terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Carta na mesa:: Míriam Leitão

A Grécia já passou do ponto de ser salva. Os credores foram longe demais; o país, também. Nem o remédio que os credores prescrevem é viável, nem os gregos estão dispostos a usá-lo. O país está há três anos em recessão, a apenas dois meses de uma eleição geral e com as ruas em chamas. Desse jeito, a Grécia caminha para uma moratória descontrolada.

A Europa pressiona os gregos e já se preocupa com Portugal. No domingo, com o povo enfrentando a polícia, o governo em crise pela demissão de seis ministros, com 40 deputados da coalizão votando contra, o parlamento aprovou as novas medidas de austeridade.

Mesmo assim, ontem, a Zona do Euro começou a emitir sinais de que isso não era suficiente. A troika — FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia — quer uma carta aos gregos em que todos os partidos afirmem que cumprirão o que foi aprovado no domingo pelo parlamento.

Muitos economistas europeus têm dito que é melhor deixar a Grécia à própria sorte e tentar fazer um cordão de isolamento para salvar o segundo da fila, que é Portugal.

A Grécia caminha para um cenário argentino. Nosso vizinho, como se lembram, na virada de 2001 para 2002 viveu um colapso político, seguido de uma mudança drástica na política de câmbio fixo.

Com a explosão da dívida externa e nenhuma ajuda, a Argentina decretou uma moratória e impôs aos credores uma perda de mais de 70%. Depois, conseguiu se recuperar e crescer. Não foi fácil para os argentinos. Eles tiveram uma grande recessão e perderam parte do dinheiro aplicado.

Como tinham suas aplicações em dólar ou na moeda local com uma paridade fixa com o dólar, o governo arbitrou uma taxa de conversão que reduziu drasticamente o valor do que os argentinos tinham poupado. Além disso, não tiveram acesso ao próprio dinheiro por um bom tempo. Foi o "corralito".

Quem olha a sucessão de eventos dos últimos dois anos vê que a Grécia está andando em círculos e cada vez piora mais, repetindo velhos enredos. Já fez vários pacotes de ajustes que seriam salvadores. Mas não foram.

O PIB teve recessão de 2% em 2009; 4%, em 2010; 5% em 2011; e o nível de atividade continua a cair. O desemprego é de 20,9%, e entre jovens é de 48%. Agora, como remédio — e condição para emprestar uma nova parcela dos C 130 bilhões prometidos à Grécia — a troika pediu mais demissão de funcionários públicos, corte de salários e pensões, o que vai deprimir mais ainda a economia.

Se tivessem perguntado aos latino-americanos, nós poderíamos dizer o que não dá certo. Esse remédio não dá certo. Ao mesmo tempo, é inevitável que o credor, para dar mais dinheiro, peça garantias.
O erro foi cometido antes.

No gráfico abaixo fica claro que desde 2001 o país ficou com uma dívida em torno de 100% do PIB, até que ela passou a aumentar mais fortemente depois da crise financeira de 2008.

É preciso lembrar dois eventos: primeiro, o governo de centro-direita que governou até 2009 tinha manipulado os números, escondendo déficit e dívida; segundo, a Europa nada fez para exigir que a Grécia tentasse voltar ao nível exigido de dívida, que é 60% (vejam a linha pontilhada, no gráfico).

E não exigiu porque países grandes também estavam fora do limite estabelecido. Em resumo, todos erraram.

A Grécia vem mantendo um setor público gigante, que emprega 20% da população economicamente ativa do país. No Brasil, que tem 93 milhões aptos a trabalhar, seria como se o governo tivesse 19 milhões de funcionários.

A saída argentina, de simplesmente dizer que não paga e pular sem qualquer paraquedas, será mais difícil na Grécia, segundo a economista Monica de Bolle, da Galanto Consultoria: — A Argentina tinha duas vantagens em relação à Grécia.

Não fazia parte de uma união monetária e pegou o mundo em forte crescimento, a partir de 2003. A Grécia terá pela frente um mundo de crescimento baixo e poderá ser expulsa da União Europeia se deixar a Zona do Euro.

O efeito contágio da Grécia é muito maior exatamente porque ela está numa união monetária. O povo grego, explicou a economista, comprou há dois anos a ideia de que era o sacrifício ou o caos. E fez o sacrifício, viu o parlamento votar a favor da demissão de funcionários públicos, aumento de impostos, cortes de salários, redução de pensões e aposentadorias. Mas não viu melhora.

Hoje, a Grécia é um país insolvente, e a redução do déficit não aconteceu como previsto porque as receitas do governo também ficaram menores com a retração econômica. Ou seja, para o povo grego, o esforço parece ter sido em vão.

Ontem, as bolsas abriram em alta, comemorando a aprovação pelo parlamento grego das medidas de ajuste. Mas para essa crise há apenas alívios temporários. Já é tarde.

FONTE: O GLOBO

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