denunciou estar sendo vítima de uma perseguição, junto a outros 22 veículos do país, por parte da Afip (a Receita Federal argentina).
Em reportagem de primeira página, o "La Nación" informou que o juiz federal tributário Carlos Falco bloqueou todos os bens do diário a pedido da Afip, que exige o pagamento de uma dívida de 162 milhões de pesos (US$38 milhões) por suposta sonegação do Imposto Sobre o Valor Agregado (IVA). No total, a Afip reclama o pagamento de 500 milhões de pesos (US$116 milhões) aos 23 jornais incluídos no caso - que, em 2009, já haviam recorrido à Suprema Corte de Justiça, tendo obtido uma liminar que deixou em suspenso o processo.
"Se há uma resolução da Suprema Corte que protege os jornais, não sabia; a Afip não me informou", alegou Falco, citado pelo "La Nación".
Ontem, o advogado do jornal, Ezequiel Cassagne, solicitou a anulação do bloqueio e acusou a receita de fraudar o processo. Todos os jornais garantem que as dívidas são inexistentes.
Entre jornalistas e donos de meios de comunicação, a preocupação é crescente. Diariamente surgem novas medidas e resoluções que, para importantes associações locais e internacionais, buscam limitar a liberdade de imprensa na Argentina. Durante o debate no Senado, vários deputados da oposição questionaram com firmeza a lei que passará a regulamentar a produção de papel - e a política de Cristina para a comunicação.
- Ter maioria (na Casa) não dá o direito de violar a Constituição - disse a senadora Liliana Negre, do Bloco Justicialista da província de San Luis. - (Essa lei) permitirá a expropriação, direta ou indireta de uma empresa, a Papel Prensa.
Legislação antiterror, outro foco de tensão
A companhia é controlada pelos jornais "Clarín", "La Nación" e pelo Estado. Nos artigos 40 e 41, o documento determina que a companhia abasteça totalmente o mercado interno. Caso não esteja em condições de fazer os investimentos necessários - que serão fixados pelo Ministério da Economia - eles serão financiados pelo Estado. Nessa situação, o Estado aumentará sua participação acionária e os sócios privados, em contrapartida, reduzirão seu capital.
A defesa kirchnerista foi simples.
- O "Clarín" é inimigo do governo - enfatizou o senador Miguel Pichetto, líder da bancada kirchnerista.
Outro senador governista, Osvaldo Ramón López, tentou contemporizar:
- Se a lei levará ou não a uma expropriação não sabemos, ainda não fazemos futurologia. Mas se isso ocorrer, não será expropriada a liberdade de expressão, mas uma empresa.
Para o presidente do Senado, Amado Boudou, a lei vai melhorar a qualidade da informação e a pluralidade de opiniões na Argentina. Ele acusou os jornais "Clarín" e "La Nación" de praticarem "um ataque feroz através de seus editoriais contra a liberdade de acesso ao papel a democracia".
A oposição, no entanto, insistiu em questionar a legalidade da medida e a violação de tratados internacionais. E questionou a pressa em aprovar ainda este ano, um pacote de leis que, alegam, não teve o devido debate.
- A lei é claramente inconstitucional - disse o senador Pablo Verani. - O que é tão urgente para o governo, legislar ou controlar a imprensa?
Além da lei sobre o papel-jornal, nas últimas duas semanas o Congresso aprovou projetos sobre orçamento, hidrocarbonetos, imposto sobre a utilização de cheques, estatutos de trabalhadores rurais e medidas antiterrorismo, entre outros. A Lei Antiterrorimo, aliás, também é considerada perigosa pela mídia e ONGs como o Greenpeace. O projeto permitirá a detenção de quem participar de atos que ponham em risco a população do país - como manifestações ou até divulgação de informações que, na visão das autoridades, possam promover, por exemplo, uma corrida bancária.
- A lei antiterrorista não é para perseguir, é para que não volte a ocorrer um golpe de mercado - explicou o chefe da Unidade de Informação Financeira (UIF), José Sbatella.
Ontem, a oposição também denunciou à Organização de Estados Americanos (OEA) o ataque contra a Cablevisión, fornecedora de TV a cabo do grupo Clarín, alvo de uma intervenção policial na última terça-feira. Na Argentina, o grupo denunciou o juiz e recorreu da decisão - adotada a pedido do grupo de comunicação Vila- Manzano, aliado da Casa Rosada.
FONTE: O GLOBO
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